Sem dúvidas, o fantasma da crise fiscal tem, de fato, assustado a realidade econômica do Estado brasileiro, bem como também a vida das pessoas, digo, contribuintes, quotidianamente. E a consequência disso?! Sentimos diretamente no bolso por meio dos aumentos dos tributos, os indiretos, em especial, ressaltem-se.
Em épocas agudas de crises assim, o Governo parece esquecer alguns limites que lhe foram impostos, tudo na ânsia voraz de querer bater suas metas. A polêmica atual, novamente, diz respeito aos aumentos dos tributos sobre combustível. Explico: o novo decreto de 9.101/17 reestabelece o aumento das alíquotas do PIS/COFINS sobre combustível.
Daí ser mister algumas ponderações:
1* Essa triste realidade advinda ao mundo tributário, como costumeiramente acontece, não respeitou direitos e garantias máximas do contribuinte, a saber, o princípio da legalidade e o da noventena, veremos mais à frente o porquê disso.
2* Numa rápida perspectiva histórica, o ente público já agiu de modo semelhante quando na criação do IPMF – o Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira, instituído pela Lei Complementar 77/93, visto que houve um desrespeito flagrante aos princípios supramencionados. Consequência? Por meio da ADIN 939, cujo relator fora o Min. Sydney Sanches, o Guardião da Constituição Federal reconheceu a inconstitucionalidade da lei que instituiu o famigerado imposto por ela ofender os princípios da anterioridade e noventena, os quais tanto o STF, quanto o STJ consideram direitos e garantias fundamentais1 do contribuinte, cláusulas pétreas, portanto como bem já nos ensinou doutrinadores eminentes como Hugo de Brito Machado e Roque Carraza2.
É crucial, ainda que simploriamente, conceituar os princípios trazidos à baila até aqui. Todos são previstos em nossa Lei Maior vigente, no seu art. 150. A legalidade é vista no I desse artigo e afirma que, in litteris:
Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.
Sobre os princípios remanescentes, ainda ratifica o mesmo artigo:
[...]
III – cobrar tributos:
[...]
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; (Incluído pela Emenda Constitucional 42. de 19/12/03)
Daí, podemos inferir o seguinte: a regra é que a lei seja o mecanismo para criação ou aumento dos tributos e que tal fenômeno só pode, ainda também sendo a regra para a maioria dos casos, vir a tornar-se eficaz, pelo menos, em duas situações: no ano subsequente ao ano do aumento ou criação, ou, no mínimo, transcorrido 90 dias de sua majoração.
Afirmamos que isso seria a regra devido à Emenda Constitucional de 42/03, uma vez que ela limitou a incidência dessas garantias em relação a alguns tributos, em especial os extrafiscais.3
Devemos, contudo, ser cautelosos: PIS/COFINS não é a mesma coisa que a CIDE/COMBUSTÍVEL, pensar sim, a meu ver, seria uma aberração jurídica. São contribuições com destinação diferentes: a primeira custeia a seguridade social conforme os artigos 195 e 239 da CF/88, a segunda, por outro lado, é a famosa Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, de competência da União, está prevista na Constituição Federal de 1988, em seu art. 149, e, em se tratando ainda da CIDE/COMBUSTÍVEL, a lei no 10.336 prevê sua hipótese de incidência sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico.
A implicação prática disso? Esta última contribuição destaca, devido à EC 33/01, não se sujeita ao princípio da anterioridade. Mas o que é ruim poderia ficar pior: a lei referente à PIS/COFINS 9.718, art.5º, parágrafo 8º, outorga ao Poder Executivo a aptidão para fixar coeficientes para redução das alíquotas, as quais poderão ser alteradas, para mais ou para menos, em relação a classe de produtores, produtos ou sua utilização.
Ou seja: o restabelecimento das alíquotas de PIS/COFINS trazido pelo artigo 27, parágrafo 2º, da lei 10.685/04, por meio de decreto, seria algo permitido em nosso Ordenamento Jurídico pátrio.
Sem muitas delongas, no que diz respeito às contribuições aludidas no parágrafo anterior, tal fato é questionável e eivado de um explícito vício de inconstitucionalidade, já que a CF/88 NÃO mitigou o princípio da legalidade tributária em relação àquelas, destarte, somente a lei poderia aumentar suas alíquotas. No que cerne ao princípio da anterioridade mitigada, isto é, noventena, o mínimo de escrúpulo esperado pela União seria o de respeitar o tão sofrido e conquistado DIREITO FUNDAMENTAL do prazo de noventa dias para adequação à nova realidade tributária imposta aos contribuintes.
Bom, o decreto em epígrafe é novo, quentinho, acabando de sair do forno, mas o desrespeito voraz do Fisco, como já vimos, é vetusto. Não quero, contudo, terminar essa breve reflexão causando mais uma sensação de impotência e revoltar no meu leitor contribuinte, não. Sinceramente, como já outrora afirmou o poeta português Fernando Pessoa ‘ Tenho em mim todos os sonhos do mundo’, assim, por mais dura que seja a realidade circunscrita, que possamos encontrar forças por meio dos sonhos de que um dia nossa Constituição Federal não será uma espécie de conto de fadas.4
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1 DI 939, Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 15/12/1993, DJ 18-03-1994 PP-05165 EMENT VOL-01737-02 PP-00160 RTJ VOL-00151-03 PP-00755. STJ - ERESP 327683 -RJ
2 CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. - 21. ed. - São Paulo: Malheiros, 2005. MACHADO, Hugo de Brito. Direitos e Garantias Fundamentais do Contribuinte e a efetividade da jurisdição, tese de Doutorado. UFPE.
3 § 1° A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso II, c, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, li, 111 e V; e 154, li, nem à fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, 111, e 156, I. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº. 42. de 19.12.2003)
4 Sobre o autor: Formado em Direito pela Faculdade de Direito do Recife- UFPE. Pós-graduando em Direito tributário e bacharelando em Ciências Contábeis pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Advogado.
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*Wandreson Rocha Batista é advogado.