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A inconstitucionalidade da incidência do ISS sobre disponibilização de conteúdos de multimídia por meio da internet: LC 157/16 X súmula vinculante 31 do STF

Conforme enunciado da súmula vinculante 31 do STF, é inconstitucional a incidência do ISS sobre operação de locação de bens móveis.

15/2/2017

No último dia útil de 2016 foi publicada a LC 157, que definiu novos serviços sujeitos ao pagamento do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS). Convém assinalar que a LC não cria novos tributos, apenas define novos serviços tributáveis para os municípios.

Dessa forma, para efetivamente exigir o imposto em seu território, os municípios devem editar lei ordinária local, incluindo os novos serviços no seu rol de incidência. Ademais, em respeito ao princípio da anterioridade, a menos tenham publicado a lei ordinária no último dia do ano de 2016, somente produzirá efeitos, no mínimo, a partir de 2018.

Mostra-se relevante enfatizar que a LC 116/03 passou mais de uma década sem sofrer qualquer alteração, portanto, a novel legislação pretendeu atualizar e ampliar a lista de serviços, de modo a acompanhar a dinâmica evolução tecnológica e superar o estado de incerteza sobre o enquadramento tributário de algumas atividades.

Nessa acepção, o subitem 1.13 da lista anexa da LC 116/03 classificou como serviço tributável, a disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdos de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet. Portanto, os prestadores de cessão temporária de filmes, como o Netflix, estão sujeitos à incidência do tributo municipal.

Sucede que, conforme enunciado da súmula vinculante 31 do STF, é inconstitucional a incidência do ISS sobre operação de locação de bens móveis. De rigor, em que pese os municípios tenham competência para estabelecer os tributos de sua alçada, devem sempre observar os parâmetros estabelecidos pela Carta Magna. Ora, a própria nomenclatura do Imposto sobre Serviços revela seu objeto de tributação, logo, não se pode admitir do poder de tributar a modificação do seu conceito constitucional.

Em síntese, o conceito jurídico de serviço constante na lista anexa do ISS deve observar a legislação de regência do direito privado, ou seja, deve possuir uma utilidade material ou imaterial, como execução de obrigação de fazer e não uma obrigação de dar ou de entregar coisa (locação).

Não se pretende neste momento analisar a definição dada pelo STF sobre cada instituto, se correto o uso da acepção econômica ou o sentido técnico-jurídico de direito privado, mas a eficácia de uma súmula vinculante da Suprema Corte desse país.

Em homenagem ao mínimo de rigor e coerência que o sistema deve apresentar, parece razoável entender que a única diferença entre alugar um filme nas quase extintas locadoras de DVD e alugar um filme através do uso de streaming na internet é, tão somente, a tecnologia envolvida. Em outras palavras, trata-se da mesma atividade de locação de bens móveis, diferenciando-se apenas quanto ao método, técnica e instrumento apresentados.

Por outro giro, não se pode desconhecer que após o enunciado aprovado em 4/2/2010, a jurisprudência do STF admitiu que certas atividades afastariam a aplicação da súmula vinculante 31, quais sejam, cessão de direito de uso de marca1, leasing financeiro e o chamado leasing-back2. A contrariedade, porém, é facilmente contornável, já que sobre aluguel de filmes cinematográficos3, videoteipes e assemelhados, o Colegiado se posicionou pela aplicabilidade da súmula em questão.

Mostra-se relevante rememorar que a tentativa de tributação dos serviços de locação de bens móveis esteve presente no PLS 161/89 da LC 116/03 e foi vetada pela Presidência da República com fundamento no entendimento da Suprema Corte. É cediço que os efeitos da súmula vinculante não alcançam, em tese, o Poder Legislativo. No entanto, editar norma disciplinando matéria conflitante com o entendimento da maior instância do Judiciário, não parece ser o caminho mais harmônico.

Por derradeiro, oportuno salientar que é permitida nova análise em sede de controle concentrado constitucionalidade sobre o caso em tela, persistindo a insegurança jurídica que a novel legislação pretendia dirimir.
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1. (Rcl 8623 AgR, Relator Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgamento em 22.2.2011, DJe de 10.3.2011)

2. (RE 592905, Relator Ministro Eros Grau, Tribunal Pleno, julgamento em 2.12.2009, DJe de 5.3.2010)

3. (RE 626706, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgamento em 8.9.2010, DJe de 24.9.2010)
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 *Flávio Fernandes Faro Pessino é advogado associado do escritório Bastos-Tigre, Coelho da Rocha e Lopes Advogados; Especialista em Direito Público e Direito Empresarial; Secretário-Geral da Comissão de Tecnologia da Informação da OAB/DF e Membro da Câmara Temática de Tecnologia da Informação e Comunicação da Fecomércio/DF.


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