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A cultura da irresponsabilidade fiscal

Infelizmente, a cultura do gasto dos recursos públicos dentro de um horizonte temporal imediatista, voltado prioritariamente para interesses políticos e eleitoreiros, sem qualquer planejamento ou preocupação com o futuro dos respectivos entes públicos, está profundamente enraizada no país.

4/1/2017

Muito oportuno e justificado o recente veto parcial do presidente da República ao projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional que permite a renegociação da dívida dos Estados para com a União, e que sofreu mudanças de última hora introduzidas pela Câmara dos Deputados.

A versão original do projeto previa, entre outras obrigações a serem cumpridas pelos Estados que aderissem ao Regime de Recuperação Fiscal, a revisão de incentivos fiscais, a revisão do regime jurídico dos funcionários públicos, o aumento da contribuição previdenciária dos servidores e a realização de privatizações. Impedia ainda os aumentos de salários e novas contratações de servidores.

Pressionados pelos governadores e embalados na cultura da irresponsabilidade fiscal os deputados preferiram suprimir do projeto as obrigações voltadas para a busca do equilíbrio das contas públicas, criando ambiente propício para a suspensão do pagamento da dívida para com a União sem qualquer contrapartida.

É certo que, se não ocorresse o veto presidencial, o gasto de recursos públicos continuaria sem qualquer limitação, incluindo aquela parcela dos recursos originariamente destinados ao pagamento das dívidas para com a União.

Vale lembrar que o projeto de renegociação nasceu a partir do apelo de dezenas de governadores que defendiam a suspensão da obrigação do pagamento das dívidas dos Estados com a União justamente para viabilizar a recuperação do equilíbrio fiscal.

A situação quase falimentar em que se encontram a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, com poucas exceções, não é de hoje. É o resultado da atuação desastrosa de administrações que sempre contribuíram para o inchaço da máquina pública em detrimento do atendimento às necessidades básicas na área da saúde, da educação, da segurança pública, do saneamento e da infraestrutura.

Infelizmente, a cultura do gasto dos recursos públicos dentro de um horizonte temporal imediatista, voltado prioritariamente para interesses políticos e eleitoreiros, sem qualquer planejamento ou preocupação com o futuro dos respectivos entes públicos, está profundamente enraizada no país. Basta lembrar que só em 2000 foi criada a legislação voltada para a responsabilidade na gestão fiscal, atendendo preceito constitucional estabelecido no Capítulo II, do Título VI, da Carta Magna que vigora desde 1988.

A LC 101, de 4 de maio de 2000, estabelece que a responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas, além da obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar.

Não obstante, o que se vê na própria União e na grande maioria dos entes federativos são administrações mal preparadas, integradas preponderantemente por militantes partidários e apadrinhados políticos, sem conhecimento das normas e boas práticas de gestão pública, que elegem projetos e estabelecem prioridades a seu bel prazer, sem qualquer planejamento ou consulta à população.

Não existe sequer a preocupação com a continuidade de obras em execução, não sendo incomum o simples abandono daquelas iniciadas em outra gestão, com flagrante prejuízo ao erário e aos próprios contribuintes. Da mesma forma, não existe a preocupação com a manutenção do equilíbrio das contas públicas, sendo utilizados variados expedientes para burlar eventuais restrições orçamentárias.

E o resultado não poderia ser outro! A União encontra-se em precária situação econômica e financeira, num momento crítico em que a dívida pública supera os três trilhões de reais; e o mesmo acontece com Estados, Distrito Federal e Municípios.

O governo deverá submeter ao Congresso Nacional um novo projeto de lei para estabelecer as contrapartidas a serem cumpridas pelos Estados que pretenderem aderir ao Regime de Recuperação Fiscal. De fato, seria impensável admitir o socorro da União a Estados em grave situação financeira, sem qualquer compromisso destes quanto à adoção de medidas efetivas para restabelecer o equilíbrio das contas públicas.

A nação espera que o novo projeto seja um importante marco de mudança na cultura da irresponsabilidade fiscal que, infelizmente, é caraterística do país, e contribua para o surgimento de novos gestores públicos, mais preparados e imbuídos da responsabilidade de bem utilizar os recursos públicos em benefício de todos os brasileiros.

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*Antônio Fernando Guimarães Pinheiro é advogado sócio do escritório Pinheiro, Mourão, Raso e Araújo Filho Advogados.


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