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A cobrança de comissão de corretagem no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida – Tema 960, REsp 1.601.149

Para que se faça clara a discussão, faz-se necessário diferenciar a atuação as construtoras que atendem a chamada "Faixa 1" do Programa Minha Casa Minha Vida das que atuam nas outras "Faixas" do Programa.

11/4/2017

Em passado próximo, muito se discutiu sobre a validade da cláusula contratual que transfere ao adquirente de um imóvel a responsabilidade pelo pagamento da comissão de corretagem, questão que foi pacificada pelo STJ (Tema 938, REsp 1.599.511).

Todavia, a discussão foi desdobrada e fez surgir uma análise um pouco mais detalhada sobre a validade desse mesmo ajuste quando o imóvel transacionado se insere no sistema de financiamento do Programa Minha Casa Minha Vida.

A questão ganhou relevância e fez aumentar o número de demandas ajuizadas pelos adquirentes de imóvel sob o argumento de que financiaram seus imóveis pelo Sistema do Programa, pleiteando a devolução da comissão paga aos corretores de imóvel.

Para que se faça clara a discussão, faz-se necessário diferenciar a atuação as construtoras que atendem a chamada "Faixa 1" do Programa Minha Casa Minha Vida das que atuam nas outras "Faixas" do Programa. Embora o consenso geral interprete como se o sistema todo fosse gerido e mantido pelo Poder Público, há grande importância e atuação da iniciativa particular em grande parte do sistema (faixas 1.5, 2 e 3).

Como se sabe, o Governo Federal possui políticas e programas habitacionais dirigidos a pessoas de baixa renda, parcela da população que detém grande dificuldade de acesso ao crédito.

Por intermédio da lei 11.977/09, foi instituído o Programa Minha Casa Minha Vida, que prevê atendimento das necessidades de moradia dessas famílias de baixa renda, levando em consideração, principalmente, a renda familiar, a localização do imóvel e seu valor.

Basicamente, os beneficiários do Programa estão divididos em quatro faixas, de acordo com a maior ou menor vulnerabilidade econômica dentre aqueles identificados como mais necessitados. O Programa contempla, assim, as chamadas (a) "Faixa 1"; (b) "Faixa 1.5"; (c) "Faixa 2"; e (d) "Faixa 3".

FAIXA 1

Como prioridade, definiu-se que as famílias que auferissem renda bruta mensal de até R$ 1.800,00 poderiam receber até 90% de subsídio sobre o valor do imóvel, com financiamento da diferença do preço em até 120 prestações mensais, sem juros e com parcelas limitadas ao valor máximo de R$ 270,00.

Para ter acesso ao benefício concedido pela "Faixa 1", o interessado deve se cadastrar no Programa, preencher e demonstrar os requisitos financeiros e participar de sorteios regulares.

Nesses casos, não há incorporação imobiliária, como ocorre na iniciativa particular. Para consecução do Programa na "Faixa 1", os terrenos onde serão construídos os empreendimentos são doados pelos Estados, pelos Municípios ou pelo Distrito Federal. Os empreendimentos imobiliários sujeitos à faixa 1 são idealizados e geridos pelo agente público e a iniciativa particular participa, tão somente, da execução da obra, sob fiscalização do poder público.

Embora a execução das obras seja confiada à iniciativa particular, cabe à Caixa Econômica Federal e ao Banco do Brasil verificar a oportunidade, contratar, acompanhar as obras e custear os serviços. O dinheiro para a construção, portanto, provém do próprio Programa Minha Casa Minha Vida que, em termos gerais, figura como tomadora da obra. As empresas da iniciativa privada, portanto, são contratadas pelo poder público exclusivamente para realizar as obras, em sistema de licitação.

Em razão desse peculiar contexto, realmente não há comercialização de unidades ao público em geral. A distribuição dos imóveis é toda realizada pelo agente público, consoante regras estabelecidas no Programa Minha Casa Minha Vida, que destina as unidades aos participantes sorteados, de acordo com seus exclusivos critérios.

FAIXAS 1.5; 2; E 3

Embora todo o Programa Minha Casa Minha Vida seja voltado para habitações de interesse social, a atuação do Poder Público muda sensivelmente de intensidade de acordo com a faixa da renda familiar dos envolvidos.

Enquanto na "Faixa 1" a iniciativa para a construção do empreendimento e distribuição das unidades compete exclusivamente ao Poder Público, na "Faixa 1.5", "Faixa 2" e "Faixa 3", a iniciativa é integralmente particular, sem a intervenção do Poder Público.

Nesses casos, há verdadeira incorporação imobiliária, nos termos da lei 4.591/64. Compete à iniciativa particular, dentre outros, a escolha de mercado sobre o momento e a oportunidade de incorporar ou não, a escolha do melhor terreno, a obtenção de recursos para custear a obra e, claro, construção e comercialização das unidades. Em nenhuma dessas escolhas há intervenção pública. A iniciativa e a atividade, como afirmado, são exclusivamente particulares.

Como consequência, uma vez finalizadas as obras, as unidades construídas são de propriedade da construtora/incorporadora e em nada se relacionam ao Poder Público. Em razão disso, a comercialização das unidades também cabe à construtora/incorporadora, e não ao Poder Público. O preço e as condições de pagamento serão fixados pela construtora/incorporadora, que escolherá seu nicho de mercado e a melhor forma de atuação.

Vale dizer, também, que a construtora/incorporadora não fica vinculada a vender as unidades construídas para as pessoas inseridas no Programa Minha Casa Minha Vida. A escolha do imóvel fica para o pretenso adquirente, que não participará de sorteios mesmo que possa ser contemplado com os benefícios do programa.

Em outras palavras, a construtora poderá alienar livremente suas unidades a quem se interessar. Caso seja procurada por algum interessado em adquirir a unidade construída e este interessado preencha os requisitos fixados pelo Programa Minha Casa Minha Vida, o financiamento para pagamento do preço será facilitado ao comprador. De acordo com a faixa de sua renda, receberá maior ou menor subsídio do Programa e terá melhores taxas de juros.

DO RESP 1.601.149

Embora não fique exatamente claro o motivo da afetação do REsp 1.601.149, de Relatoria do Min. Paulo de Tarso Sanseverino, para fixar um novo precedente acerca do pagamento da comissão de corretagem (e a não aplicação do precedente fixado pelo Tema 938), o seu objeto são os contratos de venda e compra firmados no âmbito da "Faixa 1", do Programa Minha Casa Minha Vida.

Sem adentrar ao mérito, que será apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça, não há intermediação propriamente dita na sistemática da "Faixa 1". Uma vez construídas as unidades habitacionais, o Poder Público realiza sorteios entre aqueles cadastrados no Programa Minha Casa Minha Vida para a distribuição dos imóveis aos contemplados. Ou seja, nem mesmo ocorre a venda de unidades. Nesse sentido, o REsp 1.601.149 analisará a possível abusividade da cobrança do que se vem chamando de "comissão de corretagem" - nos casos em que sequer há intermediação (faixa 1) -, ou qualquer outra taxa cobrada pela contemplação do interessado nos sorteios realizados.

E esta é a discussão que, possivelmente, afastaria a aplicação do precedente já fixado pelo Superior Tribunal de Justiça. Todavia, como se viu, as demais faixas do Programa competem exclusivamente à iniciativa particular, circunstância em que há verdadeira comercialização de unidades, sendo plenamente possível a realização de intermediação por corretores de imóvel e o ajuste para que o adquirente remunere tais profissionais.

Não foi outra razão que a ação civil pública que iniciou a discussão sobre esta questão foi julgada improcedente (Ação Civil Pública 5005318-51.2011.4.04.7110/RS, 2ª Vara Federal de Pelotas, da Seção Judiciária do Rio Grande do Sul). Com efeito, restou reconhecida a regularidade e a validade do pagamento de comissão de corretagem nos contratos firmados no âmbito das "Faixas II e III" (a "Faixa 1.5" foi recentemente criada).

A respeito, pede-se vênia para transcrever a conclusão do MM. Juízo da 2ª Vara Federal de Pelotas:

(...)

É inequívoca a necessidade de intervenção de empresas de corretores de imóveis para a comercialização de empreendimentos do porte Moradas Club Pelotas e Moradas Pelotas.

Com efeito, nem as construtoras, nem os agentes financeiros, tem estrutura, recursos humanos e know how para efetivar a atividade de venda do empreendimento. Tal atividade requer, entre outras atribuições, a demonstração e prestação de informações sobre: características das unidades a serem adquiridas e sua localização dentro do empreendimento; condições para utilização das áreas comuns do condomínio a ser formado; documentação e condições econômicas para a aquisição dos imóveis; formas de pagamento e opções de negociação etc. Além da efetiva ultimação da venda da unidade.

(...)

No entanto, havendo o efetivo serviço de corretagem, como acima analisado, e sendo prática costumeira do mercado imobiliário a imputação ao comprador do dever de pagar a comissão de corretagem, não vislumbro abusividade na sua atribuição, ainda que por adesão, ao adquirente da unidade.

Tanto que, caso fosse reconhecido o dever das construtoras de adimplir a comissão de corretagem, o ônus econômico seria, de qualquer forma, suportado pelo adquirente, já que tal encargo repercutiria inequivocamente no preço de venda das unidades.

Ademais, revendo o entendimento que adotei por ocasião da decisão liminar, o pagamento da comissão de corretagem pelo adquirente não ofende às regras do Programa Minha Casa, Minha Vida, já que, quando se tratas das faixas II e III, a oferta e venda dos bens se dá, como antes examinado, segundo as regras de mercado de imóveis em geral.

Tal prática, portanto, não encerra, em si, qualquer ilegalidade.

O posicionamento da Caixa Econômica Federal

Na qualidade de amicus curiae, a Caixa Econômica Federal se manifestou nos autos do REsp 1.601.149.

Reforçando aquilo que os setores da construção civil já vinham afirmando, a Caixa Econômica Federal esclareceu que, no âmbito do sistema da chamada "Faixa 1" do Programa, "não há comercialização dos imóveis no mercado, inexistindo envolvimento de imobiliárias, corretores e construtoras/incorporadoras na sua venda", pois "cabe ao ente Municipal (no caso de recursos do FAR) ou Entidades organizadoras (nas operações com recursos do FDS) a organização, seleção e envio à CAIXA dos beneficiários".

Já os casos enquadrados nas demais "faixas" do Programa, "trata-se de um financiamento tradicional pelas regras do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e do próprio Fundo, mas com taxas de juros reduzidas e com a possibilidade de amortização de parte do saldo devedor com a subvenção da União e/ou a concessão de desconto/subsídio do FGTS, dependendo da renda". "Assemelha-se a uma operação de mercado" e, "neste caso, as construtoras/incorporadoras é que são as proprietárias dos imóveis produzidos e suas vendedoras e os imóveis são livremente comercializados por elas".

A conclusão apresentada pela Caixa Econômica Federal defende a aplicação da solução já pacificada pelo STJ quando do julgamento do REsp 1.599.511 (TEMA 938) com relação aos imóveis comercializados no âmbito das "Faixas 1.5, 2 e 3", "pois nestes casos, o que se tem são verdadeiras operações de mercado, atuando as instituições financeiras desta forma, não havendo razões para se coibir esta cobrança, desde que observadas, sempre, as regras regulamentadas pelo Gestor". "Como operação de mercado que é, com a construção de moradias diretamente pelas construtoras habilitadas, podendo haver financiamento da obra e do imóvel diretamente pelo mutuário ou somente este último, não há razões para se afastar a atuação dos corretores de imóvel devidamente credenciados, como parte da cadeia existente em um contrato imobiliário".

_____________

*Fábio Tadeu Ferreira Guedes é sócio do escritório Junqueira Gomide & Guedes Advogados Associados.

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