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A (impossível) reforma tributária no Brasil

Um passar de olhos pelo histórico das propostas revela que apesar do consenso em torno da necessidade de remodelação do sistema tributário brasileiro, pouca coisa foi feita. A razão disso alterna entre a dificuldade da matéria, a inexistência de um consenso de como e onde tributar as riquezas, e pela pouca atratividade do debate da questão pela classe política.

11/5/2017

É notório que o sistema tributário brasileiro não é um dos mais simples do mundo. Mesmo antes da criação do Código Tributário Nacional, em 1966, profissionais da área já vinham criticando a burocracia que envolve a coleta de tributos no país, seja pelo exagerado número de leis, que muitas vezes são esparsas e isso dificulta o trabalho dos consultores tributários do país, seja pela dificuldade do cumprimento das obrigações acessórias, que são complicadas e trazem mais custos para os negócios e para a população em geral. O número de tributos e regulações no país é enorme, e a cada dia que passa a reforma tributária torna-se mais premente. O pleito da população e a reivindicação do ramo empresarial podem fazer parecer que a reforma é fácil. Contudo, um passar de olhos pelo histórico das propostas revela que apesar do consenso em torno da necessidade de remodelação do sistema tributário brasileiro, pouca coisa foi feita. A razão disso alterna entre a dificuldade da matéria, a inexistência de um consenso de como e onde tributar as riquezas, e pela pouca atratividade do debate da questão pela classe política, que não vê a reforma como um instrumento para arrecadar votos.

Os obstáculos para se atingir a reforma tributária não é exclusividade do Brasil. Nos últimos tempos, soube-se de notícias de que países como os Estados Unidos, a Rússia e a Argentina vinham buscando consenso legislativo para implementar a reforma dentro de seus territórios. Similar ao Brasil, existe uma dificuldade nesses países para se chegar a um acordo sobre o tema. Na verdade, o modo como um país tributa provoca discussões acirradas porque a classe média invariavelmente vai opinar que os ricos não estão sendo tributados suficientemente, e os ricos vão ponderar que um país caro para investir torna a busca por outros locais muito mais atrativa. É um embaraço que exige vontade política para se chegar a um acordo, sob pena de tornar a reforma tributária uma utopia.

O país passa por uma crise econômica e política grave. A recessão causou desemprego, e o apoio à presidente eleita em 2014 se deteriorou a ponto de o povo, representado pelos parlamentares, exigir a sua saída. O atual presidente, então, agora com pouco menos de dois anos de mandato, promoveu-se com a ideia de que, por não buscar a reeleição, medidas impopulares seriam tomadas, a fim de recolocar o país no rumo. Dentre essas medidas, a reforma tributária, é claro, voltou a ser notícia, e o presidente demonstrou-se disposto a implementá-la a fim de diminuir a burocracia que impede os investimentos no país.

Não dá mais para esperar. O Brasil está colocado na última posição como o lugar onde se gasta mais tempo para cumprir as obrigações tributárias, de acordo com estudo recente realizado pela PwC¹. Nessa pesquisa, identificou-se que, em 2012, o tempo médio para cumprir as obrigações fiscais na América do Sul era de 618 horas, prazo significativamente maior do que a média mundial, de 268 horas, em grande parte impulsionada pelo Brasil, onde se gasta 2.600 horas, e Bolívia, 1.025 horas. Além disso, o Brasil, como todos os países da América Latina, possui problemas sociais e de infraestrutura, com um sistema de saúde e educação defasados e falhas no sistema de logística. Ocorre que a arrecadação tributária no Brasil integra grande parte do PIB nacional, a níveis comparados com os países membros da OCDE, que consiste em sua maioria de países desenvolvidos. Para se ter uma ideia, em 2014, a média nos países da OCDE era 34.4, enquanto no Brasil era de 33.4, de acordo com um trabalho desenvolvido pela organização em 2014, intitulado "Estadísticas tributarias en America Latina y el Caribe 1990-2014"² . Na América Latina, só a Argentina possui percentual semelhante, beirando 32.2%. A alta arrecadação combinada com a precariedade na infraestrutura aumenta a desconfiança na população, que não consegue visualizar o dinheiro entregue ao governo retornando em políticas públicas. A compreensão de que os impostos são altos e os serviços públicos são fracos resulta em uma população mais propensa a sonegar tributos, o que aumenta o tax gap, ou seja, a diferença entre o total de tributos devidos e os que deveriam ser pagos a tempo. Em estudo realizado pelo Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional - Sinprofaz, Rubistein e Vettori3 apontaram que "Em 2014, o tax gap nacional representou 23.6% da arrecadação de impostos no Brasil, representando 8,6% do PIB"4 .

Levando-se em conta que a proporção de arrecadação tributária no país comparada ao PIB atinge os níveis dos países desenvolvidos, somos da opinião de que pensar em reforma tributária no Brasil passa longe de aumentar a carga fiscal total, devendo-se, de início, rever dois pontos: 1) a descomplicação do sistema; 2) e a diminuição do valor despendido para cumprir com as obrigações tributárias, o que minimizaria e muito o custo de investir no país.

O governo federal ainda não apresentou um projeto de reforma tributária completo, que possibilite a análise do propósito e das vertentes do executivo nesse assunto específico. Há, porém, indícios de que a reforma será fatiada, realizada por meio de medidas provisórias, que deverão, necessariamente, ser analisadas pelo Congresso Nacional5. Ainda que a ideia da descomplicação do sistema tenha sido sugerida pelo governo, muito trabalho há de ser feito para que esse desiderato seja de fato alcançado. Uma das medidas anunciadas pelo governo é a simplificação do PIS e da Cofins, duas contribuições sociais, de competência tributária da União. A ideia é facilitar o sistema, mas manter intacta a carga tributária, e assim preservar a arrecadação. Na verdade, hoje o sistema do PIS e da Cofins funciona da seguinte forma: as empresas que são tributadas pelo lucro real, no regime de imposto de renda, devem seguir o regime não-cumulativo, que tem uma alíquota maior mas possibilita o abatimento por meio de créditos tributários. Já as empresas que optaram pelo lucro presumido ou arbitrado pagam uma alíquota menor, só que elas não têm direito de crédito. Porém, as empresas que optam pelo regime do lucro presumido do imposto de renda e, consequentemente, pela alíquota menor no sistema cumulativo do PIS e da Cofins, temem que a simplificação das alíquotas ocasione a supressão do regime cumulativo, além da majoração da alíquota menor. Foi negativa a repercussão da medida no setor de serviços6, cujas empresas, em sua grande maioria, optam pelo regime do lucro presumido.

Como apontado, a proposta do governo ainda não foi divulgada, porém a crítica, desde já, deve ser feita. Isso porque, apesar de a grande maioria das empresas no Brasil optarem ou pelo regime do Simples Nacional, ou pelo regime do lucro presumido, as pessoas jurídicas que optaram pelo regime do lucro real satisfazem 85% da arrecadação do Imposto de Renda sobre Pessoas Jurídicas7. Esse dado deve refletir na arrecadação das contribuições sociais, pois em todas a ocorrência do fato gerador depende do sucesso da atividade. Ora, se a quantidade de empresas que optaram pelo lucro real é menor e ainda assim a arrecadação corresponde a essa exuberante quantia, não é necessário um estudo para afirmar que a capacidade contributiva das empresas optantes pelo lucro real é maior que a das outras empresas. Por isso, se se exige o aumento de tributo para simplificação do PIS e da Cofins8, quem deve suportar a carga são as empresas maiores, optantes pelo lucro real. Além disso, se a proposta é simplificar, que se faça um trabalho bem feito. Ainda que seja difícil a criação de um IVA nacional, cobrado na venda e que substituísse o PIS, a Cofins, o ISS e o ICMS9, como proposto pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES)10 , deveria-se lançar, então, um projeto que unificasse o PIS, a Cofins, a CIDE Combustíveis e o IPI, ou que unificasse os imposto sobre o consumo (IPI, ICMS e ISS) e transferisse a competência tributária aos Estados; ou seja, a modificação da competência tributária depende de um estudo econômico que demonstre a importância de cada tributo na arrecadação das diferentes unidades da federação, cabendo aos legisladores definirem se desejam que a União mantenha grande parte da receita e, ao final, distribua o valor arrecadado entre os estados e os municípios, ou se pretendem que os Estados tenham mais autonomia financeira. Ainda assim, a necessidade de simplificação é inegável, e o governo, nessa primeira proposta, parece não ter se apoiado nesse postulado.

Na Câmara dos Deputados, já se discute uma proposta de reforma tributária, com base em projeto da relatoria do Deputado Luiz Carlos Hauly11. Ele propõe, por exemplo, que o IPI, o PIS, o ICMS, a Cofins e o ISS sejam incorporados ao IVA, de competência estadual. Quer, ainda, que a CSLL seja incorporada ao IR. Ele pretende. também, que os municípios tenham competência para instituir o ITR e o IPVA. As medidas provisórias lançadas pelo presidente Temer, se aprovadas, irão barrar os trabalhos da comissão especial que já analisa a proposta impulsionada pelo Deputado Hauly. Resta ver, então, como o governo federal e o Congresso Nacional irão se comportar diante da necessidade de reformas estruturais do sistema tributário brasileiro - que não pode se resumir às medidas fatiadas do presidente Temer -, a exigir dois comprometimentos das autoridades: a) a descomplicação do sistema, a partir do englobamento de vários tributos em um só; b) e a diminuição do valor despendido para cumprir com as obrigações tributárias, que é alto no Brasil, porém pouco se discutiu sobre o tema até agora. Nessa empreitada, as autoridades também devem estar certas de que quem tem mais dinheiro deve pagar mais tributos, de modo que qualquer modificação para a descomplicação do sistema tributário deve atingir quem pode mais, consignando, porém, que a carga fiscal total deve manter-se nos níveis atuais, porque a arrecadação tributária no Brasil em proporção ao PIB atinge níveis de países desenvolvidos, a demonstrar que o dinheiro existe, e o que falta é alguém para aplicar de forma correta os recursos.

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1 PwC. Paying Taxes 2014: The global picture. A comparison of tax systems in 189 economies worldwide.

2 Revenue Statistics in Latin America and the Caribbean

3 RUBISTEIN, Flavio; VETORI, Gustavo G. Closing the Brazilian Tax Gap: Public Shaming, Transparency and Mandatory Disclosure as Means of Dealing with Tax Delinquencies, Tax Evasion and Tax Planning. Amsterdam: IBFD, mar/2016.

4 Original: in 2014, the national tax gap represented 23.6% of the aggregate tax revenue collection in Brazil, amounting to 8.6% of the country’s GDP.

5 Folha de São Paulo. Temer anuncia reforma tributária fatiada e com início no 1º semestre.

6 Época Negócios. Empresários alertam para reforma do PIS/Cofins.

7 Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 4.765/05.

8 Note-se que aqui não se discute o aumento da arrecadação por meio das contribuições sociais, mas como deve ser realizada essa repartição.

9 Folha de São Paulo. Conselhão propõe reforma tributária com fim do ICMS.

10 A proposta sofre resistência dos Estados, que temem perder receita com o fim do ICMS, em um momento de queda na arrecadação.

11 Câmara dos Deputados. Principais Linhas da Proposta de Reforma Tributária - Dep. Luiz Carlos Hauly.

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*Gabriel Bez-Batti é pós-graduado em Direito Empresarial pela FGV e LLM Candidate em International Tax Law pela WU Vienna.

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