Ministério Público na defesa dos interesses individuais homogêneos
Hugo Filardi*
Em sentido contrário, opinando inclusive pela inconstitucionalidade de qualquer lei infraconstitucional que institua a defesa dos interesses individuais homogêneos ao Ministério Público, manifestou-se MIGUEL REALE, com base nas discussões durante a Assembléia Nacional Constituinte que excluíram do anteprojeto a possibilidade de tutela pelo Parquet de interesses jurídicos gerais. Para o renomado jurista paulista, o simples fato do legislador ter suprimido a expressão “interesses jurídicos gerais” do âmbito de proteção do Ministério Público impossibilita qualquer extensão normativa que amplie os interesses, por este, tuteláveis. No entanto, consideramos que a não inclusão do termo jurídico mencionado se deu em função de sua precária precisão terminológica que poderia acarretar numa ilegítima intervenção do MP em interesses que não os de relevância social.
Vislumbramos sim a intenção do poder constituinte originário em conferir também a tutela dos nomeados interesses individuais homogêneos ao MP, mas em virtude da imprecisão em delimitar tais interesses, o legislador constituinte preferiu se omitir a legalizar uma indevida participação do Parquet nas relações jurídicas de direito privado. Ademais, sob o prisma da acessibilidade seria uma infeliz contradição impedir que o Ministério Público atuasse com destaque na defesa de interesses socialmente e acidentalmente coletivos, visando distribuir justiça e minimizar as desigualdades processuais que adviriam das milhares de demandas individuais, normalmente mais frágeis, perante grandes potenciais econômicas.
Já PEDRO DA SILVA DINAMARCO1 sustenta que somente os interesses individuais homogêneos indisponíveis poderiam ser tutelados pelo Ministério Público, sob o prisma de estar havendo indevida interferência do Parquet na esfera de interesse dos lesados. O renomado processualista, para ilustrar sua respeitável tese, recorre à lição jurisprudencial proferida pelo DESEMBARGADOR ARAKEN DE ASSIS2 que preconizou que “nos termos do art.129, inc. III, da Constituição Federal, o Ministério Público só tem legitimidade para promover ação civil pública em defesa de interesses difusos e coletivos, que são os “interesses sociais” inesculpidos no caput do art.127. Não são direitos de índole diversa, e, muito menos, direitos patrimoniais disponíveis, como se verifica na espécie. Conceber a esfera legitimante do Parquet diversamente levaria à aniquilação de direitos privados, à alteração, por órgão do Estado, do objeto litigioso, em qualquer demanda; bastaria autorizar a intervenção do Ministério Público num organismo com poderes ainda maiores do que a Prokuradura soviética”.
Talvez o tema que mais desperte discussões sobre a legitimação do MP para defesa dos interesses individuais homogêneos seja justamente o relativo à cobrança de tributos. Em razão da disponibilidade da tutela destes interesses e pela argumentação de que não se aplicaria o Código de Defesa do Consumidor aos contribuintes, o Supremo Tribunal Federal vem se posicionando pela ilegitimidade ativa do MP para propositura de Ações coletivas questionando a legalidade da imposição de tributos pelo Estado. Contudo, tal orientação adotada pela corte “constitucional” parece servir muito mais aos interesses arrecadatórios do fisco do que efetivamente impedir que o Parquet intervenha ilegitimamente na esfera de interesses exclusivamente privados. Como é um órgão essencialmente político, até mesmo pela forma de sua investidura, o STF se mostra muito reticente em respeitar os direitos fundamentais previstos na Constituição da República Federativa do Brasil quando estes colidem com os interesses do Estado enquanto parte processual.
O escopo da tutela coletiva abranger os chamados interesses individuais homogêneos é assegurar a eficácia da tutela jurisdicional, proporcionando a distribuição de justiça para todos os jurisdicionados interessados através da preservação do substantive due process of law e da isonomia entre os litigantes. Por se tratarem de interesses apenas socialmente coletivos, a defesa dos interesses individuais homogêneos visa transformar indivíduos em jurisdicionados e impedir que a diferença no êxito de demandas de mesma matéria motivada contribua para o descrédito do judiciário perante a sociedade civil. Definitivamente, os magistrados devem deixar de apegos a técnicas processuais de pouco utilidade prática e defender irrestritamente o pleno acesso ao judiciário no sentido de conferir efetividade aos comandos constitucionais abstratos.
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1Dinamarco, Pedro da Silva. Ação Civil Pública, Editora Saraiva, 1a Edição, São Paulo, 2001, página 215-219.
2TJ/RS – Apelação 92.13468-8 – 1a Câmara Cível – Desembargador Relator Araken de Assis, apud Dinamarco, Pedro da Silva. Ação Civil Pública, Editora Saraiva, 1a Edição, São Paulo, 2001, página 215-216.
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* Advogado do escritório Siqueira Castro Advogados