É preciso voltar a falar da crise no Poder Judiciário mesmo que pareça “chover no molhado”. Essa realidade crítica há anos é retratada nos relatórios do Conselho Nacional de Justiça e, de uns tempos para cá, reconhecida pelo próprio Tribunal de Justiça.
A atual gestão do Tribunal de Justiça da Bahia - é preciso ser justo - tem se esforçado para melhorar a prestação jurisdicional e, em busca disso, avançou bastante no diálogo com entidades e instituições, inclusive com a OAB da Bahia.
Apesar de conquistas pontuais, a verdade é que os avanços são tímidos e continuam os graves problemas decorrentes da falta de juízes e servidores. Atualmente, a Bahia possui 422 juízes e 4.369 servidores no 1º grau. Para se ter uma idéia do tamanho do problema, segundo dados da "Justiça em números" do CNJ, na Bahia faltam 231 juízes e 25.769 servidores.
E por que esse problema? A resposta é simples: orçamento. O Poder Judiciário da Bahia parece encontrar-se no limite prudencial e não pode contratar novos juízes e servidores, sob pena de inobservância da lei de responsabilidade fiscal (LC 101/00).
Diante desse quadro, surgem propostas de medidas a serem adotadas, na grande maioria das vezes numa lógica cruel que desconsidera a necessidade de prestação jurisdicional, mas apenas e tão somente números frios do orçamento e seu enquadramento aos ditames das normas legais.
Na gestão passada do TJ/BA, por exemplo, foi apresentada uma solução que acarretou a agregação de 25 Comarcas, que estavam instaladas, mas sem juiz. Naquela oportunidade, apesar dos protestos da OAB, que foi contra, o Tribunal de Justiça implementou a medida. A justificativa então apresentada, amparada na pouca movimentação das Comarcas “escolhidas” e também na intenção de atendê-las com juízes, trazia embutida uma expectativa nunca acreditada: aquela de que com a agregação das Comarcas, haveria menos processos sem ter um juiz responsável, de forma que isso ensejaria significativa melhora na prestação jurisdicional.
Passados quase dois anos, o próprio Tribunal reconhece que a agregação não trouxe os resultados pretendidos. Muito pelo contrário. Deixou um grande acervo paralisado, pois as Comarcas foram agregadas, mas os processos continuaram lá, paralisados ou abandonados. Um verdadeiro fracasso!
Mesmo assim, agora, o Tribunal de Justiça, novamente às voltas com a falta de juiz e com a falta de recursos orçamentários para contratação de juízes e servidores necessários, busca novas medidas para resolver a questão. Desta vez, a ideia consistiria em algo muito mais grave e definitivo, pois a pretensão é a desinstalação de Comarcas. Segundo Jorge Cardoso, diretor do SINPOJUD, estudam fechar 70 Comarcas1!
Não podemos aceitar. A advocacia do interior da Bahia está em polvorosa. E motivos para isso é o que não faltam, principalmente porque a experiência mostra que medidas dessa natureza agravam ainda mais a prestação jurisdicional.
Não é aceitável a alegação de que a adoção de medidas, como a digitalização de todos os processos, tornarão a nova “experiência”, diferentemente da agregação, um sucesso.
A premissa está errada. Não podemos abrir mão de direitos conquistados, especialmente quando configuram manifesto retrocesso às conquistas da cidadania. Uma Comarca em um Município significa a presença do Estado, o respeito à cidadania.
Não foi por outro motivo que a Constituição do Estado da Bahia estabeleceu no art. 121 que “a cada Município corresponderá uma Comarca”. No mesmo dispositivo constitucional está previsto que a instalação depende de requisitos e condições instituídos por lei de organização judiciária. Não há espaço constitucional para desinstalação de Comarcas, vez que esse ato configuraria manifesta violação ao texto e ao espírito da Constituição Estadual.
Nem poderia ser diferente. Não importa o tamanho do Município ou a movimentação da Comarca. Defender, em qualquer caso, a desinstalação de uma Comarca é negar a necessidade da presença do Estado, ou, na pior das hipóteses, a importância do Judiciário como um dos Poderes. Ou alguém em sã consciência defenderia a possibilidade de um Município sem o Poder Legislativo ou o Poder Executivo?
Consequentemente, a luta em favor do Poder Judiciário impõe a alteração da lógica hoje pautada no orçamento. Nossa luta deve ser pelo fortalecimento do Poder Judiciário, pela sua presença efetiva em nosso Estado. Na Chapada Diamantina, a advocacia já deu o mote que devemos embandeirar: NENHUMA COMARCA A MENOS!
Não apenas isso. Nossa pretensão deve ter como meta o preenchimento de todas as Comarcas com juiz. Antes que digam ser uma proposta idealista, registro que muitas medidas podem ser adotadas para viabilizar a efetivação da norma constitucional que assegura uma Comarca em cada Município da Bahia.
No âmbito do próprio Tribunal de Justiça, além do corte de despesas menos relevantes para prestação jurisdicional (e não são poucas), é preciso rever a situação dos juízes titularizados em Varas de Substituições, especialmente de segundo grau, situação absolutamente incompatível com a realidade de diversas Comarcas sem juiz titular.
Um estudo profundo das necessidades e a realização de um plano de reestruturação, como há muito vem defendendo Luiz Viana, Presidente da OAB/BA, certamente darão ao nosso Tribunal as luzes imprescindíveis para o fortalecimento do Poder Judiciário, invertendo-se, assim, a lógica que atualmente utiliza-se de medidas que o diminuem e enfraquecem.
Por fim, devemos ainda destacar que esse não é apenas um problema do Poder Judiciário e da advocacia. Essa é uma questão que afeta todo o Estado da Bahia e que merece atenção e envolvimento de todos os Poderes, especialmente o Governador e a Assembléia Legislativa, sob a coordenação do Tribunal de Justiça, em diálogo franco com a sociedade civil.
Não podemos aceitar o desmantelamento do Poder Judiciário sem lutar. Tanto o Governo do Estado como os nossos deputados tem que ser alertados e convocados a essa luta, que é de todos. Ao grande caos que enfrentamos, unidos, precisamos atentar para a poesia de João Cabral de Melo Neto:
“Tecendo a Manhã”
“Um galo sozinho não tece uma manhã;
Ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanha esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios do sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.”
Pois então vamos em frente, todos a uma só voz, gritando: NENHUMA COMARCA A MENOS!
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