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Nacionalização e expropriação

A recente medida tomada pela Bolívia, no sentido de nacionalizar o setor de petróleo e gás, teve grande repercussão no Brasil não só pela proximidade geográfica, mas também em razão dos investimentos brasileiros ali e da dependência brasileira do gás boliviano. Enquanto o Brasil e a comunidade internacional analisam as conseqüências a que se sujeitarão os cerca de US$ 3,5 bilhões em investimentos feitos desde 1997, cabe uma breve análise do ocorrido em face do princípio da soberania permanente sobre recursos naturais.

24/5/2006

 

Nacionalização e expropriação

 

Adriano Drummond Cançado Trindade*

 

A recente medida tomada pela Bolívia, no sentido de nacionalizar o setor de petróleo e gás, teve grande repercussão no Brasil não só pela proximidade geográfica, mas também em razão dos investimentos brasileiros ali e da dependência brasileira do gás boliviano. Enquanto o Brasil e a comunidade internacional analisam as conseqüências a que se sujeitarão os cerca de US$ 3,5 bilhões em investimentos feitos desde 1997, cabe uma breve análise do ocorrido em face do princípio da soberania permanente sobre recursos naturais.

 

Em voga nas décadas de 1950 e 1960, o princípio da soberania permanente sobre os recursos naturais foi construído em um contexto histórico de pós-guerra e descolonização, representando uma forma de ruptura dos países em desenvolvimento com suas antigas metrópoles coloniais. Assim é que, em 1952, foram aprovadas as Resoluções nºs 523 e 626 da Assembléia Geral das Nações Unidas, que reconheciam o direito dos Estados de explorar livremente seus recursos naturais para atingir a independência econômica, como manifestação do princípio da autodeterminação dos povos. É interessante observar, nesse ponto, que as resoluções centravam-se apenas no direito de explorar livremente os recursos, sem tratar da soberania propriamente dita. Ainda assim, propugnavam ser esse um direito dos povos.

 

A evolução desse conceito apresentou uma nova dimensão, na medida em que deixou de ser um direito de livre exploração para ser tratado como manifestação de soberania. Mais, ainda, essa soberania sobre os recursos naturais transferiu-se, gradativamente, dos povos para os Estados. A Resolução nº 1.803 da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 1962, foi um marco, ao consagrar o princípio da soberania permanente sobre os recursos naturais a ser exercido para o desenvolvimento nacional e para o bem-estar dos povos do Estado em questão. Além disso, ao qualificar a soberania como permanente, a resolução demonstrou ser tal soberania inalienável e inescusável.

 

Por outro lado, a Resolução nº 1.803 exigiu o respeito ao direito internacional e aos direitos adquiridos e, na medida em que legitimou Estados a regular investimentos estrangeiros realizados em seus territórios, impôs uma série de requisitos e obrigações para os casos excepcionais em que ocorressem expropriação e nacionalização. Tais ações devem se dar em prol de utilidade pública, segurança ou interesse nacional, cabendo indenização ao antigo proprietário com base na legislação doméstica e nas regras de direito internacional, que determinam que a indenização deve ser imediata, adequada e efetiva (prompt, adequate and effective).

 

No Brasil, o princípio da soberania permanente sobre recursos naturais está presente na Constituição Federal, ao considerar os recursos minerais como bens de propriedade da União e estabelecer que sua exploração deverá se dar “no interesse nacional”. No exercício dessa soberania, a União outorga concessões a particulares para a exploração de recursos minerais.

 

Já a Bolívia valeu-se da soberania sobre recursos naturais para decretar a nacionalização do setor petrolífero e de gás. A medida não é nova no setor, que presenciou atos semelhantes sobretudo nas décadas de 1960 e 1970. O que causa espécie, contudo, é o contexto político-econômico em que ocorre a nacionalização. As últimas décadas testemunharam esforços crescentes da comunidade internacional para o incremento do fluxo de capitais e bens e a redução de barreiras comerciais. Estados procuram oferecer aos investidores estabilidade de condições e previsibilidade de regras. Além disso, busca-se a organização de blocos econômicos e de integração, situação oposta ao contexto político mundial existente nas décadas de 1960 e 1970, quando ocorreu a grande onda de nacionalizações.

 

Sob essa óptica, a nacionalização promovida pela Bolívia parece estar na contramão da tendência mundial — ou representa uma reação a essa mesma tendência — baseando-se no exercício da soberania e motivada por razões históricas e sociais. Seja como for, não pode um Estado, albergado pelo escudo da soberania permanente sobre os recursos naturais, deixar de honrar seus compromissos internacionais e descumprir preceitos de direito internacional, que impõem a observância e o pagamento de indenização imediata, adequada e efetiva nos casos de nacionalização e expropriação de bens e ativos de terceiros.

 

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Advogado do escritório Pinheiro Neto Advogados

* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

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