§ 1º O agravo em recurso especial (AREsp) e o agravo em recurso extraordinário (ARE) são recursos previstos no inciso VIII do art. 994 do NCPC, instituído pela lei 13.105, de 16.03.2015. Tal agravo pode ser interposto por quem teve recurso especial ou extraordinário inadmitido, seja parte, terceiro prejudicado ou o Ministério Público, conforme NCPC, art. 996, caput e parágrafo único. Nos termos do § 1º do art. 1.030 do NCPC (incluído pela lei 13.256, de 2016), da decisão de inadmissibilidade proferida com fundamento no inciso V do mesmo art. 1.030, pelo presidente ou vice-presidente do tribunal inferior (“tribunal de origem”), caberá agravo ao tribunal da instância superior, regido pelo art. 1.042 do mesmo diploma legal (um agravo para cada recurso inadmitido, conforme § 6º do art. 1.042, NCPC). Se a decisão admite o REsp ou o RE, ela é irrecorrível, por ausência do interesse recursal da parte prejudicada, já que tais recursos (REsp/RE) passarão, de todo modo, por novo juízo de admissibilidade quando do ingresso dos autos no tribunal da instância superior.
O Agravo Interno do Distinguishing.
§ 2º Do caput do art. 1.042 extrai-se que não cabe o agravo em recurso especial, nem o agravo em recurso extraordinário, quando a decisão que nega seguimento ao recurso especial ou ao recurso extraordinário estiver fundada na aplicação de entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos. Deve ser interposto o recurso de agravo interno para apreciação da matéria pelo órgão colegiado competente do próprio tribunal inferior (“distinguishing brasileiro”), quando o agravante terá o ônus de demonstrar a inaplicabilidade do precedente ao caso concreto.
§ 3º No regime anterior, no julgamento plenário da Questão de Ordem no Agravo de Instrumento (AI) 760.358,1 firmou-se o entendimento de que não seria cabível recurso para o STF contra a aplicação do procedimento da repercussão geral nas instâncias de origem, a não ser na hipótese em que houvesse expressa negativa da retratação (CPC/73, art. 543-B, §§ 3º e 4º, incluídos pela lei 11.418, de 2006):
“1. Não é cabível agravo de instrumento da decisão do tribunal de origem que, em cumprimento do disposto no § 3º do art. 543-B, do CPC, aplica decisão de mérito do STF em questão de repercussão geral. 2. Ao decretar o prejuízo de recurso ou exercer o juízo de retratação no processo em que interposto o recurso extraordinário, o tribunal de origem não está exercendo competência do STF, mas atribuição própria, de forma que a remessa dos autos individualmente ao STF apenas se justificará, nos termos da lei, na hipótese em que houver expressa negativa de retratação. 3. (…). 4. Agravo de instrumento que se converte em agravo regimental, a ser decidido pelo tribunal de origem”.2
§ 4º A interpretação havida naquele momento, portanto, foi a do não cabimento do agravo de que tratava o artigo 544 do CPC/1973, contra a decisão de presidente ou vice-presidente do tribunal de origem que tivesse trancado o recurso extraordinário por aplicação da sistemática da repercussão geral. Mais que isso, o STF também resolveu que, do modelo de controle difuso de constitucionalidade instituído pela Emenda Constitucional nº 45, seria da competência dos tribunais de origem (tribunais inferiores) aplicar, aos casos individuais, os entendimentos firmados pelo STF em sede de repercussão geral no leading case. Por ser a decisão do presidente ou vice-presidente do tribunal de origem decorrente de competência própria desses tribunais, o recurso cabível seria agravo interno, na origem (à época, chamado de “agravo regimental”, no processo civil), e não o agravo para o STF previsto no art. 544 do antigo CPC.3 Em seu brilhante voto na QO do AI 760358, que foi fundamental para a trilha (ainda sendo percorrida) da sedimentação do regime de precedentes no direito brasileiro, o Min. Gilmar Mendes deixou expresso que não se tratava, in casu, de delegação do juízo de admissibilidade do recurso extraordinário, porque “a competência para a aplicação do entendimento firmado pelo STF é dos tribunais e das turmas recursais de origem”. E lecionou que:
“É de se destacar que não ocorreu o juízo de admissibilidade do recurso extraordinário pelo tribunal a quo, mas o registro da prejudicialidade, com base nas regras previstas pelo regime da repercussão geral (art. 543-B, § 3º, do CPC). A prejudicialidade, aqui, decorre diretamente da lei processual e do mecanismo de racionalização nela estabelecido. É a lei que presume a inexistência de interesse no julgamento de recurso interposto de decisão já conformada ao entendimento desta Corte ao examinar questão constitucional de repercussão geral. Admitir o agravo de instrumento em situações tais e retomar a remessa individual de processos ao STF significa confrontar a lógica do sistema e restabelecer o modelo da análise casuística, quando toda a reforma processual foi concebida de forma a permitir que a Suprema Corte se debruce uma única vez sobre cada questão constitucional.”4
§ 5º No âmbito do STJ, por sua vez, quando do julgamento, pela Corte Especial, da Questão de Ordem no Agravo 1.154.599, firmou-se entendimento de que “Não cabe agravo de instrumento5 contra decisão que nega seguimento a recurso especial com base no art. 543, § 7º, inciso I, do CPC”.6 Naquela ocasião, inspirado pelo julgamento da QO-AI 760.358/STF, o Ministro CÉSAR ASFOR ROCHA (STJ), em seu voto, pontuou que:
“A edição da lei 11.672, de 8.5.2008, decorreu, sabidamente, da explosão de processos repetidos junto ao Superior Tribunal de Justiça, ensejando centenas e, conforme a matéria, milhares de julgados idênticos, mesmo após a questão jurídica já estar pacificada. O mecanismo criado no referido diploma, assim, foi a solução encontrada para afastar julgamentos meramente ‘burocráticos’ nesta Corte, já que previsível o resultado desses diante da orientação firmada em leading case pelo órgão judicante competente. (…). Sob esse enfoque, a norma do art. 544 do Código de Processo Civil, editada em outro momento do Poder Judiciário, deve ser interpretada restritivamente, incidindo, apenas, nos casos para os quais o agravo de instrumento respectivo foi criado, ou seja, nas hipóteses em que o órgão judicante do Tribunal de origem tenha apreciado efetivamente os requisitos de admissibilidade do recurso especial. O exame dos mencionados pressupostos recursais, sem dúvida, não alcança a norma do inciso I do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil. Nesse dispositivo, o apelo extremo tem seguimento negado com base no julgamento do mérito de apelo que serviu de paradigma ou, como dispõe a própria lei, de ‘recurso representativo de controvérsia’ (§ 1º do mesmo dispositivo). Antecipa-se, enfim, no eleito recurso repetitivo, o resultado dos futuros recursos que cuidarem de matéria idêntica. O momento da lei 11.672/08, que criou o recurso repetitivo nesta Corte, é incompatível com o momento em que concebido o agravo de instrumento do art. 544 do CPC. (…) II – (…) A pergunta é: pode o Tribunal de origem, através do seu órgão competente, impedir a subida do agravo de instrumento aplicando a regra do art. 543-C do CPC? Penso que sim, anotando, desde logo, que tal decisão, obstando o prosseguimento do agravo, não representa, em princípio, usurpação da competência desta Corte. Isso por se tratar de recurso absolutamente incabível, não previsto em lei para a hipótese em debate e, portanto, não inserido na competência do Superior Tribunal de Justiça. (…). III - Por último, cabe aqui discutir uma terceira questão. Poderá haver hipóteses em que, de fato, o recurso especial terá seguimento negado indevidamente, por equívoco do órgão julgador na origem. Nesse caso, caberá apenas agravo regimental no Tribunal a quo. Observo que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Questão de Ordem no Agravo de Instrumento n. 760.358-7, decidiu de forma semelhante.”7
§ 6º O Novo CPC prevê, nas alíneas “a” e “b” do inciso I do art. 1.030, que, após recebimento da petição do recurso (REsp e/ou RE) pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias úteis, findo o qual os autos serão conclusos ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, que deverá negar seguimento a recurso extraordinário que discuta questão constitucional à qual o STF não tenha reconhecido a existência de repercussão geral ou a recurso extraordinário interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do STF exarado no regime de repercussão geral e a recurso extraordinário ou a recurso especial interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do STF ou do STJ, respectivamente, exarado no regime de julgamento de recursos repetitivos (NCPC, arts. 1.036 a 1.041). Em sendo negado seguimento ao RE e/ou ao REsp por um desses fundamentos, contra referida decisão caberá agravo interno para o órgão colegiado do tribunal inferior, que é recurso intra muros, nos termos do art. 1.021 c/c § 2º do art. 1.030 do NCPC, para realização do distinguishing, em sendo o caso.
Trancamento do Agravo.
§ 7º O presidente do tribunal de origem pode também trancar o próprio agravo do art. 1.042, se manifestamente inadmissível. O item II do voto do Min. CÉSAR ASFOR ROCHA, acima transcrito, da QO no Ag 1.154.599, autoriza este entendimento para o agravo em recurso especial. Quanto ao agravo em recurso extraordinário, após julgamento da QO no AI nº 760.358, o STF passou a flexibilizar a aplicação da Súmula 727.8 Segue trecho do voto do Min. GILMAR MENDES, em julgado do Tribunal Pleno:
“Registro, ainda, que a Súmula 727 deste Tribunal foi flexibilizada pelo instituto da repercussão geral, conforme estabelece o art. 328-A, § 1º, do RISTF. Assim, os agravos de instrumentos interpostos das decisões que inadmitiram recursos extraordinários já sujeitos ao requisito legal da repercussão geral podem ser sobrestados, inadmitidos, julgados prejudicados ou provocar juízo de retratação (art. 543-B do CPC), quando relativos aos assuntos apreciados pelo regime da repercussão geral”.9
§ 8º Ora, os entendimentos de STF e STJ, nesses casos, favoráveis ao trancamento do próprio agravo em REsp ou RE, extraídos do regime processual anterior, agora ainda mais se justificam, diante da expressa previsão legal de cabimento do agravo interno na hipótese, no § 2º do art. 1.030 do Novo CPC.
Fungibilidade Recursal.
§ 9º Diante da expressa previsão legal de ser o agravo interno o recurso cabível, na hipótese do § 2º do art. 1.030, NCPC, não é mais possível qualquer raciocínio judicial de fungibilidade recursal, pois desapareceu a ambiguidade que existia na legislação anterior, na qual amparou-se a decisão, de 2015, da Corte Especial do STJ no AgRg no AREsp 260.033-PR, ao analisar o art. 544 do CPC/73.10 Assim, a interposição do agravo do art. 1.042, em lugar do agravo interno, atualmente, caracterizará erro grosseiro, que impede a aplicação do princípio da fungibilidade. No STF, após julgamento da Questão de Ordem no AI 760.358 e da Reclamação 7569, em 19/11/2009, esta passou a ser a data-limite para a tolerância jurisprudencial.1
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1. “Agravo de instrumento” é a denominação antiga do atual “agravo” do art. 1.042, que passou a ser interposto nos próprios autos desde que a lei 12.322/10 alterou dispositivos do CPC/73. Não se confunde com o agravo de instrumento previsto no art. 1.015 do NCPC e art. 524 do CPC anterior.
2. STF, AI 760358-QO, Relator: Min. GILMAR MENDES (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 19/11/2009, DJe-027, DIVULG 11-02-2010, PUBLIC 12-02-2010, REPUBLICAÇÃO:DJe-030, DIVULG 18-02-2010, PUBLIC 19-02-2010, EMENT VOL-02390-09, PP-01720). Grifos nossos.
3. Cf.: STF, ARE 980372, Relator: Min. EDSON FACHIN, julgado em 09/08/2016, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO, DJe-169, DIVULG 10/08/2016, PUBLIC 12/08/2016.
4. Grifos nossos. Merece destaque também a Rcl 7569, de relatoria da Ministra Ellen Gracie, julgada pelo Tribunal Pleno do STF no mesmo dia da QO-AI nº 760.358, 19/11/2009.
5. Ver, em nota de rodapé acima, o que explicamos sobre “agravo de instrumento”.
6. STJ - QO no Ag 1154599/SP, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/02/2011, DJe 12/05/2011.
7. I) Atualmente, no processo civil, a nomenclatura “agravo regimental” deve ser substituída por “agravo interno”, utilizada no Novo CPC (art. 1.021 c/c § 2º do art. 1.030); II) Para uma visão contrária qualificada, é relevante fazer a leitura do voto-vista, que restou vencido, apresentado pelo então Ministro do STJ, TEORI ZAVASCKI, no julgamento da própria QO no Ag 1.154.599-SP.
8. Súmula 727/STF: “Não pode o magistrado deixar de encaminhar ao Supremo Tribunal Federal o agravo de instrumento interposto da decisão que não admite recurso extraordinário, ainda que referente a causa instaurada no âmbito dos juizados especiais”.
9. STF, Rcl 11187 ED, Relator Ministro GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgamento em 30.6.2011, DJe de 5.10.2011. Mais recentemente: “1. É improcedente a reclamação, por usurpação de competência, nos termos da Súmula 727 do Supremo Tribunal Federal, quando o recurso de agravo (art. 544 do CPC) ataca inadmissão do recurso extraordinário com fundamento em precedente da sistemática da repercussão geral. 2. Não é cabível o manejo de reclamação para se questionar o acerto de decisão do Tribunal de origem que aplica a sistemática da repercussão geral. 3 Agravo regimental, interposto em 23/06/2016, a que se nega provimento” (STF, Rcl 24145 AgR, Relator: Min. EDSON FACHIN, Primeira Turma, julgado em 07/10/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-227 DIVULG 24-10-2016 PUBLIC 25-10-2016).
10. STJ, AgRg no AREsp 260.033-PR, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 5/8/2015, DJe 25/9/2015. Constou do voto do Relator: “É que o art. 544 do CPC prevê o cabimento do agravo contra a decisão que não admite o recurso especial, sem fazer distinção acerca do fundamento utilizado para a negativa de seguimento do apelo extraordinário. O não cabimento do agravo em recurso especial deriva, então, de interpretação adotada por esta Corte, a fim de obter a máxima efetividade da sistemática dos recursos representativos da controvérsia, implementada pela lei 11.672/08. Porém, deve-se levar em conta que a parte se utilizou do meio processual previsto no Código de Processo (art. 544), o que não configura erro grosseiro, que justifique o total sacrifício do direito do recorrente, como se se pudesse ignorar a verdadeira função do processo, qual seja: servir de instrumento para a prestação jurisdicional de dar direitos a quem os possua. Desse modo, deve ser adotado o entendimento que remete o recurso à Corte de origem, para apreciação como agravo interno, por ser procedimento mais coerente com o entendimento adotado na mencionada Questão de Ordem no Ag 1.154.599/SP, quando esta Corte Especial entendeu que, na hipótese de a negativa de seguimento do apelo especial ter sido efetuada de forma equivocada pela Corte de Segunda Instância, pode o agravante manejar agravo interno na origem, demonstrando a especificidade do caso concreto”.
11. Neste sentido: “(…) II – Não é cabível agravo para a correção de suposto equívoco na aplicação da repercussão geral, consoante firmado no julgamento do AI 760.358-QO/SE, Rel. Min. Gilmar Mendes. III – A aplicação do princípio da fungibilidade recursal, com a devolução dos autos para julgamento pelo Tribunal de origem como agravo regimental, só é cabível nos processos interpostos antes de 19/11/2009. IV – Agravo regimental a que se nega provimento” (STF, ARE 924944 ED, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2016, PROCESSO ELETRÔNICO, DJe-060, DIVULG 01-04-2016, PUBLIC 04-04-2016).
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*Thiago Cássio D’Ávila Araújo é professor de Direito e Políticas Públicas e procurador federal da AGU em Brasília/DF.