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O embrião perfeito

Nem sempre um procedimento que conta com a aceitação do meio científico, se não for adequado para a ética recomendada, terá a aprovação popular.

27/8/2017

O homem, pela sua própria natureza, quando aliado à ciência, procura, de todas as formas, construir novas realidades a respeito das várias etapas da sua vida, compreendendo desde o nascimento até a morte. Assim é que a biotecnologia eclode de forma espetacular, trazendo inovações científicas que podem proporcionar uma vida com mais qualidade e uma longevidade que seja condizente com a dignidade apregoada constitucionalmente. Mas o progresso científico não caminha isoladamente. Há necessidade de que as novas práticas sejam compartilhadas e avaliadas pela própria humanidade para verificar se são convenientes, oportunas e adequadas para o ser humano, não só do aspecto tecnológico, mas também sob o ponto de vista ético e até mesmo bioético. O avanço é sempre bem-vindo, porém, em muitos casos, quando são apontadas situações que traduzem colidência entre a postura científica e a ética, há necessidade da filtragem humana para que seja feita a pertinente avaliação. Nem sempre um procedimento que conta com a aceitação do meio científico, se não for adequado para a ética recomendada, terá a aprovação popular.

Recentemente, pesquisadores americanos obtiveram significativo sucesso quando conseguiram eliminar uma doença hereditária em embriões criados por meio de fertilização in vitro, corrigindo a mutação do DNA responsável pela doença. Fato que foi noticiado mundialmente e fincará o marco de novas pesquisas no campo da engenharia genética.

A decifração do Código Genético é uma das maiores conquistas da humanidade. Conhecer a função que cada gene exerce no interior do DNA significa ler a informação genética e descobrir o código da vida. O homem, no entanto, não é apenas resultado do mapeamento genético, mas também dotado de potencialidade genética que, em sintonia com o meio onde vive, poderá diferenciá-lo dos demais, formando uma unidade exclusiva. A ciência inclina-se para desvendar os genes responsáveis por determinadas moléstias, como Alzheimer, Síndrome de Down, Parkinson e outras, com a intenção de alterar o código genético e possibilitar a erradicação definitiva delas.

Parte-se para uma medicina preventiva, estruturada no genoma para garantir a saúde humana. Comercialmente é possível fazer a leitura do DNA, não completa, mas que garimpa informações importantes para que a pessoa conheça seu código genético e, principalmente, para evitar a ocorrência de doenças de que tenha predisposição. É o verdadeiro nosce te ipsum do pensamento grego insculpido no Oráculo de Delfos, que apregoava o conhecimento de si mesmo para coordenar corretamente a vida.

O princípio da intocabilidade do embrião, é bom que se diga, já não tem aplicação plena, em razão dos avanços científicos na seleção dos embriões. Permanece sim a proibição de selecionar sexo ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, mas já não se questiona a realização do exame para diagnóstico pré-implantatório e testes genéticos visando verificar se o embrião é portador de alterações cromossômicas ou genéticas. Se a constatação for positiva, admite-se o procedimento corretivo. A esse respeito, comparece a Convenção sobre os Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano Face às aplicações da Biologia e da Medicina e esclarece sobre as intervenções com o genoma humano, em seu artigo 13º: "Uma intervenção que tenha por objeto modificar o genoma humano não pode ser levada a efeito senão por razões preventivas, de diagnóstico ou terapêuticas e somente se não tiver por finalidade introduzir uma modificação no genoma da descendência".

Sem dúvidas que o gigantesco passo agora dado trará novos horizontes para a humanidade, mas o questionamento ético a respeito da intervenção começa a ecoar com mais intensidade quando vem à tona a tão indesejada eugenia, além de eventuais outros riscos de manipulação embrionária. Quer dizer, o homem ficaria tentado a utilizar a fertilização in vitro para produzir uma prole inteligente e livre de doenças, pois se o embrião apresentar mutações indesejadas ou for portador de doença genética fatal, será descartado.

Faz até lembrar Harari quando se manifesta a respeito da elevação do Homo Sapiens a um nível superior ao que ele se encontra hoje: "Na busca da saúde, felicidade e poder, os humanos modificarão primeiro uma de suas características, depois outra, e outra, até não serem mais humanos1."

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1 Harari, Yuval Noah. Homo Deus: uma breve história do amanhã. São Paulo: Companhia das Letras, 2016, p. 57.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde. Reitor da Unorp, advogado, membro da CONEP/CNS/MS.





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