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O advento da alienação fiduciária no direito brasileiro

Ainda cumpre enaltecer o prisma axiológico da esfera negocial imobiliária que o objeto do presente estudo perfaz.

24/2/2017

I. INTRODUÇÃO:

Com o advento do instituto da alienação fiduciária e sua natureza assecuratória, a concessão de crédito pelas instituições financeiras credenciadas pelo Banco Central, cresceu em variação astronômica, ao passo que o número de inadimplementos também subiu, de tal sorte que o procedimento garantístico de execução extrajudicial, realizado pelos Oficiais de Registro de Imóveis, recebeu ênfase e tornou-se alvo de frequentes discussões quanto a nomeada consolidação de propriedade, um dos objetos de estudo do presente artigo. Discutir-se-á sobre a possibilidade de tornar nulo o procedimento extrajudicial de consolidação através de intervenção judicial e seus procedimentos, com fulcro na preservação real da dignidade da pessoa humana. No mais, observar-se-á possibilidade de purgação da mora após o prazo instituído pela lei 9.514/97, com o fito de elucidar os aspectos jurídicos, políticos e econômicos da resolução.

Doravante, na compreensão das especificidades do instituto, falar-se-á sobre a evolução histórica do negócio fiduciário, concedendo enfoque as principais figuras de natureza jurídica presentes nas relações fiduciárias. Ainda cumpre enaltecer o prisma axiológico da esfera negocial imobiliária que o objeto do presente estudo perfaz.

A ideia principal das relações negociais por confiança é dar simplicidade e efetividade processual aos contratos bilaterais, sem a participação excessiva do poder judiciário. Neste passo, o objetivo de fazer com que as partes adquiram bens ou direitos, apartando o ônus de garantia hipotecária e posteriormente dando ensejo a um procedimento mais célere e seguro de reaver a posse, é devidamente consumado.

Desta feita, o intuito do instituto é dar autonomia para as partes contratarem mais e no caso das instituições financeiras, realizarem mais transações de financiamento e cessão de direitos creditórios, visto a simplicidade do procedimento para reaver a posse do bem. A observação jurídica do pleito ocorre com o respectivo registro nas serventias extrajudiciais, de acordo com os princípios e fontes destacados na lei de Registros Públicos - 6.015/73.

II. FIDÚCIA – EVOLUÇÃO HISTÓRICA:

O termo fidúcia advém do latim fidere que significa "confiança", ou ainda "gesto ousado", como leciona De Plácido e Silva na obra Vocabulário Jurídico.

A inovadora relação por confiança encerra a ideia de uma convenção pela qual uma das partes(fiduciário), recebendo da outra(fiduciante) a propriedade de um bem, assume a obrigação de dar-lhe determinada destinação e de restituí-lo vez que o objetivo pactuado foi alcançado. Em sua essência, a relação por confiança – pactum fiduciare – é similar as garantias reais em geral, no entanto mais eficaz, pois enquanto que nos contratos de garantias reais, a exemplo da hipoteca, o devedor grava sobre o bem, ou sobre o direito, a expressa manifestação da garantia e o mantém em seu patrimônio, na relação fiduciária o devedor transmite ao credor a propriedade ou a titularidade do bem e este passa a integrar o patrimônio do credor, como propriedade fiduciária, até que o crédito seja satisfeito.

O negócio jurídico de natureza fiduciária é bilateral e acordado em linhas sui generis, haja vista que o alienante-fiduciante transmite a propriedade de certos bens ao adquirente-fiduciário que exercerá direitos de proprietário perante todos, leia-se erga omnes, sob o campo das obrigações. Vale enaltecer que o fiduciante determina a destinação do objeto.

Outro ponto salutar é a ordem evolutiva das relações por fidúcia, originárias no Direito Romano e enraizadas na vértice do Direito Germânico. Enfatiza-se a participação do Direito Inglês na linha construtiva dos negócios fiduciários.

Pelo Direito Romano, a menção que ensejou a linha de criação do instituto foi a concepção de venda fictícia, ou provisória, pela qual uma das partes(fiduciário), tendo recebido de outra(fiduciante) a propriedade sobre coisa determinada, obrigava-se a restituí-la, uma vez encontrado o fim pretendido descrito no pacto. As fontes indicativas que sustentam essa construção doutrinária são encontradas nas obras de Giuseppe Messina, referenciando diretamente Gaio, Paulo e Cícero.

Doravante, no Direito Germânico tem-se o respaldo na caracterização do penhor da propriedade. Há a mesma função econômica engajada na origem romana, enaltecendo que é no penhor que se encontram os traços pontuas da transmissão fiduciária. Neste viés mecanicista, o devedor transferia ao credor a propriedade da coisa, mas com ele celebrava um pacto adjeto que tornava condicional aquela transmissão, ou seja, a venda pela forma habitual era vinculada a um pacto de restituição da coisa(venditionis), garantido por outro documento(contracarta).

III. NEGÓCIO FIDUCIÁRIO - CONCEITO E CARACTERIZAÇÃO GERAL:

Tem-se por negócio jurídico fiduciário aquele tido como inominado, onde uma das partes(fiduciante) transmite a propriedade de uma coisa ou a titularidade de um direito a outra(fiduciário), deixando a obrigação de dar-lhe destinação, até que cumprido o encargo, retorne a coisa ou direito ao patrimônio do fiduciante ou a um terceiro indicado no contrato.

Através da análise das figuras fiduciárias na construção evolutiva do instituto, percebe-se que as mudanças ocorreram fundamentalmente para suprir lacunas no sistema jurídico, tendo em vista a constante inovação no viés negocial, que de maneira incessante apresenta novas espécies de negócio. Desta sorte, nem sempre se encontra correspondência jurídica as novas formas de negociar, assim sucede que velhos institutos vão sendo adaptados para atender as novas necessidades. Nenhum sistema jurídico é capaz de acompanhar as inovações do campo econômico e social de forma tão célere e detida.

Inequívoco dizer que o negócio fiduciário surgiu no mundo dos negócios como forma de realização de determinados objetivos para os quais os mecanismos preexistentes não atendiam mais com eficácia e precisão, conforme pontua Melhim Namem Chalhub:

1"As novas necessidades são, então, satisfeitas, mas o são com velhos institutos. Nessa adaptação, a nova exigência é satisfeita através de um velho instituto que traz consigo as suas formas e a sua disciplina, e oferece à nova matéria, ainda em ebulição, um velho arcabouço já conhecido e seguro. As velhas formas e a velha disciplina não abandonadas de chofre, mas só lenta e gradualmente, de maneira que, muitas vezes, por logo tempo a nova função vive dentro da velha estrutura, e assim se plasma, enquadrando-se no sistema."

Nesta alternativa de negócio jurídico, expressam-se características bem pontuais que permitem à classificação doutrinária conceituar. Vejamos o que leciona a obra de Melhim:

"O negócio jurídico fiduciário, no sentido pós-romano é bilateral, oneroso ou gratuito, principal ou acessório, solene ou não-solene."

"É bilateral porque encerra a constituição de direitos e obrigações para ambas as partes. O fiduciário assume a obrigação de dar ao bem ou direito recebido a destinação prevista no contrato e de restituí-lo ao fiduciante ou a terceiro indicado no ato de constituição da fidúcia; o fiduciante, por sua vez, assume a obrigação de implementar todas as formalidades necessárias à efetiva transmissão do bem ou direito e de respeitar a titularidade do fiduciário, além de outras obrigações que o pactum fiduciae possa prever"2

Adiante, passa-se a expor as hipóteses de cabimento do instituto.

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1 CHALHUB, Melhim Namem – "Negócio Fiduciário"; Capítulo II, página 32-34.


2 CHALHUB, Melhim Namem – "Negócio Fiduciário"; Capítulo II, página 32-34.
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*Ivelise Fonseca De Matteu é coach, advogada. Atualmente é professora na FMU-Faculdades Metropolitanas Unidas, professora doutora, na Faculdade Belas Artes, professora na pós-graduação em Direito(2014) FMU, professora doutora na Universidade Anhanguera, professora mestre da Universidade de Santo Amaro( em licença desde 07/15 até 07/16), atua como membro da Comissão de Liberdade Religiosa da OAB-SP( desde 2009).

*Mateus Luiz Cavalcanti é graduando em Direito pela FMU - Faculdades Metropolitanas Unidas, pesquisador iniciante pela mesma universidade e estagiário no jurídico do Grupo Santander Brasil. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Público e Imobiliário.


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