Direito a créditos de IPI - As recentes decisões do STF e a pressão do Governo Federal pela alteração dos julgados
Eduardo Carvalho Caiuby
Eduardo Martinelli Carvalho
Vanessa Regina Antunes*
Em julgamento realizado em março de 1998 (Recurso Extraordinário - RE nº 212.484/RS), o Plenário do STF reconheceu o direito de os contribuintes aproveitarem créditos de IPI na aquisição de insumos isentos desse imposto. Esta decisão fundamentou-se no princípio constitucional da não-cumulatividade do IPI, e no fato de que a Constituição Federal, diferentemente do tratamento conferido ao ICMS, não impôs quaisquer restrições ao aproveitamento de créditos na hipótese de aquisição de insumos isentos. O Relator designado para esse RE foi o Ministro Nelson Jobim, sendo o Ministro Ilmar Galvão o único que restou vencido, por entender não haver direito a crédito.
Em dezembro de 2002, em linha gerais com os mesmos fundamentos usados no julgamento do RE nº 212.484/RS, o Plenário do STF reconheceu o direito de os contribuintes aproveitarem créditos de IPI na aquisição de insumos sujeitos à alíquota zero desse imposto. Conforme noticiado no Informativo STF nº 295/2002, o Plenário do Tribunal, no julgamento dos RE’s nºs 350.446/PR, 353.668/PR, 357.277/RS e 358.493/SC, novamente vencido apenas o Ministro Ilmar Galvão, “decidiu que há direito ao creditamento de IPI na utilização de insumos tributados à alíquota zero.”
Os RE’s listados acima foram interpostos pela Procuradoria da Fazenda Nacional contra decisões do Tribunal Regional Federal (“TRF”) da 4a Região (que compreende os Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná) que haviam reconhecido o direito ao aproveitamento de créditos de IPI na aquisição de insumos sujeitos à alíquota zero. Já ocorreu, inclusive, a publicação da decisão proferida no julgamento do RE nº 350.446/PR, a qual não deixa dúvidas de que foi pacificado no STF o entendimento de que a aquisição de insumos isentos ou sujeitos à alíquota zero gera direito a créditos de IPI.
Tem sido noticiado na imprensa, contudo, que o STF ainda não teria decidido se a aquisição de insumos não tributados pelo IPI daria direito a créditos do imposto. Entretanto, as decisões proferidas pelo STF nos julgamentos dos RE’s nºs 353.668/PR, 357.277/RS e 358.493/SC, mencionados no item 3 acima, demonstram o contrário. Com efeito, conforme relatado acima, ao negar seguimento aos RE’s interpostos pela Procuradoria da Fazenda Nacional, o STF confirmou decisões proferidas pelo TRF da 4a Região. As decisões proferidas pelo aludido TRF nos julgamentos dos RE’s nºs 353.668/PR, 357.277/RS e 358.493/SC, por sua vez1, reconheciam expressamente o direito ao crédito de IPI na aquisição de insumos não tributados.
Tanto o Plenário do STF reconheceu o direito a créditos de IPI na aquisição de insumos não tributados que o Ministro Sydney Sanches, sem submeter o caso a julgamento pela Turma, negou seguimento ao RE nº 363.777/RS2 , interposto pela Procuradoria da Fazenda Nacional. Este RE buscava a reforma de decisão proferida pelo TRF da 4a Região, a qual, por sua vez, reconhecia o direito a créditos de IPI na aquisição de insumos não tributados. O fundamento que o Ministro Sydney Sanches invocou para negar seguimento ao RE, sem sequer colocar o caso em julgamento pela Turma, foi de que o Plenário do STF já havia decidido a questão.
Contra essa decisão monocrática do Ministro Sydney Sanches, a Procuradoria interpôs Agravo Regimental, o qual foi noticiado no Informativo STF nº 299/2003 nos seguintes termos:
“IPI: Insumos Não-Tributados
Iniciado julgamento de agravo regimental interposto pela União contra decisão proferida pelo Min. Sydney Sanches, relator, que negara seguimento a recurso extraordinário por concluir que o acórdão recorrido estaria em conformidade com a jurisprudência do STF quanto ao creditamento do IPI na utilização de insumos tributados à alíquota zero, insumos isentos e não-tributados. Alega-se, na espécie, que o Plenário do STF não decidira sobre a questão dos insumos não-tributados e que, por isso mesmo, a extensão do creditamento àqueles insumos não poderia ter sido feita monocraticamente. O Min. Sydney Sanches entendeu ter havido expressa manifestação do Plenário acerca da possibilidade de creditamento do IPI no caso de insumos não-tributados e que a mera falta de menção expressa no voto-condutor dos precedentes não autoriza a interpretação de que tais insumos não estariam abrangidos pelo provimento jurisdicional. Após o voto do Min. Sydney Sanches, relator, pediu vista o Min. Ilmar Galvão. Precedentes citados: RE 358.493-SC, RE 353.668-PR, RE 350.446-PR e RE 357.227-RS (acórdãos pendentes de publicação, v. Informativos 294 e 295).
RE (AgR) 363.777-RS, rel. Min. Sydney Sanches, 25.2.2003. (RE-363777)”
Embora o julgamento do Agravo Regimental no RE nº 363.777/RS tenha sido interrompido pelo pedido de vista do recentemente aposentado Ministro Ilmar Galvão, tem-se que o Plenário do STF, ao negar seguimento aos Recursos interpostos pela Procuradoria da Fazenda Nacional, admitiu o direito a créditos do IPI na aquisição de insumos não tributados, além das hipóteses de aquisição de insumos isentos ou sujeitos à alíquota zero. A conclusão do julgamento do Agravo Regimental no RE nº 363.777/RS, bem como do julgamento do RE nº 370.682/SC3 , deverão reafirmar a posição do STF a respeito da questão.
A imprensa, por sua vez, tem divulgado o assunto em tons emotivos, mencionando que o IPI tornar-se-ia um “anti-imposto”, verdadeiro “ponto de sangria da arrecadação”, e que empresas têm conseguido liminares “para receber de volta do governo federal uma fortuna em impostos que nunca pagaram.” Esses são argumentos utilizados pela Fazenda Nacional como forma de “terrorismo político-econômico.”
Não tem sido enfatizado, contudo, que o suposto “presente” dado pelo STF aos contribuintes está calcado em argumentos jurídicos sólidos, amplamente discutidos no Poder Judiciário nos últimos anos. A título ilustrativo, vale mencionar que os TRF’s das 5 Regiões (responsáveis pelos julgamentos em segunda instância de questões tributárias federais) proferiram inúmeras decisões reconhecendo o direito aos créditos de IPI em questão. A título ilustrativo, podem ser mencionadas as decisões proferidas nos autos dos Processos nº 1999.34.00.034290-6 (4a Turma do TRF da 1a Região), nº 2000.02.01.026026-9 (4a Turma do TRF da 2a Região), nº 1998.03.095693-0 (4a Turma do TRF da 3a Região), nº 2000.04.01.065454-9 (1a Seção do TRF da 4a Região) e nº 2000.05.00.031782-4 (1a Turma do TRF da 5a Região).
Com efeito, caso não fosse admitido o direito aos créditos de IPI nas situações de que ora se cuida, a isenção, a alíquota zero e a não incidência tornar-se-iam hipóteses de simples diferimento (postergação do pagamento do imposto), em face da tributação integral da saída dos produtos industrializados com tais insumos, ou seja, insumos exonerados do IPI passariam a ser tributados por esse imposto. O não reconhecimento do direito ao crédito, portanto, faria do IPI um imposto cumulativo, em violação ao disposto no artigo 153, § 3º, inciso II, da Constituição Federal. Como se vê, os argumentos dos contribuintes são legítimos e estão embasados na própria Constituição.
Temos, portanto, que a posição do STF está consolidada no que diz respeito ao direito a créditos de IPI na aquisição de insumos isentos, sujeitos à alíquota zero e não tributados. Cabe lembrar que o Regimento Interno do STF goza de dispositivo4 que “vincula” os futuros julgamentos às decisões plenárias anteriormente proferidas nas quais tenha havido declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, como nas situações em comento. A par disso, o Regimento Interno do STF5 prevê que o Ministro Relator poderá negar seguimento a Recurso quando este contrariar jurisprudência predominante do Tribunal, sem submeter o feito à Turma Julgadora. Foi o que fez o Ministro Sydney Sanches ao negar seguimento ao RE nº 363.777/RS.
Quanto à possibilidade de o STF alterar sua posição, em detrimento dos contribuintes, convém lembrar que, em outras oportunidades, o Plenário daquele Tribunal proferiu decisões por maioria afastando exigências tributárias, as quais não foram posteriormente alteradas, mesmo após a aposentadoria de Ministros e o ingresso de novos integrantes naquela Corte. Nesse sentido, podem ser citadas as decisões que julgaram inconstitucional o aumento de alíquota de ICMS no Estado de São Paulo (RE nº 213.739/SP) e inconstitucionais os aumentos de alíquota do extinto FINSOCIAL (RE nº 150.764/PE).
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1 Respectivamente nos autos da Apelação em Mandado de Segurança nº 2000.04.01.036407-9, Apelação Cível nº 1999.71.07.004997-0 e Agravo de Instrumento nº 2001.04.01066858-9
2 Interposto nos autos da Apelação em Mandado de Segurança nº 2000.71.00.0118617-3/RS
3 O RE nº 370.682/SC, também interposto pela Fazenda Nacional, já recebeu voto do Relator, Ministro Ilmar Galvão (favorável aos argumentos da Fazenda), e foi objeto de pedido de vista pelo Ministro Gilmar Mendes. Este RE cuida da aquisição de insumos isentos, sujeitos à alíquota zero e não tributados.
4 Artigo 101 do Regimento Interno do STF
5 Artigo 21 do Regimento Interno do STF
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* Advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados
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