A partir da Lei Complementar 155 de 27 de outubro de 20161, da qual alterou substancialmente a LC 123/06 (Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte)2, criou-se a figura do investidor-anjo, com o fim de estimular o investimento em sociedades empresárias que possuem uma grande prospecção no cenários dos negócios e inovações, em especial as Startups, a partir de aportes de recursos, com consequente direito de participar no lucro e eventual valorização da sociedade empresária investida.
Independente da Lei Complementar 155/16 não ter conferido ao investidor-anjo o conceito de Sócio em sentido estrito - até por ter ampliado o conceito as fundos de investimentos (art. 61-D da LCP 123/16), posto que o rendimento deste investidor também não teria natureza de distribuição de lucros (adstrito a sócios ou acionistas) e, consequentemente, não teria o benefício da isenção tributária do imposto de renda pessoa física (IRPF), imaginou-se que pelo menos haveria incentivos fiscais, em especial diante do presente cenário econômico que assola o País.
A Receita Federal do Brasil, através da Instrução Normativa 1.719/17, publicada em 21 de julho de 20173, regulou, dentre outras questões tributárias, a tributação dos rendimentos decorrentes dos contratos de participação com aportes de capital efetuados pelos denominados investidores anjos, nos termos do art. 61-A da Lei Complementar 123, de 14 de dezembro de 20064, com o objetivo de incentivar as atividades de inovação e os investimentos produtivos em sociedades enquadradas como microempresa ou empresa de pequeno porte.
Os aportes destes investidores são concretizados através de contratos típicos de participação firmados entre as sociedades e o investidor-anjo, estando limitados a, no máximo, 50% (cinquenta por cento) do lucro da sociedade investida, por até, no máximo, 5 (cinco) anos (Art. 61- A, § 4o, III e § 6o da LCP 123/06). Quanto ao resgate do investimento realizado, o investidor-anjo estará obrigado a observar o prazo mínimo de 2 (dois) anos para poder receber de volta os seus recursos investidos (Art. 61 – A, § 7o da LCP 123/06). Com isto o legislador buscou proteger os empreendedores, tendo em vista que para o desenvolvimento e a consolidação de um business não teria como ser concretizado em um curto espaço de tempo.
Em um primeiro momento, a Lei Complementar 155/16 aparentava ter intuito de fomento ao acesso do aporte, na medida em que protegia o investidor-anjo em diversas searas do âmbito de responsabilidades jurídicas (Art. 61-A, § 3o, § 4o, I e II)5, mesmo havendo controvérsias6.
Assim, o investidor-anjo, que detém todas características de um "sócio" estratégico e principalmente provedor do chamado Smart Money7, sem laços societários, mas conhecido na doutrina societária como affectio societatis, agora se vê com um ônus tributário.
Infelizmente, a Receita Federal do Brasil foi de encontro às expectativas de um possível incentivo fiscal ou mesmo isenção tributária e passou a tributar o rendimento fruto deste aporte, através do mecanismo de retenção de imposto na fonte (tabela definida no artigo 5.º da IN 1.719/17), assim disposta:
Art. 5º Os rendimentos decorrentes de aportes de capital efetuados na forma prevista nesta Instrução Normativa sujeitam-se à incidência do imposto sobre a renda retido na fonte, calculado mediante a aplicação das seguintes alíquotas:
I - 22,5% (vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento), em contratos de participação com prazo de até 180 (cento e oitenta) dias;
II - 20% (vinte por cento), em contratos de participação com prazo de 181 (cento e oitenta e um) dias até 360 (trezentos e sessenta) dias;
III - 17,5% (dezessete inteiros e cinco décimos por cento), em contratos de participação com prazo de 361 (trezentos e sessenta e um) dias até 720 (setecentos e vinte) dias;
IV - 15% (quinze por cento), em contratos de participação com prazo superior a 720 (setecentos e vinte) dias.
As novas normas permitem que a alíquota incida sobre os rendimentos decorrentes do aporte de capital, utilizando a regressividade pelo prazo do contrato, segundo a Instrução Normativa, conforme delimita o artigo 1.031 do Código Civil8.
A alíquota mínima ficou em 15% (quinze por cento), tendo em vista que a LCP 123/06 dispõe que o resgate do valor aportado poderá ser efetuado depois de decorridos no mínimo dois anos do aporte de capital, podendo se estender até sete anos, por limitação legal (Art. 61- A, §1o da LCP 123/06). Entretanto, tendo como base o imposto de renda, que tem como alíquotas os vultuosos 7,5% (sete vírgula cinco por cento), 15% (quinze por cento), 22,5% (vinte e dois vírgula cinco por cento) e 27,5% (vinte e sete vírgula e cinco centavos) (IN RFB nº 1.558/15), ainda assim a maior alíquota fica inferior (IN RFB 1.719/17), podendo servir como estímulo aos investidores, mesmo tendo conhecimento de que há estudos envolvendo o aumento de tal tributo por parte do Governo.9
Mesmo havendo a necessidade de regulamentação, a fim de dar maior segurança jurídica ao mercado e tornar mais claras as regras de investimento, não se esperava uma alíquota deste porte. Isso porque, legalmente, não há tributação sobre os rendimentos recebidos por um sócio numa sociedade empresária, os chamados "dividendos", independente dos riscos mitigados pelo Legislador, sabe-se das imperfeições da norma. Assim, ao invés do investidor-anjo aportar dinheiro na sociedade empresária, seria mais vantajoso adquirir ações ou quotas sociais na empresa, vez que os dividendos são isentos de tributação.
Importa esclarecer que a lei 9.249/95, no intuito de evitar a bitributação, impôs que "Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior." (art. 10), contudo é alvo de discussão por congressistas.10
Há um pequeno movimento atentando para a discussão da legitimidade da Instrução Normativa. Ao que tudo indica, a Instrução Normativa ultrapassa seus poderes regulamentares, não possuindo legitimidade para definição de bases tributáveis e alíquotas, sendo, portanto, inconstitucional.
Isto porque, o próprio Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 884.999/BA, da 2ª Turma, de relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques, julgado em 16 de setembro de 2008, negou a aplicação da isenção sobre lucros distribuídos aos administradores de sociedades pelos seguintes fundamentos: a) sua base de distribuição não é o lucro líquido (arts. 193 a 205 da lei 6.404/76 - LSA), mas sim o lucro antes do imposto (artigo 190 da LSA); b) não consistia essa distribuição em remuneração de capital investido e, c) poderia ser usada como tática elisiva da tributação pela substituição da remuneração dos administradores pela distribuição de lucros.
Nenhuma dessas justificativas se apresenta no caso do investidor-anjo que: a) terá sua distribuição baseada no resultado da sociedade, ou seja, seu lucro líquido; b) é remuneração pelo aporte de capital, ou seja, pelo capital investido e c) inexiste outra alternativa de remuneração do investidor-anjo enquanto ele se mantenha nessa qualidade, ou seja, não há lugar para práticas elisivas.
Portanto, além de se enquadrar no artigo 10 da lei 9.249/95, o caso se ajusta perfeitamente nos argumentos elaborados pelo STJ que justificam a aplicação ou não do referido dispositivo.11
De qualquer forma, independente do negócio envolvido, tributar este tipo de investimento é tirar a atratividade de um dos investimentos mais arriscados que existem no mercado, embora potencialmente lucrativo. Em 2016, os investimentos-anjo chegaram a R$ 851 milhões, 9% (nove por cento) mais alto que em 201512. Dificilmente haverá um retorno interessante ou compensável nos primeiros 2 (dois) anos após o investimento, a fim de cobrir tais parâmetros tributáveis.
Diante destes pressupostos, caberá a cada investidor avaliar se a proteção dada à figura do investidor-anjo, que não pode ser responsabilizado pelas obrigações assumidas pela empresa investida, compensa a nova tributação, escolhendo a opção mais adequada entre os custos, referente aos dilemas envolvendo a nossa legislação tributária, e as garantias que pretende ter.
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4 Art. 61-A. Para incentivar as atividades de inovação e os investimentos produtivos, a sociedade enquadrada como microempresa ou empresa de pequeno porte, nos termos desta Lei Complementar, poderá admitir o aporte de capital, que não integrará o capital social da empresa.
5 § 3o A atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente por sócios regulares, em seu nome individual e sob sua exclusiva responsabilidade.
§ 4o O investidor-anjo:
I - não será considerado sócio nem terá qualquer direito a gerência ou voto na administração da empresa;
II - não responderá por qualquer dívida da empresa, inclusive em recuperação judicial, não se aplicando a ele o art. 50 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil;
6 As controversas dizem respeito a Teoria Menor da Desconsideração, por estar expressamente previsto que o investidor-anjo “não responderá por qualquer dívida da empresa, inclusive em recuperação judicial, não se aplicando a ele o art. 50 da Lei nº10.404, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil”, ou seja, apenas abordando a Teoria Maior da desconsideração da personalidade jurídica e gerando certas dúvidas a respeito da responsabilidade do investidor-anjo na seara trabalhista, consumerista e ambiental. Além disso, o investidor-anjo assume um risco ainda maior que alguns acionistas, pois estes podem ter direito a voto, ou seja, podem influenciar as condutas da sociedade, ao passo que aquele não tem essa prerrogativa
7 “O dinheiro inteligente, equivalente em português para smart money, deveria ser o alvo de todo empreendedor que busca um aporte, não importando apenas a quantidade de zeros do investimento.
A expressão serve para descrever os investidores que não irão aportar somente capital, mas que também serão um diferencial importante para a startup.
Eles costumam trazer forte experiência no mesmo mercado em que a startup atua, contribuem com insights importantes sobre o modelo de negócio, complementam o time com conhecimento em uma área crucial para a empresa, apresentam histórico de investimento na área, têm um forte networking junto aos clientes potenciais.” Ref. clique aqui.
8 Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.
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*Arthur Martinelli é advogado.
*Erinéia dos Reis é advogada.