1. Introdução
O objetivo central deste artigo é discutir os principais elementos do term sheet (chamado também de MoU), especialmente quando este possuir cláusula não vinculante, visando à análise dos impactos legais decorrentes de eventual desistência por uma das partes da operação de M&A.
Além disso, caberá uma breve análise sobre a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (apelação 0005452-31.2013.8.26.0100), não apenas como um importante marco judicial, mas como ponto de partida para propor e discutir os diversos elementos não jurídicos, ou chamados de subjetivos, responsáveis pela construção de uma operação de M&A. A verificação da referida relação seria capaz de mitigar os riscos de indenização em caso de eventual desistência da operação, especialmente com relação à teoria da perda de uma chance.
Na conclusão, o desafio proposto será sugerir a seguinte reflexão: Seria suficiente haver um time responsável, na teoria e na prática, por toda comunicação externa entre vendedor e comprador dentro de um processo de M&A, com atribuições e funções pré-definidas, assumindo papel determinante na aplicação ou não de uma indenização, no contexto de um term sheet que possua uma cláusula não vinculante, após a desistência da operação de M&A por uma das partes?
2. A estruturação de um term sheet
O term sheet é o documento que apresenta os principais termos e as condições de uma operação de M&A, devendo detalhar todas as características principais do investimento proposto e, com isso, reduzir o volume de questões adicionais a serem negociadas no momento da celebração dos contratos finais.
Dessa forma, a negociação de um term sheet é a primeira oportunidade de apresentação entre vendedor e comprador, sendo este um importante momento para que ambos os lados conheçam seus respectivos interlocutores. Cada tipo de investidor pode se preocupar com questões negociais e contratuais distintas a depender do seu target (empresa a ser comprada ou investida), podendo prevalecer na negociação matérias que, por exemplo, envolvam veto em determinadas matérias, formação da administração, etc. Por sua vez, o ponto comum de preocupação entre qualquer tipo de investidor, desde a largada das negociações, é determinar as formas de proteção ao seu investimento, bem como os mecanismos de eventual saída do seu investimento.
Sendo assim, podemos perceber que o term sheet trata de questões sensíveis e que algumas vezes são padronizadas no fluxo de trabalho diário, sem que a elas seja dada a devida importância e atenção com relação aos detalhes de cada operação, inclusive com suas respectivas peculiaridades.
A cláusula padrão de um term sheet, que pode ter natureza vinculante ou não vinculante, é o meio pelos qual as partes determinam o tipo de vínculo a ser estabelecido durante a negociação. Além disso, como veremos a seguir, a referida cláusula apresenta elementos subjetivos importantes, não sendo uma proteção em si mesma dentro da relação contratual em questão.
3. A relação contratual e a boa-fé
Apesar de existirem posições contrárias na doutrina, podemos analisar o term sheet como sendo uma representação de uma relação contratual entre partes independentes e, portanto, dois princípios jurídicos devem ser observados pelas partes, os quais serão brevemente analisados a seguir.
O primeiro trata da autonomia da vontade, sendo este a representação da convergência entre partes livres e autônomas na tentativa de obterem o mesmo fim. Dessa forma, é possível identificarmos que todo contrato materializa um interesse comum, que será delimitado por certas obrigações e condições.
Além disso, ao se criar as condições para obtenção de um mesmo fim, cria-se também uma relação vinculante e determinada ao cumprimento das condições propostas, posto que o pacto criado se deu de maneira autônoma e livre.
O segundo princípio é o da boa-fé, introduzido no artigo 422 do Código Civil de 2002, que determina a forma de condução da relação entre as partes de um contrato, especialmente para reduzir abusos e eventuais induções ao erro de parte a parte.
A doutrina, nas palavras de Orlando Gomes1, defende que o term sheet não é um contrato e, portanto, um instrumento não vinculante, sendo apenas uma relação de termos a serem posteriormente definidos entre as partes.
Nas palavras de Maria Helena Diniz, os contratos são acordos de vontades, com o objetivo de estabelecer as condições e interesses entre as partes, capazes de criar, modificar e/ou extinguir relações jurídicas.2
Diante do exposto, é possível identificar que toda relação contratual, como é o caso do term sheet, tem por objetivo vincular as partes a certas condições e obrigações a serem definidas de forma autônoma e livre. Sendo assim, parece razoável que as partes definam de comum acordo uma cláusula não vinculante ao term sheet, não havendo motivo para a outra reclamar se o resultado pretendido não for atingido.
Contudo, a prática mostra situações que, motivadas muitas vezes pelo alto investimento de dinheiro e de tempo, termos definidos no passado podem assumir novas definições no presente, especialmente quando o resultado não é o inicialmente pretendido entre as partes, como, por exemplo, a estipulação da cláusula não vinculante.
4. O processo de análise dos documentos e due diligence
Com relação às condições prévias à celebração definitiva do negócio objeto do term sheet, a principal condição precedente refere-se ao processo de due diligence, pelo qual todas as informações da parte vendedora são enviadas e analisadas, na maioria das vezes, pelo assessor jurídico da parte compradora, para que este possa analisar contingências e delimitar os riscos da operação.
Neste momento da operação o que se busca é reduzir a assimetria de informações que naturalmente existe entre as partes. A teoria econômica da informação assimétrica, que inclusive já foi vencedora de prêmio Nobel em 2001, retrata os problemas causados por informações distintas entre as partes dentro de uma mesma operação, sendo esta uma das possíveis razões para o insucesso das negociações em sentido amplo.
O term sheet é o instrumento que simboliza a criação de uma relação entre partes estranhas uma à outra, restando, portanto, a possibilidade de se identificar um volume maior de elementos de ordem subjetiva do que de ordem objetiva, mesmo que a due diligence seja uma fase de suma importância e com critérios objetivos.
As contingências e os riscos a serem apontados na due diligence representam os elementos objetivos, os quais serão a primeira barreira a ser superada para sequência ou não da negociação da operação e, se de fato não for superada, a sua natureza de condição precedente seria suficiente para encerrar a operação. Por sua vez, a forma de negociação, o modus operandi de cada parte, a assessoria legal e financeira de cada lado, o tom dado nas conversas, os procedimentos de comunicação interna e externa de cada parte e a forma de se manifestar sobre o andamento da operação, são elementos subjetivos e ode maior valor dentro da operação de M&A, mas que muitas vezes ficam em segundo plano.
5. Decisão do TJ-SP (0005452-31.2013.8.26.0100)
O TJ/SP, nos autos da apelação 0005452-31.2013.8.26.0100, em decisão de dezembro de 2016, determinou que, dentro de uma negociação em que houvesse um term sheet com cláusula não vinculante entre as partes, não caberia tratar de indenização pela frustação da operação, se respeitadas algumas condições subjetivas.
No caso em tela, o comprador americano desistiu da operação no curso da due diligence, pois alegou que ocorreu a redução no desempenho das atividades das sociedades alvo. Em resposta à desistência, o vendedor brasileiro ajuizou ação com pedido de indenização pela quebra da negociação.
Ao longo da decisão proferida pelo TJ/SP, os principais argumentos para decisão da não aplicação da indenização tratou dos seguintes aspectos: (I) que ambas as partes eram empresas de grande porte e que ambas foram assessoradas por escritórios de advocacia especializados, não havendo qualquer assimetria de informação entre as partes; (II) que não houve quebra do princípio da boa-fé e da lealdade, uma vez que o comprador não criou qualquer expectativa ao vendedor, inclusive utilizando-se de e-mails que indicaram pendências no processo de due diligence; e (III) que não deveria ser aplicada a teoria da perda de uma chance, alegada pelo vendedor baseada em eventual proposta de terceiros interessados na empresa ora vendedora no curso das negociações, através de um e-mail apresentado pelo vendedor, mas que, ao olhos do Tribunal de Justiça de São Paulo, não se mostrou suficiente para caracterizar a perda real da chance do negócio.
Com relação à teoria da perda de uma chance, cabe um breve comentário no sentido de que ela é representada por uma perda de um resultado possível e acessível, não sendo apenas uma simples expectativa de resultado, inclusive já tendo sido analisada pelo Superior Tribunal de Justiça.3
A decisão em tela valorizou a autonomia de vontade entre as partes e trouxe à luz os riscos existentes e inerentes a todas as operações de M&A, não havendo a possibilidade de discutir-se sobre expectativas e possibilidade de sucesso, sem que todas as condições precedentes que integraram o term sheet tivessem sido superadas, documentos finais assinados e tenha sido efetivamente fechada entre as partes.
A decisão em diversos momentos destacou outro importante elemento, que assumiu protagonismo ao longo da negociação, que foi a forma de condução das negociações, especialmente com relação às comunicações escritas entre as partes, as quais foram inclusive levadas aos autos do processo.
6. A organização do time responsável pela operação (working group list)
Com os elementos apresentados nos itens acima, pode ser possível responder o questionamento proposto na introdução do presente artigo.
A formação do working group list e o fluxo das comunicações externas, especialmente entre partes, podem vir a ser os elementos centrais na definição ou não de uma indenização, mesmo que diante de term sheet com cláusula não vinculante, em face da desistência de uma operação de M&A.
Nas operações de M&A, durante as negociações das cláusulas do term sheet, a etapa que, na maioria das vezes, se apresenta como uma fase a ser superada ou uma questão de mera organização para troca de informações, é a definição do time de responsáveis pela operação e integração das partes, que inclui, em geral, membros da administração do vendedor e/ou do comprador e também membros da assessoria técnica (jurídica, financeira e contábil).
O time de responsáveis, na maioria das vezes, tem como objetivo definir o fluxo de informações da due diligence e, se ultrapassada essa fase, conduzir a troca de minutas dos documentos finais da operação.
A principal tarefa de cada time é estabelecer internamente as funções específicas e detalhadas de cada integrante, tendo, por exemplo, um responsável por receber as informações e outro responsável para enviar e/ou responder mensagens à parte contrária. Qual seria a razão dessa organização?
A sugestão acima está diretamente ligada ao argumento apresentado na decisão proferida pelo TJ/SP, acima descrita, com relação à forma de condução das negociações, seguida do afastamento da indenização.
As operações de M&A que não forem estruturas com base em times de profissionais especializados e com funções internas bem definidas, por mais que tenham em seus respectivos term sheets cláusulas não vinculantes entre as partes, podem estar sujeitas às obrigações de indenizar, em razão de e-mails, mensagens, indicações, respostas sugestivas, respostas otimistas, promessas, antecipação de resultado de aprovações internas, etc.
Além do exposto, cabe ressaltar que o mercado de M&A, em linhas gerais, era um espaço dominado por empresas de grande porte, que na maioria das vezes já possuíam assessoria técnica qualificada. Contudo, em razão das crises econômicas mundiais dos últimos anos e dos investimentos nas startups, o cenário atual brasileiro, por exemplo, indica que a maior concentração de operações de M&A envolve pequenas e médias empresas4, com base em dados de agosto de 2017. Sendo assim, resta maior atenção quanto às possíveis assimetrias das respectivas assessorias técnicas (jurídica, financeira e contábil) de cada parte, especialmente pelas diferenças de investimentos nas estruturas internas, a fim de reduzir as diferenças e nivelar as bases da negociação da operação pretendida, além de definir os riscos e mitigar possíveis erros de avaliação.
A decisão proferida pelo TJ/SP não indica que a cláusula não vinculante em um term sheet, única e exclusivamente, seja suficiente para embasar eventual desistência de uma operação de M&A, sem que haja, por exemplo, uma indenização pela perda de uma chance, e, sim, que a condução das negociações e a qualidade das mensagens trocadas podem ser determinantes para o afastamento da indenização em questão, não abrangendo demais descumprimentos de termos e condições do term sheet.
Diante do desafio proposto, é possível identificar que um time bem estruturado, composto por assessorias técnicas (jurídica, financeira e contábil) de ambos os lados, individualização dos responsáveis pela troca de mensagens entre as partes, entre outros, podem compor um conjunto de elementos importantes para aplicação ou não de eventual indenização pela perda de uma chance, em caso de desistência da operação.
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1 GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 68
2 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 30
3 Recurso Especial 788.459-BA.
4 TI - RADAR de Fusões e Aquisições, em agosto/2017.
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*Alexei Weidebach é advogado e especialista em Direito Societário e M&A.