Infelizmente, o Brasil está na contramão dessa tendência, desprezando a lógica e continuando a utilizar instrumentos obsoletos, um processo semelhante ao adotado nos anos 80 com a reserva de mercado no setor de informática. Uma das principais consequências do novo momento que vivemos aponta para irreversível situação: a tão falada convergência digital deixa de ser uma previsão restrita aos futurólogos de plantão e já se torna realidade em muitos países. Tecnologias disruptivas que aproximam diferentes setores também têm o potencial de transformá-los por completo e até de eliminar fronteiras aos consumidores. Nesse sentido, vemos que a integração vertical entre diferentes elos de uma cadeia trazem benefícios ao usuário final, que ganha em conveniência e poder de barganha.
Em geral, empresas resultantes desses processos passam a oferecer produtos e serviços mais completos, capturam sinergias e se tornam mais competitivas, incentivando que seus concorrentes também aprimorem a entrega para garantir sua sobrevivência no mercado. É isso que vem ocorrendo em todo o mundo na esfera dos conglomerados das telecomunicações, que se unem para produzir conteúdos e distribuir informação e entretenimento de forma vertical, tendo como lógica a autonomia e o conforto do consumidor. Ao contrário de consolidações horizontais, em que a competição fica comprometida e o consumidor se torna mais vulnerável à falta de opções e restrição de oferta, integrações verticais costumam estimular a concorrência.
Nos Estados Unidos, a recente operação entre a AT&T e a Time Warner comprova essa tendência. O grupo Time Warner, terceiro maior conglomerado mundial no ramo do entretenimento para TV, recebeu uma oferta de aquisição pela AT&T por US$ 108,7 bilhões. Isso significa a integração de atividades e tarefas entre as duas empresas e, desta forma, produção e distribuição de conteúdo passarão a compor o escopo de um mesmo conglomerado.
Essa operação, que ainda está em análise pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos, já foi aprovada no âmbito da União Europeia, México e Colômbia. No Brasil, a operação dependerá de aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e poderá ter reflexos para os consumidores.
Contudo, independentemente da aprovação concorrencial do CADE, sob o enfoque legal, a depender da interpretação da atual legislação, os mais de 5,3 milhões de clientes da Sky correm o risco de não se beneficiar desse processo de convergência digital e de liberdade de escolha dos consumidores. Qual a razão?
Uma lei brasileira, de número 12.485/11, também conhecida como Lei do SeAC, proíbe que uma mesma empresa com sede no Brasil seja programadora, produtora e distribuidora de conteúdo. Isso impede que os brasileiros tenham acesso a um modelo que já é comum em todo o mundo, e em especial nos Estados Unidos, na Europa e no Japão. Além disso, uma Instrução Normativa da Ancine (IN 102) tenta ampliar a abrangência do Artigo 5º da Lei do SeAC estendendo sua aplicação para as empresas programadoras com sede fora do Brasil.
Isso significa que, caso a IN 102 seja aplicada, a atividade de distribuição da operadora de TV por assinatura Sky (parte da estrutura global da AT&T) e de programação dos canais da Time Warner ficaria inviabilizada. Mas não faria sentido para a empresa resultante da fusão abrir mão da Sky para manter canais como HBO, TNT, CNN e Cartoon Network. Por outro lado, por esses canais também fazerem parte de um conglomerado de conteúdo presente em todo o planeta, não seria possível vender sua operação somente no Brasil.
Dessa forma, a única solução lógica do ponto de vista de negócios seria a saída dos canais do país, um prejuízo enorme não só para os consumidores brasileiros, mas também para a produção de conteúdo nacional. Sim, por incrível que possa parecer, a saída desses canais do Brasil pode trazer efeitos na produção de conteúdo nacional pela redução de investimentos. Para se ter uma ideia do efeito que isso teria para o setor de audiovisual brasileiro, que emprega milhares de profissionais e movimenta dezenas de milhões de reais, em 2016, cerca de 55% dos investimentos em produção no Brasil foram feitos por canais da Time Warner.
Assim, não é difícil entender que a estratégia de empresas como Netflix, Youtube e Amazon não deve ser algo isolado no mercado de conteúdo. A expansão na oferta de plataformas é uma tendência mundial e irreversível. Ao Brasil será difícil a tarefa de escapar dessa alternativa. Consumidores, produtores, distribuidores e outras partes envolvidas na produção e no consumo do audiovisual brasileiro não devem ficar presos a um modelo que vem perdendo relevância velozmente.
O futuro do conteúdo é a mobilidade e o futuro da mobilidade é o conteúdo. Sempre haverá aparelhos de TV em residências, mas o vídeo disponível em dispositivos móveis atende hoje ao gosto dos consumidores. As mudanças na área digital evoluem rapidamente e é normal que os países tenham dificuldade em estabelecer legislações adequadas para acompanhar essas transformações. Mas o Brasil, ao que parece, além de não ter leis modernas nesse setor, ainda procura dificultar sua implantação por todos os meios possíveis.
O Brasil não pode perder novamente o bonde da história na maior revolução tecnológica de todos os tempos. Caso contrário, outra vez estaremos atrás de nossos pares em termos de inovação tecnológica, produção e consumo de conteúdo e limitaremos o acesso dos brasileiros a informação e entretenimento, sem contar o risco de desestimular investimentos em uma indústria que vive hoje uma fase de inédita ebulição.
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