Analisando alguns trechos do depoimento do ex-presidente Lula ao Juiz Sergio Moro, amplamente divulgado, e conhecendo a rotina de uma audiência "tradicional", é possível perceber em alguns momentos que a audiência foi direcionada ao público que posteriormente iria assistir. Tanto pela parte do ex-presidente Lula, quanto do Juiz que presidiu a causa.
Pelo ex-presidente fica evidente quando utiliza os microfones da sala da audiência para informar aos ouvintes os feitos do partido que fundou e do qual tenta desesperadamente reerguer.
Pelo Juiz, quando tolera pacientemente os discursos do depoente, talvez de forma proposital a fim de que não se alegue, a posteriori, que houve cerceamento do direito de defesa.
Assim, é possível observar que o Magistrado por vezes deixa a audiência fluir sem intervir em momentos em que o Réu ultrapassa os limites dentro de uma audiência, chegando em certo momento a mencionar frases do tipo "vocês estão me exigindo uma objetividade que até agora eu não exigi de vocês". (?)
Em outro momento, verifica-se que ao ser indagado pelo Magistrado se ele tinha conhecimento do esquema de corrupção da Petrobrás, o Réu responde com outra pergunta no mínimo capciosa: "O senhor se sente responsável pela Operação Lava Jato ter destruído a indústria da construção civil nesse país? O senhor se sente responsável por milhões de pessoas que já perderam emprego no setor de óleo e gás na construção civil?" Na sequência, o Juiz inicia um debate sobre opiniões acerca dos impactos da operação Lava Jato.
É obvio que havia um respeito com relação a função exercida como ex-presidente da República. No entanto, é imperioso analisar que a liberdade que o Réu teve nesta audiência, foi rara. Fico imaginando as inúmeras ações penais em que o Réu tenta realmente se defender e é interrompido com a famosa frase : "o depoente se atenha a pergunta realizada".
Não podemos ignorar que a audiência acima mencionada teve peculiaridades que a tornaram inédita, como a figura do Réu (ex-presidente), o policiamento reforçado, as manifestações, bem como a cobertura da mídia, que analisaria pormenorizadamente cada palavra e gesto dessa audiência (literalmente, pois acabo de me espantar com a notícia de que o ex-presidente disse "não sei" 82 vezes.
Contudo, mesmo com todas essas nuances é mister relembrar o objetivo da solenidade: colher provas e promover a defesa do Réu. Como é sabido, as provas são direcionadas ao Juiz da causa, que formará seu convencimento e proferirá a sentença, como em qualquer processo penal. Simples assim. Sem mídia, sem discursos, sem espetáculo. Isso pois, o que se espera de um espetáculo é que os espectadores saiam felizes ou satisfeitos após a apresentação. Quem saiu satisfeito da audiência? Quem sairá feliz dessa ação?
Se o Réu for condenado, com base em provas verídicas e contundentes, comprova-se que a maioria da população não sabe escolher seu governante e que uma boa parcela ainda continua iludida com um "operário que subiu na vida".
Além disso, o Réu provavelmente levantará a bandeira da injustiça, se tornando um verdadeiro mártir para seus "companheiros", gerando revolta e manifestações violentas.
Para os que ficarão felizes, será outra ilusão, ao imaginar que o lado oposto também não estava envolvido e logo também sofrerão.
Se o Réu for absolvido, ainda que devidamente, a imagem do Magistrado inevitavelmente (e infelizmente, diga-se de passagem) será desgastada, assim como toda a operação Lava Jato. Poderá, inclusive, abrir brechas para eventuais políticos que estejam com seus "negócios suspensos" tendo em vista a referida operação.
Ademais, será um verdadeiro "balde de água fria" para uma parcela da população que acredita, de uma forma simplista, que a operação Lava Jato irá resolver os problemas do país.
De fato, a ação iniciada, com exceção dos casos em que há acordo, ou seja, onde não há mais a litigiosidade, tende ao final infeliz, pois os envolvidos sempre acabam perdendo, ainda que minimamente. Sejam perdas de expectativas, tempo, dinheiro ou mesmo do mérito.
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*Larissa Piaceski é advogada especialista em contencioso civil bancário e ações especiais.