A partir do final do século XX, o regime remuneratório dos servidores públicos federais começou a sofrer uma enorme modificação. A pretexto de modernizar a estrutura estatal e de densificar o princípio da eficiência administrativa, insculpido no art. 37, caput, da Constituição da República, o legislador ordinário alterou a composição das folhas de pagamento do quadro de pessoal da Administração Pública de modo a fazer constar uma rubrica que remunerasse os agentes estatais de acordo com a sua produtividade.
Nesse momento histórico, nasciam as parcelas denominadas gratificações de desempenho.
Como ressaltado, essas gratificações surgiram para, em tese, retribuir financeiramente os servidores de acordo com os resultados de sua produtividade aferida durante o exercício de suas funções públicas. Tais parcelas foram, assim, concebidas para possuir caráter propter laborem ou pro labore faciendo, isto é, cujo pagamento está atrelado ao efetivo desempenho das competências legais.
Apesar do ideal modernizador que inspirou a criação dessa rubrica, sabe-se que, na prática, a instauração das gratificações de desempenho constituiu um engenhoso mecanismo para alijar os servidores públicos federais que ingressaram nos quadros da Administração Pública até a data de promulgação da Emenda Constitucional 41 (31/12/03) e seus pensionistas do gozo dos direitos à integralidade e à paridade remuneratórias.
Nas quase 2 (duas) décadas de implementação dessa estrutura remuneratória, foram evidenciados diversos elementos que corroboram a real intenção do Poder Executivo Federal: negar a extensão aos inativos de uma parcela paga de modo linear e genérico aos servidores em atividade.
A título ilustrativo, vale destacar alguns dos fatores que evidenciaram a desvinculação do pagamento da gratificação aos ativos do seu efetivo desempenho: (i) a previsão legal para continuidade da percepção da rubrica por servidores cedidos, licenciados e afastados que, por óbvio, não permanecem no exercício de suas competências originárias, (ii) o longo lapso temporal existente entre a promulgação das leis que instituem as gratificações e a efetiva realização dos processos avaliativos dos servidores e (iii) a edição de atos normativos regulamentadores que permitem que, mesmo após a aferição do desempenho, os servidores ativos sejam remunerados de acordo com pontuação idêntica entre si1, o que demonstra o caráter genérico e linear das gratificações independentemente das avaliações.
A lesão praticada à garantia dos aposentados e dos pensionistas torna-se nítida a partir da análise das mudanças legislativas propostas pela própria Administração Pública ao longo dos anos.
Inicialmente e em flagrante violação ao direito constitucional dos servidores à integralidade e à paridade remuneratórias, as leis que instituíam as gratificações de desempenho previam a incorporação dessa parcela aos proventos de aposentadoria e às pensões em valor fixo significativamente menor do que o pago aos servidores ativos (cerca de 30% a 50%).
Em um segundo momento e na tentativa de amenizar a lesão à garantia da integralidade remuneratória, as normas passaram a prever o pagamento das gratificações de desempenho aos aposentados e aos pensionistas de acordo com a média das 60 (sessenta) últimas remunerações pagas antes da inativação.
Esse modelo, apesar de abrandar a desobediência ao direito à integralidade, perpetuou a violação à paridade remuneratória, pois estabelecia a vinculação dos proventos à média de valores nominais pagos a título de gratificação, e não à média de pontos recebidos. Isso impôs o congelamento das aposentadorias e das pensões diante dos sucessivos reajustes salariais conquistados pelas categorias de servidores públicos ao longo dos últimos anos, que eram refletidos, em sua grande maioria, no valor dos pontos.
Em 29 de julho de 2016, foi promulgada a lei 13.324, que marca o início de uma nova alteração na sistemática de incorporação das gratificações de desempenho aos proventos de aposentadoria e às pensões de servidores integrantes de diversas carreiras do Poder Executivo Federal.
Essa modificação legislativa representa a mais recente tentativa do Poder Público de adequar o modelo remuneratório dos aposentados e dos pensionistas ao que define a Constituição da República em sua redação original e em suas sucessivas alterações (EC 20/98, n. 41/03 e n. 47/05).
Nos moldes desse novo modelo (art. 88 da lei 13.324/16), os servidores públicos federais poderão optar pela incorporação da gratificação de desempenho aos seus proventos de acordo com a média das 60 (sessenta) últimas pontuações recebidas durante o período em atividade.
Essa possibilidade apenas é conferida aos servidores que têm direito à paridade e à integralidade remuneratória, ou seja, aos que adentraram no serviço público até 31 de dezembro de 2003 (data de publicação da EC 41/03) e cumpriram ou cumprirão os requisitos das normas de transição. Além disso, os servidores devem ter recebido a gratificação a ser incorporada por, no mínimo, 5 (cinco) anos quando em atividade.
Importante ressaltar que, para os integrantes das carreiras abarcadas pela lei 13.324/16, tal incorporação ocorrerá a partir da assinatura de termo de opção pelos servidores e será realizada de modo gradual entre os anos de 2017 e de 2019.
Diante dos elementos expostos, conclui-se que a sistemática inaugurada pela lei 13.324/16 (e seguida por outras normas posteriores2) é a que mais se alinha às garantias constitucionais da integralidade e da paridade remuneratórias e que, caso tivesse sido implementada simultaneamente à criação das gratificações de desempenho, teria evitado quase 2 (duas) décadas de violação a esses direitos.
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1 Em caráter exemplificativo, vale mencionar o caso dos servidores integrantes da Carreira do Seguro Social, disciplinada pela Lei n. 10.855, de 1º de abril de 2004, que fazem jus à Gratificação de Desempenho de Atividade do Seguro Social (GDASS). Mesmo após a edição dos regulamentos relativos a essa gratificação, o pagamento de 80 (oitenta) pontos da parcela continuou a ser realizado de modo linear e uniforme para todos os servidores ativos, exatamente como ocorria no período pré-regulamentação.
2 Leis 13.325, 13.326, 13.327, 13.328, todas de 29 de julho de 2016, Medida Provisória 765, de 29 de dezembro de 2016, entre outras.
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*Paulo Vitor Liporaci Giani Barbosa é advogado do escritório Torreão Braz Advogados.