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O STF e a mudança radical e alvissareira com relação à aplicação da ação constitucional do mandado de injunção

Na assentada do dia. 14 de junho p. passado, tivemos a oportunidade de assistir, com muito entusiasmo e júbilo, a manifestação inicial ( o julgamento foi interrompido com pedido de vista) do Pretório Excelso no julgamento do mandado de injunção intentado pelo Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado do Pará – SINJEP, objetivando a regulamentação do art 37, VII, da CF, vale dizer, com o fito de disciplinar o direito de greve no serviço público.

22/6/2006


O STF e a mudança radical e alvissareira com relação à aplicação da ação constitucional do mandado de injunção


Gustavo Hasselmann*


Na assentada do dia 14 de junho p. passado, tivemos a oportunidade de assistir, com muito entusiasmo e júbilo, a manifestação inicial ( o julgamento foi interrompido com pedido de vista) do Pretório Excelso no julgamento do mandado de injunção intentado pelo Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado do Pará – SINJEP, objetivando a regulamentação do art 37, VII, da CF, vale dizer, com o fito de disciplinar o direito de greve no serviço público.


O nobre Relator, Ministro Eros Grau -- rompendo com uma tradição da Corte Suprema, segundo a qual o Judiciário deve recomendar, assinando prazo para tanto, que o Legislativo ou o Executivo edite a norma legal cuja ausência se busca colmatar nessa ação constitucional ---, invocando o dever-poder do Judiciário de conferir a máxima eficácia às suas decisões, votou no sentido da regulamentação provisória da matéria antes referida, aplicando por analogia, sem prejuízo do princípio da continuidade do serviço público, a Lei 7.783/89 (clique aqui), que rege o direito de greve na iniciativa privada, no que foi acompanhado pelo Ministro Gilmar Mendes. Logo após , pediu vista o Ministro Ricardo Levandowski. Em meio à discussão do tema do conhecimento da ação, aventou-se a possibilidade de regulação específica e pontual para cada caso concreto, o que não vingou, à vista de possíveis e eventuais divergências e conflitos em julgamentos diversos, em afronta aos princípios da segurança jurídica e isonomia.


Em outro caso, na mesma sessão, no mandado de injunção aforado pelo SINDIPOL, o Ministro Gilmar Mendes, abrindo divergência, votou no mesmo sentido antes referido, seguindo-se, de igual forma, pedido de vista do Ministro Ricardo levandowski.


Nos dois casos, salientou-se a grande demora na edição das normas regulamentadoras do direito de greve no serviço público, o que tem gerado grande conturbação social, com a reiterada e indiscriminada decretação, pelo Judiciário, da ilegalidade das greves, à mingua de tal norma regulamentadora.


Essas posições sufragadas pelos ínclitos Ministros do STF representam um divisor de águas no trato da eficácia de sobranceira garantia constitucional, a saber, o mandado de injunção, de caráter instrumental, serviente a salvaguardar e conferir maior eficácia a direitos fundamentais, dentre outras partes da tessitura constitucional, arrolados nos arts 5º, 6º e 7º.


Conquanto seja um princípio reverenciado pelo neoconstitucionalismo, qual seja, o de se atribuir eficácia máxima e otimização crescente aos direitos e garantias individuais, o mandado de injunção, inobstante a literal dicção do art 5º, LXXI e § 1º, que realça e enfatiza o mandado de injunção como norma de eficácia plena, ou, para alguns, limitada, conforme lições do professor José Afonso da Silva, o STF vem, ressalvados os votos acima reportados, timidamente recomendando, apenas e tão – somente, que o Legislativo ou o Executivo elabore , em prazo fixado pela Suprema Corte, a norma faltante, o que, na prática, torna, em rigor de verdade tão proeminente garantia constitucional nonada, coisa nenhuma, à vista da recalcitrância, deliberada ou não, de tais Poderes em cumprirem a determinação do Judiciário. Encampando essa orientação o STF parece conceber o mandão de injunção como norma de eficácia limitada, ressalvada as posições recentes dos dois citados Ministros, que , sem dúvida, parecem enquadrá-la como de eficácia plena.


Em momento como o que atravessa o nosso País nos dias de hoje, a sociedade clama, ao menos os seguimentos mais esclarecidos, por um Estado que não seja só de direito, à moda do liberalismo ortodoxo, mas sim também social e Democrático e, nesse último aspecto, não só no que concerne à democracia representativa, mas também à direta ou semi – direta. Almeja-se sim uma democracia substantiva , com a efetiva participação da sociedade civil organizada, que deve valer-se não só dos instrumental fornecido pela CF, como o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular de leis, mas também das diversas e cabíveis formas de imputs. Só assim será alcançada a verdadeira cidadania e o valor de envergadura maior da dignidade da pessoa humana (art 1º, II e III), com a plena satisfação dos direitos individuais, sociais e difusos.


Quanto à legalidade, nos moldes como concebida no iluminismo, não atende mais , vale dizer , de forma exclusiva , os anseios sociais. Com efeito, ao lado da fiel observância da lei, exige-se mais do Estado: ética, legitimidade, transparência, moralidade e eficiência. Nesse diapasão, o juiz, que não é mais “ a boca da lei” , cumpre decisivo papel na realização do direito. É no Judiciário que desembocam, como desaguadouro último, as agruras , insatisfações e pretensões da coletividade, cabendo ao STF, num sistema de jurisdição constitucional como o nosso, a última palavra em questões fundamentais e decisivas para o destino da Nação.


Essas considerações de índole política ou filosófica, conquanto não sejam objeto direto do presente artigo, vêm a calhar na sua abordagem, na medida em que o mandado de injunção é uma garantia constitucional instrumental, preordenada à satisfação de direitos individuais e sociais dotados de prestígio, e assim erigidos no texto da CF, ímpar. Se é verdade que a autêntica cidadania só ocorrerá com a efetiva participação popular nas decisões do Estado, hoje ainda incipiente mercê das mazelas e vicissitudes da realidade social, inclusive a falta e/ou precariedade da educação do povo brasileiro, não menos verdadeira é a assertiva de que os Poderes Públicos, e aí incluímos com destaque maior o Judiciário, notadamente o STF, não podem ficar de mãos atadas, esperando mudanças culturais que seguramente tardarão a ocorrer.


Volvendo ao tema em análise, para não nos desviarmos da toada principal que anima o presente excerto, vale trazer á colação a posição do eminente Professor Luis Roberto Barroso, em “ O Direito Constitucional e a Efetividade De suas Normas”, 6ª ed, pág 252, que, após apontar duas correntes doutrinárias derredor da aplicação e eficácia do mandado de injunção --- a primeira no sentido de que o Judiciário deve determinar que o Legislativo ou Executivo edite a norma faltante e, a segunda, no sentido de que ele, Judiciário, deve suprir a lacuna disciplinando, com normatividade específica, o caso concreto posto à exame --, posiciona-se, ainda que com alguma resistência e vislumbrando alternativa diversa de ambas, por ele concebida, pela adoção do pensamento esposado pela segunda das citadas correntes, salientando, entretanto, que o STF vem privilegiando a primeira delas, verbis:

"Em conseqüência , afigura-se fora de dúvida que a melhor inteligência do dispositivo constitucional (art 5º, LXXI) e de seu alcance está em ver no mandado de injunção um instrumento de tutela efetiva de direitos que, por não terem sido suficiente ou adequadamente regulamentados, careçam de um tratamento excepcional, qual seja: que o Judiciário supra a falta de regulamentação, criando a norma para o caso concreto, com efeito limitado às partes” do processo."

Como visto linhas atrás, não foi essa a orientação albergada nos votos dos dois eminentes Ministros nos citados casos. Com efeito, na esteira do citado professor Luis Roberto Barroso, o STF parece que evoluirá para suprir a lacuna legal ou normativa, mas não só para o caso concreto, vez que, segundo discussão havida naquela assentada, prevaleceu o entendimento, até o presente momento, de que a regulamentação deve ser genérica, evitando-se orientações divergentes e conflitantes, no que se obsequia os princípios da igualdade e segurança jurídica.


Por fim, não que se objetar, em contraponto aos votos dos dois eminentes Ministros, com o mito de que o STF não pode ser legislador positivo, invadindo a seara de outros poderes, notadamente o Legislativo, em maltrato ao princípio da separação dos poderes (art 3º da CF). A uma, porque, no nosso sentir, respeitando a autonomia do Legislativo e a proibição de excesso no particular, o STF diz, a todo momento, o que é a CF, ou melhor , a CF é o que o STF diz ser ela; segundo a teoria da tripartição dos poderes iniciada com Aristóteles e com os contornos finais de Montesquie, todos os poderes têm função normativa, bastando atentar para o abuso de Medidas Provisórias, com força de lei, protagonizadas pelo Executivo, não soando estranho que o Judiciário também a tenha, inclusive em determinadas hipóteses, como no caso em apreço, em que os outros Poderes se mostram omissos e recalcitrantes na sua função normativa relevante de permitir a eficácia de direitos fundamentais, o que desafia a garantia do mandado de injunção, nos moldes como preconizado nos votos dos dois citados Ministros do STF; por fim, nos casos citados e em outros, , a regulamentação pode e deve ser provisória, quedando quando o Poder competente purgar a sua mora (nos casos em tela uma particularidade que faz, por outro prisma, ruir a tese da vedação do legislador positivo: os citados Ministros votaram no sentido de aplicar a Lei 7.783/89, promulgada pelo Congresso e sancionada pelo Presidente da República, até que outra seja criada regulando a greve no serviço público.


Desse modo, folgamos pelo entendimento manifestado nos citados votos dos Ministros Eros Grau e Gilmar Mendes, esperando que na mesma trilha se posicione o voto vista do Ministro Ricardo Levandowski e os demais pares.
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*Procurador do Município de Salvador e advogado militante





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