Migalhas de Peso

Justiça, substantivo feminino e feminista

2016 foi um ano que vi de tudo. Literalmente.

23/1/2017

Faltavam poucas horas para que a meia noite de 15 de dezembro de 2016. Somente depois tomei ciência de que a data celebra o Dia da Mulher Advogada. Se soubesse antes, certamente escreveria sobre o dia 16. Faltam-me adjetivos para descrever 2016 que foi intenso em aspectos culturais, econômicos, políticos e sociais. Mas, para nós mulheres envolvidas no cenário jurídico, foi mesmo marcante.

Em 2016 vi nascer a Rede Feminista de Juristas, o movimento Mais Mulheres no Direito e iniciativas como o Leia Mulheres no Direito, #MeRepresenta e Visibilidade Feminina. Pude assistir a promotora pública de São Paulo Gabriela Mansur no programa da Eliana (SBT) e na reedição da TV Mulher (GNT) falando sobre a Lei Maria da Penha e todas as formas de gênero contra a mulher.

Pude ver, ainda que de longe, a II Conferência da Mulher Advogada, da OAB, que também elegeu 2016 como o "Ano da Mulher Advogada". Foi também interessante ver também a mesma OAB votar por unanimidade que Cléa Ana Maria Capri da Rocha deve receber a mais alta comenda da advocacia brasileira, a Medalha Ruy Barbosa- a primeira mulher em 86 anos. Posso agradecer por ter visto outras duas mulheres recebendo comendas: no Rio, Vânia Aieta, ganhou a sua "Resistência Cidadã" indicada pela OAB/RJ e, em Brasília, Cristiane Britto pôs no pescoço a medalha da "Ordem do Mérito Judiciário do Distrito Federal e dos Territórios". Três advogadas, três gerações distintas que conquistaram o reconhecimento.

Vi a fundação do primeiro escritório de advocacia feminista do Brasil, o Braga & Ruzzi Advogadas Associadas, que já chegou trazendo inspiração para o trabalho de conclusão de curso de uma estudante de jornalismo, Ana Beatriz C. Brighenti, que fez o documentário "Procura-se uma advogada feminista" e recebeu nota dez na ECA/USP.

Foi uma grata surpresa saber que a advogada Maria Isabel Abduch será indenizada por danos morais após um cidadão ter ofendido sua honra em grupos de Whatsapp. O juiz do Juizado Especial Cível de São Paulo proferiu em sua sentença- que já transitou em julgado- que não havia dúvidas que o réu "adotou um comportamento preconceituoso, intolerante e machista".

Também meus olhos viram uma juíza na mesma comarca, mas no TJ, sentenciar uma mulher fora assediada no metrô. A magistrada não se deu conta que a ré, neste caso o Metrô, assume os assédios de tal modo a fazer campanha para inibi-los. Mesmo assim, condenou a autora em segunda instância a pagar as custas do processo (sendo que ela se beneficiou da gratuidade da justiça). Vai entender.

Foi difícil, mas vi que 2016 foi o ano de óbito de uma advogada grávida em pleno fórum na Bahia. Foi triste. Ela tinha uma vida inteira pela frente. E foi triste também ver quem viveu sua vida pela advocacia nos deixar. Sim, a doutora Tereza Nascimento Rocha Doro encerrou sua carreira nesta terra após dedicar mais de quatro décadas para advocacia. Foi presidente da OAB de Campinas duas vezes. Foi triste.

Assim como é muito triste a violência contra mulher que não insiste em regredir todos os dias. Em 2016, quando a Lei Maria da Penha completou uma década em vigor, ver os números e estatísticas tão próximas de nós. E, somente agora, a primeira delegacia de defesa da mulher a atender 24 horas foi inaugurada em São Paulo. Levou 31 anos mas eu vi.

Mas 2016 foi o ano de ver a Cármen Lúcia presidindo o STF, a advogada americana Hillary Clinton concorrendo a presidência dos Estados Unidos e, em seu discurso de derrota, pedir que as mulheres continuem lutando. E elas continuam- e em todo o mundo. A ministra Luciana Lóssio assumiu a presidência da Associação das Magistradas Eleitorais Ibero-Americanas. Ah! Teve também a Austrália, com a primeira mulher, Susan Kiefel, ser a primeira presidente da Suprema Corte. Presidentes ou presidentas, não importa como a chamamos: o importante é que elas estão lá.

Sem dúvida, foi um longo ano. Só no final que a lei das prerrogativas da mulher advogada gestante e lactante foi sancionada. E também a capital do Piauí ter sua primeira Procuradora Geral do Município, Georgia Nunes. Por este mundo deu para ver também a primeira prefeita eleita em mais de dois mil anos: sim, Roma, a Cidade Eterna, tem Virginia Raggi, também pioneira em receber carta… do Papa!

Vi mulheres escrevendo, lançando livros, dando palestras, participando de congressos, seminários, lecionando, estudando. E nem que, para isso, tivessem que lutar para ocupar seus espaços. Mas conseguiram, nem que fossem ameaçadas por um parlamentar, como o caso da vice-presidente da OAB/DF, Daniela Teixeira, que teve que sair escoltada da Câmara dos Deputados após ter feito o que toda advogada faz: falar por outras e salientar as violências que sofrem as mulheres.

Até mesmo quando não estavam atuando, as mulheres conseguiram ser protagonista da pauta como o caso da descriminalização do aborto pelo STF, a extinção das secretarias de direitos das mulheres no Governo Federal e na cidade de São Paulo e a violência de gênero política em tudo relacionado à Dilma Rousseff. Ver um fato inédito como a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro contratar a primeira mulher trans para ser estagiária.

Foi, sem dúvida, um ano com muita coisa para que apenas dois olhos verem. Por isso digo que não vi sozinha e só foi possível ver tanto porque em 2016 estive acompanhada de grandes mulheres que, a seu modo, labutam no Direito. Ou pelo Direito. Para o Direito. Dentre todas, é difícil escolher uma. Mas a que mais foi meus olhos quando não pude ver foi a Karina Kufa, que defendeu o Direito Eleitoral e sua importância para a democracia como ninguém.

Mas o que eu realmente pude ver (e que espero continuar enxergando) é que a justiça, este substantivo feminino, é também feminista. Em 2016, meninas, eu vi.
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*Ivy Farias, 35 anos, é jornalista e estudante de Direito do Campus UMC Villa-Lobos/Lapa.

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