O novo Código de Processo Civil, no afã de dar maior concretude ao princípio da duração razoável do processo teria restringido o cabimento do recurso de agravo de instrumento às hipóteses pré-estabelecidas no rol do art. 1.015?
Mais de um ano após o início de sua vigência, a questão remanesce extremamente polêmica, com diferentes posicionamentos na doutrina e na jurisprudência, ora a favor da taxatividade do rol que traz o art. 1.015, restringindo a interposição do Agravo àqueles casos unicamente, ora permitindo uma intepretação extensiva, de modo a ampliar as hipóteses de cabimento do recurso.
Até o presente momento, pelo que se pode observar, a maioria dos tribunais estaduais têm entendido que as hipóteses do art. 1.015 não devem ser ampliadas, o que significa dizer que o rol do mencionado dispositivo é taxativo.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, tem externado esse entendimento, como se observa no Julgamento nº 2055024-86.2017.8.26.0000 em que ficou ementado que a decisão recorrida "não se enquadra nas hipóteses do rol taxativo do art. 1.015, do novo Código de Processo Civil". No mesmo sentido os seguintes Agravos: 2064780-22.2017.8.26.0000; 2074433-48.2017.8.26.0000; 2242335-60.2016.8.26.0000.
Por outro lado, há tribunais que ainda não firmaram um entendimento pacífico quanto ao tema, como é o caso do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, onde as Câmaras divergem sobre a interpretação taxativa ou extensiva do rol do art. 1015. No julgamento do Agravo Interno em Agravo de Instrumento nº 0702465-13.2016.8.07.0000, uma das Câmaras daquele Tribunal entendeu pela interpretação taxativa do rol do art. 1.015, não se conhecendo do recurso. Já no julgamento colegiado não unanime ocorrido no recurso de Agravo de Instrumento nº 0036662-35.2016.8.07.0000, outra Câmara do mesmo tribunal deu interpretação extensiva do rol do art. 1.015.
A doutrina também diverge. José Miguel Garcia Medina, por exemplo, ao entender que o rol do art. 1.015 é taxativo, sugere, como solução, a impetração de mandado de segurança1. Todavia, há boa parte da doutrina que entende diferente, e com aparente razão.
Para Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, "a fim de limitar o cabimento do agravo de instrumento, o legislador vale-se da técnica da enumeração taxativa das suas hipóteses de conhecimento. Isso não quer dizer, porém, que não se possa utilizar a analogia para interpretação das hipóteses contidas nos textos." Concluem que mesmo o rol sendo taxativo isso por si só "não elimina a necessidade de interpretação para sua compreensão: em outras palavras, a taxatividade não elimina a equivocidade dos dispositivos e a necessidade de se adscrever sentido aos textos mediante interpretação".2
Com razão essa corrente doutrinária, afinal se "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" (Art. 5º XXXV da Constituição Federal) não seria correto interpretar o art. 1.015 de modo a restringir o acesso aos tribunais e consequentemente ao próprio Poder Judiciário, em violação ao aludido dispositivo constitucional!
Teresa Arruda Alvim, citando Fredie Diddier e Leonardo Carneiro da Cunha, entende que mesmo o rol sendo taxativo "nada impede que se dê interpretação extensiva aos incisos do art. 1015. Por isso, é que, muito provavelmente, as exigências do dia a dia farão com que surjam outras hipóteses de cabimento de agravo, que não estão previstas expressamente no art. 1015, mas podem-se considerar abrangidas pela via da interpretação extensiva. Um bom exemplo é o dado por Fredie Didier e Leonardo Carneiro da Cunha: se a decisão que rejeita a convenção de arbitragem é recorrível de agravo (art. 1015, III), também deve ser agravável a que dispõe sobre a competência (relativa ou absoluta), pois são situações muito semelhantes".3
Convém acrescentar que o Código de Processo Civil de 1939, tinha um dispositivo bem semelhante ao atual art. 1.015 (Artigo 842), que também limitava a interposição recursal. Esse, contudo, foi revogado pelo CPC de 1973 e que, por sua vez, já não mais previa limites à interposição do Agravo. O recurso à intepretação histórica nos leva a concluir que considerar o art. 1.015 como taxativo seria retroceder a 1939 e trazer de volta uma interpretação retrógrada.
Muito menos correto é dizer que a restrição ao cabimento do Agravo possibilita uma maior celeridade ao processo, pois a bem da verdade faz um efeito contrário.
Se há uma nulidade de uma decisão judicial não impugnável por agravo, não aceitar tal recurso para saná-la, aguardando o momento do julgamento da Apelação ou contrarrazões significa, com bem exemplifica Daniel Amorim, "armar uma verdadeira 'bomba relógio' (...). Não é difícil imaginar o estrago que o acolhimento da impugnação de decisão interlocutória nesse momento procedimental ocasiona ao procedimento, ao anular todos os atos praticados posteriormente à decisão interlocutória impugnada. Basta imaginar um processo no qual a prova pericial foi indeferida, a parte não pode agravar e alegou o cerceamento de defesa na apelação. Depois de longo lapso temporal, quando o tribunal de segundo grau finalmente enfrenta e julga a apelação, reconhece que houve um cerceamento de defesa." Com isso, "voltariam os autos ao primeiro grau para a produção da prova pericial, sendo no mínimo a sentença anulada. É realmente concernente com os princípios da economia processual e da duração razoável do processo tal ocorrência?" 4
Impedir a interposição do recurso de agravo de instrumento não obsta o surgimento de outras medidas impugnativas, tal como o mandado de segurança, que tende a se reincorporar na prática forense contra toda e qualquer decisão judicial da qual a parte se sentir lesada e contra a qual não couber o recurso de agravo. Os tribunais continuarão tendo que julgar medidas impugnativas das decisões não previstas no art. 1.015.
Para evitar esse retrocesso, a doutrina vem aceitando a intepretação ampliativa das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento, com utilização de raciocínio analógico para tornar recorrível por agravo de instrumento decisões interlocutórias que não estão expressamente previstas no rol legal. Desde que se mantenham a razão de ser das previsões legais, sem generalizações indevidas, parece ser uma boa solução. (Marinoni-Arenhart-Mitidiero, Novo, p. 946). Scarpinella, Novo, p. 653.
A interpretação da lei nunca pode ser feita de modo a prejudicar o jurisdicionado. Foge à competência do legislador, ou de qualquer estudioso do assunto, por mais experiente e técnico que seja, antever a possibilidade de todas as decisões judiciais que necessitem de uma impugnação pela instância superior, razão pela qual o elenco do art. 1.015 jamais poderia ser exaustivo. Impedir o acesso imediato ao Tribunal é infringir frontalmente o princípio do duplo grau de jurisdição contra qualquer ato judicial ou administrativo (Art. 5º, LV da Constituição Federal). Não se pode perder de vistas, também, o direito do jurisdicionado ao contraditório e à ampla defesa, certamente é diluído com a interpretação restritiva do art. 1.015 do CPC/15.
Por todos esses argumentos, deveria prevalecer a corrente mais liberal, de que é exemplo o voto proferido no TJDFT, no julgamento do Agravo de instrumento nº 0036662-35.2016.8.07.0000, quando propugnou que "no plano horizontal, ou seja, dentro do significado de cada uma das hipóteses listadas, seja empregada interpretação extensiva ou analógica tendente a estabelecer sua amplitude jurídica, notadamente a partir da visão sistemática de todo o Estatuto Processual."
Em outras palavras, é de se permitir a intepretação extensiva das hipóteses delineadas no art. 1.015, em prol de se evitar ao jurisdicionado lesões decorrentes da afronta à segurança jurídica e à razoável duração do processo, o que certamente acontecerá caso se mantenha uma interpretação restritiva do dispositivo.
1 Medina, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado [livro eletrônico]: com remissões e notas comparativas ao CPC/1973/José Miguel Garcia Medina. – 1. Ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.
2 Novo Código de Processo Civil Comentado, 2ª ed. em e-book, baseada na 2ª ed. impressa, Editora Revista dos Tribunais, 2016
3 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins; RIBEIRO; Leonardo Ferres da Silva; e MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2016. p. 1614.
4 Manual de direito processual civil – Volume único / Daniel Amorim Assumpção Neves – 8. ed. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.
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*Marcio Gomes Pires coordena a área de contencioso cível da MLD – Mário Luiz Delgado Advogados. Especialista em Direito Imobiliário pela EPD e Processo Civil pela PUC/SP.