Após quase vinte anos de vigência da lei 9.656, de 3.6.1998 (Lei de Planos de Saúde), os fatores de moderação vêm ganhando espaço nas mesas de discussão como uma relevante ferramenta para assegurar a sustentabilidade do setor de saúde suplementar e auxiliar na (re)educação dos beneficiários de plano de saúde acerca da utilização abusiva e, muitas vezes, desnecessária.
Por muito tempo, empresas estipulantes de planos coletivos empresariais não implementaram qualquer medida para coibir o uso indiscriminado dos serviços de assistência à saúde pelos beneficiários. Na verdade, nem mesmo os beneficiários tinham (e continuam não tendo) consciência de que o uso abusivo do plano prejudica a eles mesmos dado o aumento da sinistralidade da carteira e, por consequência, do custo do plano.
Essa realidade trouxe à tona não só a necessidade de envolver mais o beneficiário no dia-a-dia da empresa e operadora que gerem o plano de saúde coletivo empresarial a fim de que passe a ter maior conhecimento acerca das consequências do uso abusivo e desnecessário de serviços médico-hospitalares, mas também a importância do atendimento primário do beneficiário, visando desafogar os Prontos Socorros e inibir o número excessivo de consultas médicas com diversos especialistas sem necessidade.
Diante das muitas discussões e debates sobre a necessidade de reformular o setor, bem como de buscar medidas que contribuam para a sustentabilidade dos planos privados de saúde, os mecanismos financeiros de regulação, como, por exemplo, coparticipação e franquia, requereram maior regulação pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Conforme informação da Agência em seu website, "atualmente, 33% dos planos de saúde comercializados utilizam esse mecanismo e 50% dos beneficiários têm planos com coparticipação ou franquia". Assim sendo, a ANS criou um Grupo Técnico para tratar de uma normativa a ser editada. As reuniões foram transmitidas pelo canal da ANS no YouTube e contaram com a contribuição e participação da sociedade e dos "players" do mercado
Há duas questões a serem ponderadas em relação à coparticipação: o objetivo de inibir o mal uso por parte do beneficiário; e a necessidade de coibir operadoras de plano de saúde de implementarem percentuais de coparticipação que funcionem como fonte de obtenção de lucro ou como cofinanciamento do procedimento médico.
Um dos aspectos abordados na proposta de resolução da ANS é o limite da coparticipação no percentual de 40%, exceto para coberturas fora do rol de procedimentos da ANS. Isso porque, estudos revelam que, se estabelecido elevado percentual de coparticipação, o efeito esperado é reverso. Ou seja, inibe-se não só o mal uso, mas o uso necessário do plano, o que poderá implicar, mais uma vez, no aumento da sinistralidade. É evidente que esse não é o objetivo do fator moderador.
A fim de manter a previsibilidade de gastos pelo beneficiário, a ANS propõe a divulgação de uma tabela com informações que permitam ao beneficiário a verificação dos valores a serem pagos de coparticipação. Essa questão, contudo, gera algumas discussões, dentre elas, o impasse que poderá gerar entre operadoras e prestadores de serviços no tocante às negociações acerca da remuneração e divulgação desses valores.
Outro ponto interessante é a cobrança de coparticipação de 100% como alternativa à imputação de carência ou cobertura parcial temporária. Nesse caso, a ANS estabelece um financiamento integral do procedimento pelo beneficiário, mas desfrutando dos valores negociados pelas operadoras, que são inferiores aos particulares.
Da mesma forma, a proposta de resolução trata da franquia, que corresponde ao valor estabelecido no contrato até o qual a operadora não tem responsabilidade de custeio. Algumas das formas de franquia propostas pela ANS beneficiarão o alto risco e, outras, o baixo risco. É preciso que haja um equilíbrio nessas propostas à medida que, como já suscitado pela ANS, essa ferramenta pode ser viável apenas para beneficiários de renda mais elevada ou empresas.
Ainda, pela proposta da normativa, seria vedada a incidência de franquia nas mesmas hipóteses ou procedimentos em que incidem a coparticipação.
Importante ressaltar que referidos fatores de moderação não têm por objetivo reduzir ações preventivas ou repassar custo aos beneficiários. A ideia é tão-somente estimular o uso consciente dos serviços médico-hospitalares, que determinam a sinistralidade dos planos.
Tampouco é possível afirmar que a implementação da coparticipação e franquia é a solução para os problemas desse setor. Todavia, sua adoção juntamente com outras medidas que têm sido estudadas representam mais um avanço na regulamentação do setor, buscando conciliar os interesses dos players do mercado e dos beneficiários.
E para assegurar a transparência e envolvimento de todos os interessados, a proposta de resolução da ANS foi discutida em audiência pública no dia 20/3/17, das 10 às 17h. Certamente, com base nos trabalhos desenvolvidos no Grupo Técnico, a minuta inicial da resolução permanecerá sendo aprimorada com a contribuição da população e dos participantes desse mercado durante a audiência pública até atingirmos o resultado final mediante edição da nova regulamentação.
É importante que as empresas acompanhem essa nova regulamentação a fim de analisar medidas de contenção da sinistralidade dos seus planos de saúde. Até mesmo porque, é possível que mudanças sejam necessárias para as empresas se adequarem à nova realidade pensando no desenvolvimento da carteira a médio e longo prazo.
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*Théra van Swaay de Marchi é sócia do escritório Pinheiro Neto Advogados.
*Luciana Mayumi Sakamoto é associada do escritório Pinheiro Neto Advogados.
*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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