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Tempos de crise: controvérsias envolvendo a extinção do compromisso de venda e compra de imóveis

Com a crise, se tornou comum a extinção contratual imobiliária pela taxa de juros elevada e a dificuldade em conseguir financiamentos.

21/7/2017

Introdução

O mercado imobiliário brasileiro viveu tempos áureos nos anos de 2006 a 2014. Com abundância de crédito e pleno emprego, as vendas explodiram e não raras vezes lançamentos eram integralmente vendidos em apenas algumas horas, antes mesmo do início da construção.

Firmado o instrumento particular, caso o consumidor tivesse dificuldades na obtenção do financiamento ou mesmo desistisse da compra, a considerar que os preços dos imóveis eram crescentes, as construtoras não apresentavam óbices para extinguir a avença, devolvendo parte, ou grande parte do valor pago. A depender das circunstâncias, manifestado o interesse do consumidor na extinção do contrato, algumas empresas realizavam a devolução integral dos valores pagos. A revenda dessas unidades era fácil e era possível, inclusive, auferir lucro com a revenda.

Nos atuais tempos de crise econômica, minguou a abundância do crédito e o desemprego aumentou exponencialmente, ocasionando o aumento da taxa de juros dos financiamentos. Além disso, a queda na demanda pela aquisição de imóveis fez com que o preço dos imóveis baixasse consideravelmente. Com grande estoque de unidades, as incorporadoras passaram a ofertar os imóveis com consideráveis descontos, muitas vezes em valores mais baixos do que o consumidor adquiriu há um ou dois anos atrás.

Diante de tal cenário, a crise do mercado imobiliário fez surgir três grandes grupos de consumidores que pretendem a extinção do compromisso de venda e compra.

O primeiro grupo de consumidores é aquele que, após ter firmado o contrato preliminar de venda e compra, não consegue obter o prometido financiamento e, assim, pleiteia o término do contrato imobiliário.

O segundo grupo de consumidores é aquele que, embora tenha conseguido o financiamento, porque a taxa de juros foi elevada, acaba desistindo da continuidade do negócio. Nesse grupo também podemos citar o casal de jovens que, após terem firmado o contrato, acabam se separando e, por isso, pretendem a extinção contratual.

O terceiro grupo é aquele que, após ter firmado o compromisso de venda e compra, simplesmente desiste da aquisição, seja porque verificou imóvel nas proximidades a um preço mais barato, seja porque entende que aquele investimento imobiliário não vale mais a pena.

Manifestado o interesse na extinção do contrato, contrariamente a tempos passados, a maioria das empresas não têm autorizado o término contratual nas mesmas condições dos tempos anteriores. Outras empresas, embora admitam a possibilidade da extinção da avença, apresentam como condição uma retenção em percentual com o qual o consumidor não concorda.

Diante de tais conflitos, a extinção dos contratos de venda e compra de imóveis foi judicializada de forma exponencial em todo o país. O presente artigo tem por objetivo destacar as principais controvérsias envolvendo a extinção do compromisso de venda e compra.

Para tanto, antes de estudarmos a extinção dos compromissos de compra e venda de imóveis, necessário relembrarmos, num brevíssimo resumo, as formas tradicionais de extinção dos contratos em geral.

1) DAS FORMAS DE EXTINÇÃO DO CONTRATO E SUAS CONSEQUÊNCIAS

Pode-se dizer que a causa natural de extinção do contrato é o adimplemento, que significa o cumprimento das respectivas obrigações contratuais, nos exatos termos previstos na avença.

Mas os contratos podem ser extintos não apenas pelo adimplemento da obrigação. Também podem ser extintos, nas avenças personalíssimas, em virtude da morte de uma das partes e nas hipóteses de caso fortuito e força maior (resolução sem culpa das partes).

O contrato também pode ser extinto em virtude de circunstâncias simultâneas ou anteriores à sua formação. Nesses casos estamos diante de hipóteses de nulidade ou anulabilidade dos contratos. A ocorrência de nulidade – seja absoluta seja relativa – é típica hipótese que pode ser anterior à celebração, mas que continua de tal forma que impossibilita a produção válida de efeitos.

Para os fins a que se destina o presente artigo, trataremos doravante apenas a extinção dos contratos por causas supervenientes à sua formação, ou seja, trataremos da extinção de contratos válidos e eficazes e que, por fatos supervenientes à sua celebração, podem ser extintos, sem que se verifique a morte de uma das partes ou as hipóteses de caso fortuito ou força maior1.

Também vamos tratar apenas da extinção de contratos preliminares (compromisso de venda e compra) e não contratos em que já tenha sido lavrada escritura pública ou mesmo nas circunstâncias onde haja o pacto adjeto de alienação fiduciária porque, nesse último caso, a extinção contratual por inadimplemento será regida pelo regime especial da lei 9.514/97.

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1 Como bem ressaltou Francisco Loureiro, “a resolução se encaixa como um direito extintivo de impugnação, ou de agressão, com a ressalva de que tem origem em fatos ocorridos em momento posterior ao do nascimento ao contrato. Importante essa ressalva, para fazer a distinção entre a natureza da resolução e a da anulação, ou declaração de nulidade, pautadas em fatos existentes no momento da celebração. Lembre-se que, enquanto a ação de anulação ataca diretamente a relação em seu fundamento, invalidando o contrato, a ação resolutória mantém íntegro o contrato, no plano da validade, afetando somente os seus efeitos [...] ainda no tocante à natureza da resolução, tem-se entendido que se trata de fato extintivo que atinge o plano da eficácia do contrato, não o plano da validade. Em outras palavras, a resolução pressupõe a existência de um contrato válido”. In: LOTUFO, Renan; NANNI, Giovanni Ettore (coordenadores). Teoria geral dos contratos. Extinção dos contratos. São Paulo: Atlas, 2011, p. 625.

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Para aqueles que se interessam pelo Direito Imobiliário, Alexandre Junqueira Gomide e Fábio Tadeu Ferreira Guedes são coautores do livro "Temas de Direito Imobiliário" – Tomo 1. A obra foi editada pela Editora IASP e faz homenagem ao prof. des. José Osório de Azevedo Jr.




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*Alexandre Junqueira Gomide é especialista e mestre em Ciências Jurídicas. Mestrando em Direito Civil. Colaborador do Blog Civil & Imobiliário. Professor. Advogado. Sócio de Junqueira Gomide & Guedes Advogados Associados.

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