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Governança corporativa - III - Princípio da Moralidade

No artigo anterior, o número II desta série, discorri sobre o “Princípio da Eticidade”, o primeiro do “Decálogo de Princípios de Governança Corporativa”, e, hoje, trato do “Princípio da Moralidade”, porque, tal como o termo Justiça ultrapassa os limites estreitos e frágeis do Direito e abarca e engloba preceitos de ordem Ética e Moral, os Princípios da Eticidade e da Moralidade vão muito além das normas dos “Códigos de Governança Corporativa” ou “Códigos de Conduta Ética”, editados no país e no exterior.

14/6/2006


Governança corporativa

- III -

Princípio da Moralidade


Jorge Lobo*

Os escândalos financeiros são conseqüência de comportamentos desonestos” (Héléne Ploix).


No artigo anterior, o número II desta série, discorri sobre o “Princípio da Eticidade”, o primeiro do “Decálogo de Princípios de Governança Corporativa”, e, hoje, trato do “Princípio da Moralidade”, porque, tal como o termo Justiça ultrapassa os limites estreitos e frágeis do Direito e abarca e engloba preceitos de ordem Ética e Moral, os Princípios da Eticidade e da Moralidade vão muito além das normas dos “Códigos de Governança Corporativa” ou “Códigos de Conduta Ética”, editados no país e no exterior.


Comecei pelos Princípios da Eticidade e da Moralidade com a finalidade precípua de deixar patente que, tão ou mais importante do que as regras, escritas e consuetudinárias, de Governança Corporativa, que visam, sem dúvida, à realização da Justiça e do Direito, são as idéias, impregnadas de valores perenes, que nos legou a cultura grega, de “homem bom e justo”, de “homem prudente e temperante”, das virtudes, que ornam a sua personalidade e o seu caráter, e dos vícios, que a maculam, etc.


Embora o cientificismo pregue, com estrépito, que nada existe de permanente, que tudo muda ao longo da história, os problemas essenciais da Filosofia — e também os do Direito — permanecem os mesmos, a desafiar a ciência dos especialistas num mundo que se pauta pela praxis e que segue o lema primun vivere, deinde philosophari (primeiro viver, depois filosofar).


Por isso, só o Princípio da Moralidade, aliado ao da Eticidade, pode combater procedimentos corriqueiros das empresas, sobretudo das grandes empresas, e dos empresários, os intocáveis “capitães de empresas”, que vêm sendo denunciados em todo mundo, pois, frise-se, partindo da noção de Direito ministrada por Aristóteles, enquanto o direito se encontra nas cousas, no real, no exterior, a moral viceja no sujeito, no interior do homem, em sua consciência, daí porque o domínio da Moral é muito mais vasto do que o do Direito.


Se não, vejamos, com base num caso concreto, noticiado pela imprensa de todo mundo.


A Revista Exame, edição 863, p. 84/85, informa que a WAL-MART, a maior companhia do mundo, com faturamento de 315 bilhões de dólares e 1.6 milhão de empregados em 15 países, foi acusada: (a) de explorar o trabalho de crianças hondurenhas; (b) de, nos últimos dez anos, haver levado à falência 31 varejistas americanos; (c) de sacrificar seus fornecedores com a imposição de baixíssimos preços, “preços asfixiantes”, que os levam a comprometer a qualidade do produto, a por em risco o futuro da própria companhia, a burlar as leis trabalhistas e a manter suas instalações em precárias condições de higiene.


É curial que a WAL-MART agiu de comum acordo com os pais dos trabalhadores infantis (ressalve-se, por oportuno, que a reportagem esclarece que a direção da companhia afirma que desconhecia o fato e, quando dele tomou ciência, interrompeu os contratos), com os varejistas e com os fornecedores, razão pela qual não feriu o direito, nem a lei, pois, anote-se, de novo, o fim do Direito não é fiscalizar a virtude do indivíduo, nem a busca da verdade, mas atribuir a cada um o que é seu (suum cuique tribuere), porém, certamente, violou o Princípio da Moralidade.


Por fim, registre-se, não haveria necessidade de os mais diversos países do mundo ocidental, como, por exemplo, atualmente, a Inglaterra, de estabelecer padrões de demonstrativos financeiros, operacionais e de risco, nem, tampouco, de minuciosos e exaustivos regulamentos sobre transparência e divulgação de “informações cruciais de desempenho” e “material prospectivo” (Robert Bruce, do Financial Times, de Londres), caso o Princípio da Moralidade fosse observado e seguido à risca.
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*Livre Docente em Direito Comercial pela UERJ





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