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A atual jurisprudência acerca da Contribuição Previdenciária devida nos valores pagos a título de um terço de férias

Sendo o terço de férias um pagamento com claro viés indenizatório e sem qualquer habitualidade, não há que se falar em pagamento da contribuição previdenciária.

26/6/2017

Desde a edição da lei 8.212 de 24 de julho de 1991, o pagamento de contribuição previdenciária referente ao terço de férias, indenizadas e gozadas, tem sido objeto de diversos questionamentos pelos contribuintes nos tribunais.

Em linhas gerais, a exigência de recolhimento da contribuição previdenciária, a cargo da empresa, referente ao terço de férias, encontra previsão nos seguintes dispositivos:

Lei 8.212/91

"Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de:

I - vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa.

________________________________________________________________

Art. 28. Entende-se por salário-de-contribuição:

I - para o empregado e trabalhador avulso: a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa;"

Apesar da lei 8.212/91 prever, por meio dos dispositivos supra o recolhimento da contribuição, justifica-se a não incidência sobre o terço de férias com base no texto constitucional, mais precisamente §11, do artigo 2011 que expressamente dispõe que a hipótese de incidência são os ganhos habituais incorporados ao salário.

Sendo o terço de férias, um pagamento com claro viés indenizatório e sem qualquer habitualidade, não há que se falar em pagamento da contribuição previdenciária.

Nas palavras de Maurício Godinho Delgado, o terço constitucional de férias é "uma parcela com nítido caráter acessório: trata-se de percentagem incidente sobre as férias. Como acessório que é, assume a natureza da parcela principal a que se acopla. Terá, desse modo, caráter salarial nas férias gozadas ao longo do contrato; terá natureza indenizatória nas férias indenizadas na rescisão.2"

No julgamento do REsp 1.230.957/RS, submetido a sistemática de recurso repetitivos, na forma do artigo 543-C do CPC/73, o STJ decidiu que não incide contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias, indenizadas e gozadas, senão vejamos:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSOS ESPECIAIS. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA A CARGO DA EMPRESA. REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. DISCUSSÃO A RESPEITO DA INCIDÊNCIA OU NÃO SOBRE AS SEGUINTES VERBAS: TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS; SALÁRIO MATERNIDADE; SALÁRIO PATERNIDADE, AVISO PRÉVIO INDENIZADO; IMPORTÂNCIA PAGA NOS QUINZE DIAS QUE ANTECEDEM O AUXÍLIO-DOENÇA.
(...)

1.2 Terço constitucional de férias
No que se refere ao adicional de férias relativo às férias indenizadas, a não incidência de contribuição previdenciária decorre de expressa previsão legal (art. 28, §9, “d”, da Lei 8.212/91 – redação dada pela Lei 9.528/97).
Em relação ao adicional de férias concernente às férias gozadas, tal importância possui natureza indenizatória/compensatória, e não constitui ganho habitual do empregado, razão pela qual sobre ela não é possível a incidência de contribuição previdenciária (a cargo da empresa). A Primeira Seção/STJ, no julgamento do AgRg nos EREsp 957.719/SC (Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJe de 16.11.2010), ratificando entendimento das Turmas de Direito Público deste Tribunal, adotou a seguinte orientação: "jurisprudência das Turmas que compõem a Primeira Seção desta Corte consolidada no sentido de afastar a contribuição previdenciária do terço de férias também dos empregados celetistas contratados por empresas privadas.
(...) (grifou-se)

Esse acórdão foi publicado em 18 de março de 2014 e, desde então, em tese, qualquer tipo de discussão deveria estar superada.

Todavia, não foi o que se viu, uma vez que a União Federal persiste na cobrança da contribuição sobre o terço de férias, seja ao continuar recorrendo nos processos judiciais em curso ou mesmo ao demonstrar por meio de soluções de consulta da Receita Federal do Brasil (RFB) a necessidade de recolhimento da exação.

Resumidamente, a União justifica que a discussão não se esgotou, tendo em vista que o STF ainda analisará se há incidência de contribuição previdenciária sobre o terço de férias nos autos do Recurso Extraordinário 593.068, que trata da contribuição social devida pelos servidores públicos.

A Nota CRJ/Nº 115/17, publicada no dia 13 de setembro de 2016 da procuradoria Geral da Fazenda Nacional reforça essa postura ao deixar claro que a União persistirá cobrando o recolhimento. Eis o fragmento que interessa ao caso:

"2.1 – Contribuição Previdenciária

a) Terço constitucional de férias – Remuneração paga pelo empregador nos primeiros dias de afastamento do trabalhador por incapacidade.

REsp 1.230.957/RS (temas nº 479 e 738 de recursos repetitivos)
(...)

Não obstante a fixação do entendimento acima esposado, em sede de julgamento realizado nos termos do art. 543-C do CPC/1973, os Procuradores da Fazenda Nacional deverão continuar a contestar e recorrer, quando se tratar de incidência de contribuição previdenciária do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei sobre a remuneração paga pelo empregador durante os primeiros quinze dias de afastamento do trabalho incapacitante e sobre o terço constitucional de férias." (grifou-se)

Outro não poderia ser o entendimento da RFB que, ao ser questionada por contribuintes, afirma que é devido o recolhimento da contribuição sobre os valores pagos no terço constitucional de férias, como se nota das recentes soluções de consulta, veja:

"EMENTA: TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS. BASE DE CÁLCULO.INCLUSÃO.
O terço constitucional de férias integra a base de cálculo para fins de incidência das contribuições sociais previdenciárias."3

_________________________________________________________________

"CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS PREVIDENCIÁRIAS. FÉRIAS INDENIZADAS.
As importâncias pagas a título de férias indenizadas e respectivo adicional constitucional não integram a base de cálculo para fins de incidência de contribuições sociais previdenciárias."4

________________________________________________________________

"CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS PREVIDENCIÁRIAS. FÉRIAS GOZADAS. TERÇO CONSTITUCIONAL.
As férias gozadas acrescidas do terço constitucional integram a base de cálculo para fins de incidência das contribuições sociais previdenciárias."5

Apesar dos argumentos constantes na publicação da Nota PGFN e nas soluções de consulta da RFB, mencionadas acima, a matéria já se encontra totalmente decidida pelo Supremo nos autos do RE 593.068, vez que já há maioria formada pela não incidência sobre as verbas lá discutidas, entre as quais, o terço de férias.

A bem da verdade, a União apenas posterga o fim da discussão na ânsia de uma reviravolta milagrosa no julgamento do STF, que de fato, tecnicamente não foi concluído, mas o que a PGFN deixa de mencionar é que já existe maioria formada nesse julgamento no sentido de que não incide contribuição previdenciária referente a verba não incorporável aos proventos de aposentadoria do servidor. Aguarda-se apenas a liberação do processo pelo ministro Gilmar Mendes que pediu vista em 16 de novembro de 2016 e não o liberou até o momento.

Já votaram pela exclusão do terço, o relator, Luís Roberto Barroso, as ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber e os ministros Edson Fachin, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski. Em sentido contrário, ou seja, pela incidência, os ministros Dias Toffoli, Marco Aurélio de Mello e o saudoso Teori Zavaski.

O ministro Gilmar Mendes já havia seguido a divergência, mas não se sabe ao certo o motivo, requereu vista do processo.

Portanto, levando em consideração que já existe maioria formada (6 a 4) e mesmo que o ministro Celso de Mello vote com a divergência, o placar do julgamento ficará 6 a 5.

Destarte, a probabilidade de reversão da tese fixada no julgamento do RE 593.068 nos parece remota no momento, sendo necessário que algum ministro que votou pela não incidência, modifique o seu entendimento, o que não costuma acontecer.

Hipoteticamente, mesmo que ocorra reversão do julgamento no STF, existirá grande debate acerca da extensão da interpretação que se dará no julgamento do RE 593.068, pois a tese a ser fixada nesse processo é de que não incide contribuição previdenciária sobre as remunerações ou ganhos habituais que tenham repercussão em benefícios.

No julgamento do STJ, REsp 1.230.957/RS, a tese consolidada é de que as verbas indenizatórias e não habituais não sofrem incidência de contribuição previdenciária.

Sendo assim, o entendimento do STF no RE 593.068 teria o condão de mudar o que ficou decido no REsp 1.230.957/RS?

Particularmente, entendo que seria difícil, uma vez que as teses fixadas não são exatamente iguais (STF – remunerações ou ganhos habituais que tenham repercussão em benefícios x STJ – as verbas indenizatórias e sem habitualidade não sofrem incidência da contribuição).

No mais, salvo o terço de férias, as verbas discutidas nos processos são totalmente diferentes (STF – adicional de hora extra, adicional noturno, adicional de insalubridade x STJ – aviso prévio indenizado, importância pagas nos quinze dias que antecedem o auxílio doença, salário maternidade e salário paternidade).

Diante das considerações feitas anteriormente, entendo que a questão já se encontra resolvida, diga-se de passagem, desde a decisão de 2014 no julgamento do REsp 1.230.957/RS, representativo de controvérsia que colocou uma pá de cal na discussão.

Sendo certo que a matéria já foi decida por representativo de controvérsia, cabem as demais esferas da justiça adotarem o entendimento do STJ, conforme determina o artigo 927, III, do CPC/15 que impõe aos juízes e os tribunais a observação dos "acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinários e especial repetitivos."

Por fim, importante mencionar que aos contribuintes que já têm ação em curso questionando a incidência da contribuição sobre o terço de férias, apesar do entendimento do STJ em sede de representativo de controvérsia, é preciso aguardar o trânsito em julgado para deixar de recolher e, eventualmente compensar/repetir os valores recolhidos, em respeito ao artigo 170 – A do Código Tributário Nacional (CTN).

Para as empresas que não possuem ação judicial, é necessário ajuizá-la, não sendo permitido parar de recolher ou compensar os valores pagos referente ao terço de férias, sob pena de autuação da RFB.

__________

1 "Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
§ 11. Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei."

2 DELGADO. Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 3ª Edição. São Paulo: LTR, 2004, pág. 1184.

3 Receita Federal. Solução de Consulta DISIT/SRRF01 nº 1003 de 20.01.2015.

4 Receita Federal. Solução de Consulta COSIT nº 99014 DOE 27.03.2017.

5 Receita Federal. Solução de Consulta COSIT nº 99014 DOE 27.03.2017.

__________

*Carlos Alberto Gama é advogado tributarista no Kauffman, Abid e Versolatto – Sociedade de Advogados.

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