Migalhas de Peso

A fundamentação das decisões na forma do art. 489, §1º do novo CPC e sua aplicabilidade prática

O comando de lei que demanda do Poder Judiciário fundamentação efetiva e completa de suas decisões judiciais, que solicita dos juízes de todas as esferas de Poder, uma prestação jurisdicional não apenas célere, também transparente, útil, suficiente, fortalecedora de um Estado Democrático de Direito.

6/6/2017

Em meio à instabilidade política e crise institucional porque passa a República Federativa do Brasil, oportuno e cogente o comando de lei que demanda do Poder Judiciário fundamentação efetiva e completa de suas decisões judiciais, que solicita dos juízes de todas as esferas de Poder, uma prestação jurisdicional não apenas célere, também transparente, útil, suficiente, fortalecedora de um Estado Democrático de Direito.

Se é que o Poder Judicial do Brasil precisa caminhar em direção à entrega de uma justiça legítima, este carece de primar por indispensável ferramenta de controle do exercício da função Jurisdicional, o Princípio da Fundamentação das Decisões Judiciais, já ostentado pela Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu art. Artigo 93, inciso IX, segundo o qual “todas as decisões serão fundamentadas”.

Por fundamentadas, entenda-se à luz do paradigma constitucional, primeiro a função endoprocessual de tal dispositivo, trazendo a obrigação de que as decisões exponham os motivos que levaram o juízo, após o desenvolvimento dialético da questio deduzida no processo, a chegar a uma ou outra conclusão, sendo assim, principalmente direcionada aos sujeitos do processo, às partes e juiz competente.

Trata-se de um desdobramento lógico e inarredável do Princípio do Devido Processo Legal que lastreia todo o leque de garantias constitucionais voltadas para a efetividade dos processos jurisdicionais e administrativos.

Com igual descortino, existe também naquele artigo da CF/88, a função exoprocessual ou extraprocessual, a partir do que se viabiliza o controle da decisão do magistrado pela via difusa da democracia participativa, exercida pelo povo em cujo nome a sentença é pronunciada.

Nesse contexto, encontra, portanto, oportunidade a função política da motivação das decisões judiciais, fazendo-se indissociável da prestação jurisdicional não apenas em relação às partes do processo, mas igualmente em face de toda a sociedade.

As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, consoante estatui o §1° do artigo 5°, sendo o caso da norma que estatui referido principio. E pra ir ao encontro de seu conteúdo, de sua efetividade, é que a sanção da lei 13.105/15, o Novo CPC, em vigência a partir do ano de 2015, impõe o cumprimento do que já estava contido na art. 93, IX, da CRFB/88, segundo se vê na abordagem que segue.

Trata-se o fato de que o NCPC compreende um rol de normas fundamentais do processo civil, verificados no capítulo I do Livro I da sua Parte Geral, em seus arts. 1º a 12, reproduzindo comandos expressos da CF/88, à exemplo do art. 3º do NCPC, cujo conteúdo é o mesmo do art. 5º, XXXV. Ainda, o art. 11, cujo conteúdo é o próprio art. 93, IX, CF/88.

Tal fato evidencia que o Novo Código não busca celeridade a todo custo. Quer fazer cumprir, sobremaneira por seu art. § 1º do artigo 489, a ascensão da qualidade da prestação jurisdicional.

Referido rol legal, importa atentar, é certo que possui caráter exemplificativo, o qual decorre, conforme ensina Fredie Didier, “do próprio móbil da norma, que é concretizar um direito fundamental, o direito à motivação das decisões judiciais (art. 93, IX, CF)1“.

O Novo Código Processual Civil, nesse passo, listou em rol exemplificativo as hipóteses mais reiteradas do que a doutrina denominou de fundamentação inútil ou deficiente2, equiparando - as à ausência de motivação que, a teor do o artigo 93, inciso IX, da CRFB, nulifica o decisium.

O decisium de que trata o § 1º do artigo 489 do NCPC, correspondente a todo e qualquer ato judicial com conteúdo decisório, seja ele uma decisão interlocutória, sentença ou acórdão, ressalte-se, pode trazer hipóteses em que, embora contenha motivação em seu aspecto formal, será considerada não fundamentada.

Passemos a compreensão, amiúde, dos incisos do dispositivo em tela.

Art. 489, §1º, Incisos I e II
_______________________________________________________________________________

Consoante se lê dos incisos I e II do art. 489, §1º do NCPC, a sentença será considerada não fundamentada quando (I) se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; quando (II) - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso.

Imperativo ao julgador, por força de tais incisos, promover a integração da dimensão normativa do dispositivo à dimensão fática, extraída dos autos. Isto é, a hipótese normativa deve ser subsumida aos fatos constantes do processo, explanando-se a aplicabilidade ou não das normas ao caso concreto deduzido.

Ainda, compete ao juiz tratar sobre os efeitos de tal incidência normativa, bem como sobre a compatibilidade desses feitos com a decisão tomada.

No deslinde do julgamento de uma causa, em termos práticos, para estar atendendo a novidade do comando processual em comento, o competente julgador deverá:

a) Enunciar sua interpretação relativamente sinopse fática da causa de pedir e da causa excipiendi do réu, e/ou, se for o caso, a sua interpretação quanto ao fato jurídico processual sobre o qual decide, apresentando claramente os parâmetros fáticos considerados em sua decisão;

b) Oferecer as razões da incidência, ou não, dessas normas aos fatos considerados;

c) Expor as consequências jurídicas oriundas da eventual incidência dessas normas, anotando como e a razão de tais consequências, ou a ausência delas (no caso de a norma não gerar os efeitos alegados pela parte) determinarem a decisão proferida pelo juiz.

A presente incidência normativa se vê muito mais reiterada em situações em que se busca fazer recair sobre os fatos dos autos, princípios ou normas que contenham conceitos jurídicos indeterminados, dispositivos de baixa densidade normativa.

Releve-se, por outra via, que haverá causas em que se exigirá do julgador fundamentação menos exigente diante da simplicidade dos fatos e de pouca abertura semântica das normas, o que não significará descumprimento do preceito legal em apreço.

Art. 489, §1º, Inciso III
_______________________________________________________________________________

O inciso III do art. 489, §1º do NCPC normatiza vedação às fundamentações “[...] que se prestariam a justificar qualquer outra decisão”. Ora, com este dispositivo, não quis o legislador outra coisa que não impedir as conhecidas “decisões prontas”, de modo a conduzir o magistrado a enfrentar o conteúdo dos autos em cotejo com a norma, particularizando o decisium.

Não é raro encontrar decisões, a guisa de exemplos, em que apenas se indefere o pedido “porque ausentes os pressupostos da tutela antecipada”, sem que seja oportunizado ao jurisdicionado conhecer quais os motivos de não estarem, naquele caso específico, presentes referidos pressupostos. E, de igual modo, decisões que julgam antecipadamente a lide porque presentes os pressupostos, não necessariamente apresentando quais seriam estes na hipótese dos autos.

A Nova Lei Processual intenciona, a toda evidência, reger o magistrado a perfazer análise jurídica dos fatos constantes do processo sob seu julgamento, com vistas a resultar norma jurídica particular, oferecendo fundamentação que não se prestaria a justificar qualquer outra decisão, mas precisamente a que exsurge dos autos.

Lecionam com maestria sobre este pontoa Marinoni, Arenhart e Mitidiero:

Se determinada decisão apresenta fundamentação que serve para justificar qualquer decisão, é porque essa decisão não particulariza o caso concreto. A existência de respostas padronizadas que servem indistintamente para qualquer caso justamente pela ausência de referências às particularidades do caso demonstra a inexistência de consideração judicial pela demanda proposta pela parte. Com fundamentação padrão, desligada de qualquer aspecto da causa, a parte não é ouvida, porque o seu caso não é considerado3.

Tem-se, a partir de 2015, portanto, norma no Ordenamento Jurídico brasileiro que guarnece o jurisdicionado da abusividade e insuficiência das decisões genéricas, imprecisas, que alvitram mesmo o direito fundamental a ter, efetivamente, fundamentadas as decisões judiciais, a despeito do que já se erigia no art. 93, IX da CF/88.

Art. 489, §1º, INCISO IV
_______________________________________________________________________________

O comando mais emblemático trazido pelo art. 489, § 1º, IV do Novo CPC prever que não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: “[...] não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador”.

Em julgamento recente, pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ, do Recurso Especial 1622386/MT, Relatoria da Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 20/10/2016, DJe 25/10/2016, a controvérsia cingia-se a decidir sobre a invalidade do julgamento proferido pelo TJ/MT, por ausência de fundamentação, a caracterizar violação do art. 489, § 1º, IV, do CPC/2015, ora em apreço.

A Corte superior, sobre a matéria, firmou entendimento de que, conquanto o julgador não esteja obrigado a rebater, com minúcias, cada um dos argumentos deduzidos pelas partes, o novo Código de Processo Civil, exaltando os princípios da cooperação e do contraditório, impõe-lhe o dever, dentre outros, de enfrentar todas as questões capazes de, por si sós e em tese, infirmar a sua conclusão sobre os pedidos formulados, sob pena de se reputar não fundamentada a decisão proferida (art. 489, § 1º, IV).

Fez, ainda, consignar-se no mesmo julgamento, que o Supremo Tribunal Federal, na apreciação de questão de ordem, com repercussão geral, consolidou o entendimento de que “o art. 93, IX, da Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão” (AI 791292 QO-RG, julgado em 23/06/2010, DJe de 13/08/2010).

A ratio do decisum é, assim, a de que cumpre ao julgador enfrentar apenas as questões capazes de, por si sós e em tese, nulificar a sua conclusão sobre os pedidos formulados.

Acoimando duramente este juízo, Didier Jr., Oliveira e Braga protestam:

A questão é que esse entendimento jurisprudencial – que já virou um jargão no âmbito dos tribunais – vem sendo utilizado para justificar a desnecessidade de análise das alegações da parte mesmo nos casos em que a sua tese foi rejeitada. Esse mau costume constitui não apenas um erro técnico como também uma forma de aniquilar o direito de ação e as garantias do contraditório e da ampla defesa. Sim, porque embora a Constituição diga que a parte tem o direito de provocar a atividade jurisdicional (art. 5º, XXXV), e embora a Constituição garanta à parte amplas possibilidades de defesa e de influência (art. 5º, LV), o Judiciário diz que não tem a obrigação de emitir um juízo de valor sobre todos os seus argumentos4.

Nesse viés, germina justo e sensato que, se é a parte vencida que tem interesse recursal para se insurgir contra a decisão adversa, e se é a sua esfera jurídica a prejudicada pelo ato jurisdicional, é também a ela a quem o Judiciário deve maiores explicações, e não à parte que teve sua pretensão acolhida.

Sobre a questão, ainda, avaliza Fredie Didier que “em um modelo cooperativo de processo, não se pode pensar apenas em deveres de justificação analítica por parte do órgão julgador. Se o objetivo é o de estabelecer uma comunidade de trabalho que efetivamente dialoga entre si, todo o sujeito processual tem de fundamentar analiticamente as suas postulações. Do contrário, ter-se- á a continuação de um modelo que se limita a reproduzir monólogos, em que o contraditório substancial é apenas um faz de conta”5.

Art. 489, §1º, Incisos V e VI
_______________________________________________________________________________

A teor do inciso V do artigo 489, §1º “Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial [..] que: se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos”.

Por força de tal inciso, se uma decisão fundamenta-se em precedente, limitando-se a citar a ementa do julgado, ou transcrever o enunciado da súmula, tal fundamento é considerado inexistente.

E nesse passo, a decisão que tenha precedente como único fundamento, seja obrigatório ou persuasivo, e não realiza o que a doutrina chamou de distinguishing, será nula em razão de sua não fundamentação.

Distinguishing ou “distinção” é conceito que deve ser analisado sob dois primas, consistindo, o primeiro, no método de verificar os pressupostos de fato e de direito de um precedente e sua eventual correspondência com os do caso concreto. O segundo é o resultado ou conclusão pela aplicação ou pela distinção (daí o termo “distinguishing6.

Na prática do ditame legal em análise, o magistrado não deve buscar a identidade entre os casos, porquanto isso seja praticamente impossível. É necessário, não obstante, promover a similitude entre as teses jurídicas do paradigma e do caso concreto.

Quando, de outra sorte, o fundamento se trata de precedente vinculante, faz-se necessária a observância do inciso VI do dispositivo em comento, sendo imperativo que o julgador especifique quais as diferenças entre os casos tornam inadequada a aplicação do precedente, sob pena de ter-se por não fundamentada a decisão que, assim, deixa de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte.

____________

1. DIDIER JUNIOR, Fredie. Et al. Curso de direito processual civil. 10 ed. Salvador: Jus Podivm, 2015. V2. P. 327.

2. DIDIER JUNIOR, Fredie. Et al. Curso de direito processual civil. 10 ed. Salvador: Jus Podivm, 2015. V2. P. 326.

3. MARINONI, Luiz Guilherme. AREHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil. São Paulo: Editora RT, 2015. V2. P. 444455.

4. DIDIER JR., Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de; BRAGA, Paula Sarno. In Comentários ao Novo Código de Processo Civil (Coordenação Antonio do Passo Cabral e Ronaldo Cramer). Rio de Janeiro: Forense, 2015. P. 715.

5. DIDIER JR, Fredie. O art. 489, §1º do CPC e a sua incidência na postulação dos sujeitos processuais – um precedente do STJ Disponível em: (Clique aqui). Acesso em: 30 de mai. 2017.

6. TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente Judicial como fonte do direito. São Paulo: RT, 2004, p. 174.

____________

*Cynara Almeida é advogada especialista em Direito Processual Civil.






Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

ITBI na integralização de bens imóveis e sua importância para o planejamento patrimonial

19/11/2024

Cláusulas restritivas nas doações de imóveis

19/11/2024

Estabilidade dos servidores públicos: O que é e vai ou não acabar?

19/11/2024

O SCR - Sistema de Informações de Crédito e a negativação: Diferenciações fundamentais e repercussões no âmbito judicial

20/11/2024

Quais cuidados devo observar ao comprar um negócio?

19/11/2024