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Responsabilidade tributária do gestor por dissolução irregular da pessoa jurídica e a Portaria PGFN 948/17

Sendo a Portaria 948 um ato administrativo infralegal, não pode contrariar o disposto em lei (art. 37, caput, da CF), especialmente uma lei por ela mesma expressamente invocada como norma de observância obrigatória (art. 9º).

2/10/2017

Não há dúvidas de que o tema relativo à apuração da responsabilidade tributária em caso de dissolução irregular da empresa merece regulamentação há algum tempo, especialmente porque a Portaria PGFN 180/10 está longe de alcançar essa finalidade, pois prevê a possibilidade de inclusão do gestor (sócio ou não) diretamente na CDA mediante "declaração fundamentada da autoridade competente da RFB ou da PGFN".

Inexiste, na Portaria 180, previsão de contraditório. O procedimento lá previsto foi totalmente estabelecido em favor do Fisco, para viabilizar a inclusão extemporânea de novo sujeito passivo na CDA e, com isso, permitir sua persecução direta ou por redirecionamento em execuções fiscais.

Modificando esse procedimento, mas mantendo a mesma finalidade, foi publicada, em 19/09/2017, a Portaria PGFN 948, que regulamenta o que chamou de "Processo Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade – PARR", voltado a apurar a responsabilidade tributária de terceiros em decorrência de dissolução irregular de pessoa jurídica "devedora de créditos inscritos em dívida ativa administrados pela PGFN" (art. 2º, caput).

É fato que a mencionada Portaria trouxe avanços em relação à anterior, especialmente ao tentar assegurar o contraditório e a ampla defesa mediante a previsão de impugnação e recurso em face da pretensão de responsabilização. Prevê, ainda, a necessidade de a imputação indicar especificamente os indícios da ocorrência da dissolução irregular e conter comprovações e informações sobre a empresa, o terceiro que se busca responsabilizar e sobre a qualificação fático-jurídica da hipótese de responsabilização.

Nesse aspecto, a Portaria 948 atende a um anseio mínimo de segurança jurídica do terceiro, que, em princípio, não mais poderá ser surpreendido com sua inclusão em débitos desconhecidos. Não obstante, e sem adentrar nas discussões relativas à sujeição ou não do redirecionamento ao procedimento de desconsideração da personalidade jurídica previsto no art. 133 e seguintes do CPC/15 ou da própria possibilidade de apuração de tal responsabilização na via administrativa, tem-se que a Portaria 948 tangencia ao menos três questões que conduzem à sua invalidade, por violarem ora a Constituição, ora a Lei.

A primeira questão, e talvez a mais marcante, parte da constatação de que o procedimento nela traçado instaura-se para apurar a responsabilidade quanto a créditos já inscritos em dívida ativa (arts. 1º; 2º, caput, dentre outros). Ora, como se sabe, compete privativamente à autoridade lançadora constituir o crédito tributário, identificando os elementos da obrigação, dentre os quais, a sujeição passiva.

Forte nessa premissa, percebe-se que se já houve a constituição definitiva do crédito e se ele já foi inscrito em dívida ativa, não pode mais haver sua "revisão" para nele incluir um novo sujeito passivo, muito menos quando essa alteração será realizada por um agente absolutamente incompetente, em violação ao art. 142, do CTN, e à LC 73/93, que não prevê em seu art. 12 essa atribuição à PGFN.

O segundo ponto reside no fato de que, embora preveja a possibilidade de oferta de impugnação e de recurso em face da imputação, a Portaria viola flagrantemente os princípios do contraditório e da ampla defesa ao estipular que essas insurgências somente poderão versar sobre a apuração de responsabilidade (art. 4º, § 2º), embora determine em seu art. 7º que em caso de rejeição das defesas, o terceiro será considerado responsável pelas dívidas da pessoa jurídica relativamente aos créditos discutidos no PARR, podendo ser, também, em relação a "todos os [outros] débitos fiscais já inscritos em dívida ativa ou que vierem a ser, em cobrança judicial ou não, em nome da pessoa jurídica irregularmente dissolvida e dos corresponsáveis." (§ 1º)

Daqui decorrem duas observações: (a) uma pessoa não pode ser responsabilizada abstrata, objetiva, irrestrita e perenemente por todas as dívidas passadas e futuras da pessoa jurídica, vez que a apuração da responsabilidade deve ser feita caso a caso. O alcance do PARR, assim, não pode ir além daqueles créditos por ele englobados, não havendo que se falar em responsabilidade por presunção; e (b) se o efeito direto decorrente do PARR é a atribuição ao terceiro da condição de responsável por um crédito específico, só haverá respeito pleno aos princípios do contraditório e da ampla defesa se, após a finalização do procedimento, for reaberto o prazo para que seja possível impugnar o próprio lançamento! Com efeito, se passará a responder pelo crédito, o terceiro deve ter assegurado o direito de se defender em relação a todos os aspectos desse crédito (material, quantitativo, temporal etc.) e não só seu aspecto pessoal, sob pena de nulidade material do lançamento em relação ao responsável.

Por fim, a terceira questão. A Portaria 948 prevê que as decisões de primeira e segunda instâncias no âmbito do PARR serão proferidas por agentes/órgãos vinculados à PGFN (arts. 5º e 6º), violando, assim, as regras do art. 18, I e III, da lei 9.784/99, segundo as quais "é impedido de atuar em processo administrativo o servidor ou autoridade que tenha interesse direto ou indireto na matéria ou esteja litigando judicial ou administrativamente com o interessado ou respectivo cônjuge ou companheiro."

Sendo a Portaria 948 um ato administrativo infralegal, não pode contrariar o disposto em lei (art. 37, caput, da CF), especialmente uma lei por ela mesma expressamente invocada como norma de observância obrigatória (art. 9º).

Diante desse cenário, serão extremamente questionáveis eventuais decisões proferidas com base na Portaria PGFN nº 948/2017.

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*Ricardo Varejão é advogado e titular de direito tributário do escritório Queiroz Cavalcanti Advocacia. Mestre em Direito Tributário pela PUC-SP .



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