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Comentários a algumas alterações legais que serão apreciadas pelo Congresso Nacional, mediante MP ou PL

Fazer uma reforma por remendos, disfarçada em acordos e convenções coletivas, é colocar no papel um nada jurídico que será efetivamente alterado pela Justiça do Trabalho.

6/1/2017

Dentre as medidas propostas pelo Governo, conforme publicado, está a alteração do artigo 611 – A, da CLT, com a seguinte redação:

"Art. 611 – A. A Convenção ou Acordo Coletivo de Trabalho tem força de lei quando dispuser sobre:

I – Parcelamento do gozo das férias anuais em até três vezes, com pagamento proporcional aos respectivos gozos, sendo que uma das frações do referido período deverá corresponder pelo menos a duas semanas de trabalho ininterruptos;

II – Pactuar a forma de cumprimento da jornada de trabalho limitada a 220 horas semanais;

III – Participação nos Lucros e Resultados da Empresa, incluindo seu parcelamento no limite dos prazos do balanço patrimonial e/ou dos balancetes legalmente exigidos, não inferiores a duas parcelas;

IV – Horas in itinere;

VI - Intervalo intrajornada respeitando-se o limite mínimo de trinta minutos;

VII - Ingresso no Programa de Seguro – Emprego (PSE);

VIII – (este item foi omitido na publicação);

IX – Banco de Horas, garantida a conversão da hora que exceder a jornada normal de trabalho com acréscimo de no mínimo 50% (cinquenta por cento);

X – Trabalho remoto;

XI Remuneração por produtividade; e

XII – Registro da jornada de trabalho.

Parágrafo primeiro. No exame da Convenção ou Acordo Coletivo a Justiça do Trabalho analisará preferencialmente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico (art. 104 do CC), balizada sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva;

Parágrafo segundo. Não são passíveis de alteração por convenção ou acordo coletivo as normas de segurança e medicina do trabalho, nos limites disciplinados por normas Regulamentadoras editadas pelo Ministério do Trabalho, normas processuais ou que disponham sobre direito de terceiro.

Parágrafo terceiro. No caso de flexibilização de norma legal relativa a salário e jornada de trabalho autorizada pelos incisos VI, XIII e XIV do artigo 7º da CF, a convenção e acordo coletivo de trabalho firmado deverá explicitar a vantagem compensatória concedida em relação a cada cláusula redutora de direito legalmente assegurado.

Parágrafo quarto. Em caso de procedência de ação anulatória de cláusula de acordo ou convenção coletiva, deverá ser anulada igualmente a cláusula da vantagem compensatória, com repetição do indébito."

O que pretende o Governo com a proposta das referidas alterações? Certamente que pretende configurar o entendimento de que o negociado tem força de lei, dentro de certos limites, como quanto às normas referentes à segurança e medicina do trabalho, bem como nos casos de flexibilização permitidos pela CF, quando deverá ficar destacada a norma compensatória de direitos, ou seja, deverá a Justiça do Trabalho apreciar o mérito do acordo ou convenção coletiva para verificar se a compensação, no caso, é válida.

O interessante, no caso, é que todos sabemos que no processo do trabalho existem dois balizadores, duas regras fundamentais na CLT, as quais não podem ser alteradas, até porque dizem respeito à dignidade do trabalhador, cláusula pétrea constitucional,

E o que dizem essas cláusulas?

Artigo 9º da CLT: "Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação"

Artigo 468 da CLT: "Nos contratos individuais de trabalho é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e, ainda assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia".

Tais artigos que estão vinculados aos direitos individuais do trabalho, são limitadores também de atuações a eles contrárias no direito coletivo do trabalho, uma vez que as convenções e acordos coletivos passam a reger os direitos individuais de cada trabalhador a elas vinculado.

No direito coletivo as convenções e acordos coletivos estão efetivamente regidas pelo texto constitucional que expressa em seu artigo 7º, inciso XXVI, O RECONHECIMENTO DAS CONVENÇÕES E ACORDOS COLETIVOS DE TRABALHO.

Ora, é evidente que reconhecer uma convenção coletiva ou um acordo coletivo não significa dizer que a Justiça está obrigada a aceitar seus termos, ou seja, ela pode reconhecer o instrumento e considerá-lo, totalmente ou em parte, ilegal, até porque os direitos que visam a melhoria das condições sociais dos trabalhadores também estão dispostos no mesmo nível constitucional das referidas convenções e acordos coletivos.

Parece-me, assim, que os acordos e convenções coletivas podem e devem ter força de lei entre as partes, desde que respeitados os pilares de garantia dos empregados, que sustentam a CLT que, no meu entender, são os artigos 9º e 468 consolidados.

Inseriu o Projeto um parágrafo primeiro no artigo 611 – A, já citado, dizendo que a Justiça do Trabalho analisará preferencialmente na conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico (artigo 104 do CC), balizada sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.

Não acho que esteja correto tal parágrafo. O artigo 104 do CC diz que a validade do negócio jurídico requer agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou indeterminado e forma prescrita ou não defesa em lei.

Ora, em qualquer processo o magistrado analisa, obrigatoriamente, essas condições da ação, e de forma preferencial e dizer que o juiz deve balizar sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva, ao meu ver, com todas as vênias, é não dizer nada, porque se a autonomia da vontade coletiva for de acordo com a lei não há razão para que a Justiça interfira na matéria em destaque.

Quis o Projeto dizer, indiretamente ao juiz, que ele preste atenção apenas na forma do ato e não no mérito das cláusulas dispostas, mas colocou essa tese de forma contraditória no próprio projeto, pois em outro parágrafo não admite alterações por convenção ou acordo em normas de segurança e medicina do trabalho, o que exige do magistrado uma apreciação meritória das cláusulas, como também quando expressa que, em casos de flexibilização admitidos pela CF, deve haver cláusulas compensatórias, o que levará ao exame de mérito das referidas cláusulas.

Como vemos, é muito difícil ampliar os direitos trabalhistas a ser flexibilizados, se tal flexibilização for contrária aos referidos artigos 9º e 468 da CLT, se íntegros continuarem, como também é impossível realizar alterações a normas celetistas, mediante convenção ou acordo coletivo que disponham de forma contrária a essas normas.

Para que se mantenha a proposta de alteração das normas trabalhistas, com flexibilização da legislação, ou se faz uma nova CLT, ou se revoga a existente, porque não se pode criar em um arcabouço jurídico de 1943 , em vigor e de forma atualizada, normas necessárias a reger o Direito do trabalho em 2017, sob pena de estar se fazendo, novamente, o que a CF de 1988 fez, querendo dar um ar de pluralidade sindical, mantendo a contribuição sindical e a unicidade dos sindicatos.

A convenção ou o acordo coletivo, de acordo com nosso direito vigente, servem como instrumentos para criar condições de trabalho novas, no vácuo da lei, ou regulamentar as existentes, mas não como remédio para alteração da legislação em vigor.

Exemplificando, temos no Projeto a possibilidade, mediante Convenção ou Acordo, de parcelar o gozo das férias anuais em até três vezes, com pagamento proporcional dos respectivos gozos.

Mas temos na CLT o artigo 134 dizendo que as férias serão concedidas por ato do empregador, em um só período nos doze meses subsequentes à data em que o empregado tiver adquirido o direito.

Admite o artigo, em casos excepcionais, a concessão das férias em dois períodos, um dos quais não poderá ser inferior a dez dias corridos.

Ora, esse Capítulo referente a férias proporcionais foi atualizado pela Comissão que elaborou um novo texto da CLT, da qual participei e era presidente o ministro Arnaldo Sussekind, que levou ao máximo a flexibilização, seguindo a Convenção n. 132 da OIT. Seria, inviável, ao meu ver, que o magistrado atual, frente a uma alteração das férias para três períodos anuais, mesmo que mediante acordo ou convenção coletiva, admitisse esta em contraste com a referida Convenção n. 132 ratificada pelo Brasil, e artigo 134 do texto Consolidado.

Assim, o que quero levantar nessas breves anotações, é que certamente é preciso alterar o texto consolidado, modificar em determinados aspectos a CF e inserir no nosso direito positivo um direito trabalhista de acordo com o progresso e a evolução das empresas e do crescimento intelectual de nossos trabalhadores, deixando de mão aquela hipossuficiência que continua para alguns como sendo a meta de proteção do direito social.

Mas é preciso fazer a reforma de maneira correta. Da mesma forma que se fez um novo CPC que sentem-se à Mesa grandes figuras do Direito do trabalho, magistrados, Ministério Público, advogados, e que pensem em um novo Código de Trabalho, em um novo Código de Processo do Trabalho, como também quais as necessárias alterações constitucionais para que possam as leis novas não ferirem o texto velho da CF.

Fazer uma reforma por remendos, disfarçada em acordos e convenções coletivas, é colocar no papel um nada jurídico que será efetivamente alterado pela Justiça do Trabalho.

Temos hoje, em vigor, diversas súmulas de TRTs e inúmeras do TST, que, na verdade, têm mais força de lei do que a própria lei, porque não são passíveis de serem alteradas nem pelo Supremo Tribunal, muitas vezes elaboradas sem apoio jurisprudencial e revogando normas, ou adaptando-as em favor dos trabalhadores.

Não será por meio de normas inseridas em acordos e convenções coletivas, que possam caracterizar-se como contrárias à CLT, e com dizeres que os magistrados não podem apreciá-las, a não ser com preferência a não modifica-las, que teremos uma vitória na atualização das Leis Trabalhistas. Teremos, sim, uma nova legislação, na prática rapidamente sepultada.

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*José Alberto Couto Maciel é sócio fundador da banca Advocacia Maciel. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho.

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