Migalhas de Peso

A violência e a questão da maioridade penal

Creio importante a reflexão, muito embora justificadamente, é bom frisar, cause perplexidade e revolta o ‘grau’ de crueldade e barbarismo em inúmeros crimes praticados por menores.

24/4/2017

Diante da criminalidade crescente, da violência desmedida, em inúmeros casos envolvendo menores, vem ressurgindo com força a polêmica em torno da maioridade penal.

Apesar do turbilhão vivido no país, com a frequente espetacularização das operações da Polícia Federal, prisões ‘a rodo’, delações com algum respaldo, ‘deduragens’ sem qualquer lastro probatório, e muitas especulações, tomo a liberdade de tratar do tema que, vira e mexe, volta a ocupar a pauta das discussões, em regra acaloradas.

Consabido que de acordo com nossa legislação, a responsabilidade na esfera penal se inicia aos 18 anos, ficando, portanto, aqueles que menores sujeitos ao ECA, que preconiza como medida sócio-educativa mais gravosa a internação em estabelecimento adequado por período não superior a 3 anos – art. 121, parágrafo 3º do ECA. Ultrapassado este limite, o adolescente será liberado, sendo colocado em regime de semi-liberdade ou liberdade assistida (parágrafo 4º do mesmo dispositivo). Outrora venerado, o Estatuto hoje é objeto de pesadas críticas, pregando-se de forma sistemática sua reformulação.

São inúmeros os casos retratados na imprensa de barbáries perpetradas por jovens que ainda não alcançaram os 18 anos. Penso descaber neste espaço discutir o aspecto sociológico do problema, suas origens, a banalização e a glamourizaçao do comportamento criminoso, a ausência do poder estatal, substituído muitas vezes por poderes paralelos, especialmente em comunidades carentes, a falta de oportunidades sentida pela juventude, a desestruturação familiar, o descaso para com o semelhante, os péssimos exemplos rotineiramente dados pelas autoridades constituídas, a ociosidade, o abuso cada vez mais precoce de drogas, inclusive, as consideradas lícitas, ou simplesmente a derrocada de princípios morais, sendo mais importante o ter em detrimento do ser. É necessário então parar e pensar! O que fazer? Implementação de políticas públicas voltadas para a juventude? Já não existem? As que colocadas em prática deram certo ou desvirtuaram-se por alguma razão?

Afora tais urgências, volta e meia rediscute-se a questão da responsabilidade criminal no sentido de reduzi-la para os 16 anos, permitindo então que a partir desta idade venha o jovem a responder com base na lei penal pelos crimes que praticar, ficando, portanto, sujeito às penas previstas, notadamente as privativas de liberdade.

A imposição no Código Penal da maioridade aos 18 anos teve como fundamento o desenvolvimento mental incompleto, a imaturidade daqueles que menores. Ocorre que, dizem os defensores da ideia da redução, não estamos mais no tempo da adolescência ingênua, quase infantil, tendo hoje o jovem de 16 anos, outrora imaturo, plena capacidade de discernir não apenas entre o certo e o errado, mas também de ter a plena consciência dos seus atos e responsabilidades, bem como dos resultados por eles proporcionados. Com efeito, é sustentado o argumento de que se é dado o direito de escolha de seus representantes pela via do voto, ainda que opcional, a partir dos 16 anos, não há porque tal adolescente escapar da responsabilidade criminal, com todos os rigores da lei, pelos atos que praticar.

Ocorre que tal assertiva não basta para que se defenda a redução, assim como não basta dizer que hoje, com acesso a todos os meios de informação, com a evolução da sociedade e as tecnologias à disposição, o jovem de 16 anos já é plenamente maduro e capaz de entendimento e vontade na perspectiva de compreender a extensão de seus atos.

A discussão há de ir para o terreno do que pode vir a acontecer. Reconhecidamente o sistema carcerário brasileiro está em colapso faz algumas décadas. A pena de privação da liberdade não cumpre o papel de reeducar o cidadão para seu retorno à convivência social, na medida em que – e não adiante negar – o que efetivamente visado com sua aplicação concreta é tão somente o ‘castigo pelo mal causado’, sem qualquer outra finalidade mais nobre, vale dizer, prepondera, aliás, como sempre, seu caráter retributivo. Nossas prisões, infectas quase todas, são verdadeiras escolas de criminalidade, vivendo-se ali em condições sub-humanas, numa aterradora promiscuidade, onde a legislação específica – lei de Execuções Penais – não é devidamente cumprida. Os presídios são dominados por facções criminosas que impõem suas vontades mediante a violência e ameaças, haja vista as rebeliões onde, via de regra, as mortes são assustadoras, não só pelo número, mas pelos meios e modos de execução. Num quadro deplorável como este, forçoso então indagar: reduzindo-se a maioridade penal para os 16 anos de idade, permitindo-se que jovens a partir dessa idade vejam-se punidos com as penas previstas para os crimes que cometer, será conveniente e adequado o encarceramento nesses estabelecimentos? Não se verão, até pela idade, ao saírem, pós-graduados na criminalidade, mais animalizados, capazes de atrocidades até maiores do que as antes cometidas?

Creio importante a reflexão, muito embora justificadamente, é bom frisar, cause perplexidade e revolta o ‘grau’ de crueldade e barbarismo em inúmeros crimes praticados por menores.

Certo é que o único responsável por essa situação caótica do sistema prisional é o Estado. Se é desumano manter homens e mulheres em condições cuja precariedade é a regra, como nos nossos estabelecimentos penitenciários, não vejo nenhum senso de responsabilidade, mínimo que seja, trazer à baila a discussão acerca da redução da maioridade penal. Nesse espectro, acredito que muito mais sensato, menos temerário e traumático, é se discutir uma revisão no Estatuto, de modo a permitir que o período de internação possa ser majorado, de acordo com as conveniências do caso concreto e a personalidade do menor que pratique ‘ato infracional’ mediante violência ou grave ameaça à pessoa. É uma alternativa, mas que passa também por um novo olhar sobre as instituições destinadas ao recolhimento, de modo a que cumpram, com a credibilidade necessária, o papel a que se destinam. De todo modo, trata-se de tema que não pode, em hipótese alguma, ser discutido com os ânimos acirrados pela emoção, ou sob influência, às vezes negativa, da imprensa, mesmo porque, é público e notório, outras leis de natureza penal que endureceram o tratamento nos casos de possível condenação, e que aprovadas sem prévia reflexão, de pouco ou nada adiantaram, não surtindo os efeitos esperados no âmbito da prevenção geral, ao contrário, porquanto não minoraram a criminalidade, como de notório conhecimento.

De todo modo, um debate amplo se faz necessário, trazendo para a discussão variados setores da sociedade, e que não fique apenas na esfera do Legislativo, reconhecidamente, nos dias atuais, não muito confiável, até porque invariavelmente sob suspeita.

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*Eduardo Queiroz de Mello é advogado criminalista do escritório Salomão Cateb Advogados Associados.

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