Federação e Contribuições
Raquel Cavalcanti Ramos Machado*
Como se vê nas notícias dos últimos dias, os Estados e os Municípios esforçam-se para negociar com o Governo Federal a repartição das receitas obtidas com as contribuições, tais como a CIDE e a CPMF.
O Governo Federal cedeu apenas em parte a essas pressões, com relação à CIDE dos combustíveis, uma vez que não é possível negar que os Estados têm efetivo e evidente direito sobre o valor arrecadado com essa contribuição, já que a mesma, não obstante seja tributo federal, incide sobre fato gerador que, nos termos da Constituição Federal, é de competência própria dos Estados que o tributam com o ICMS.
Seja como for, existe algo importante com relação a essa reivindicação dos Estados e Municípios que não pode ser ignorado: trata-se do abusivo uso pelo Governo Federal das contribuições, que tanto cria novas contribuições, como majora constantemente as existentes, quando o normal seria aumentar e criar impostos. Praticamente, para o ônus do contribuinte, pode parecer que não existe diferença entre majorar e criar uma contribuição ou majorar e criar um imposto, pois ambas as situações implicariam aumento da carga tributária. Ocorre que, nos termos da Constituição atual, os Estados e Municípios não participam da receita obtida com a arrecadação das contribuições, mas participam da receita arrecadada com os impostos. Assim, a substituição gradativa de parte considerável da arrecadação com os impostos por contribuições significa a diminuição da arrecadação dos Estados e Municípios e o aumento da arrecadação da União Federal. Exemplo disso é o que ocorre em relação ao Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas e a Contribuição Social sobre o Lucro - CSSL. Sempre que pretende aumentar a tributação sobre o lucro das pessoas jurídicas, a União prefere majorar a CSSL ao Imposto de Renda, pela simples razão de que não terá de repartir a receita respectiva com nenhum dos demais membros da federação. É certo que a CSSL deveria ir para o caixa da seguridade social, mas na prática não vai, seu destino é o caixa do Tesouro Nacional sem qualquer participação, como dito, dos Estados e Municípios. Assim, gradativamente, Estados e Municípios têm sua receita diminuída.
Então, poder-se-ia perguntar: qual o problema de a arrecadação da União aumentar e a dos demais entes federativos diminuir? A resposta é simples: o problema é a centralização do poder, que a Constituição Federal em tantas normas tentou evitar, e que implica a gradativa supressão da forma federativa de Estado. Com a diminuição da efetividade da federação, Estados e Municípios têm de ficar, como agora, ajustando-se à política do governo federal para conseguir verbas indispensáveis para o exercício de suas atribuições.
Ora, não é possível que para consertar a rua tal da cidadezinha tal, o prefeito vá ter de barganhar com o presidente lá em Brasília, que não liga para a cidadezinha e só liberará a verba respectiva se o prefeito falar com seu amigo deputado federal para aprovar a lei tal cujo projeto foi apresentado pelo presidente. Em qualquer caso, e isso é o pior, a decisão de consertar a rua, ou não, fica inteiramente nas mãos da União Federal, desaparecendo a autonomia do Município correspondente.
O intérprete do Direito, ao julgar a constitucionalidade do uso de contribuições pelo Governo Federal não pode ignorar essa realidade. Do mesmo modo, os deputados, ao votarem a reforma tributária, também devem considerá-la.
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* Advogada e Membro do Instituto Cearense de Estudos Tributários
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