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A regulamentação do lobby no Brasil

A regulamentação do lobby tende a ser uma fatalidade para os anos vindouros.

28/12/2016

Constam nos anais da Casa Senatorial do Brasil que, no ano de 1984, o então senador Marco Maciel apresentou o Projeto de Lei do Senado (PLS) 25/84, que dispunha sobre o registro de pessoas físicas ou jurídicas junto às Casas do Congresso Nacional. O projeto, arquivado ao final da legislatura, foi recuperado na seguinte pela apresentação de novo projeto, também da lavra do senador Marco Maciel. Tratava-se do PLS 203/89, de idêntico teor. Esse projeto, da sua feita, logrou avançar o trâmite legislativo e hoje se encontra na Câmara dos Deputados, casa revisora, sob o registro PL 6132/90.

Visavam os projetos ampliar e aperfeiçoar a disciplina dos grupos de pressão ou de interesse, com atuação junto ao Congresso Nacional, pela via da exigência de cadastro de pessoas físicas ou jurídicas junto às Mesas Diretoras das respectivas Casas, o fornecimento continuado de informações sobre suas atividades e doações financeiras. Em outras palavras, tinham por objetivo enquadrar no ordenamento jurídico brasileiro o fenômeno sobejamente conhecido e praticado do lobby.

No ano de 1995, o então senador Lúcio Costa, com o entendimento de que o tema poderia ser tratado pela via regimental, uma vez que a organização das atividades do Senado Federal é sua prerrogativa institucional, buscou a regulação do lobby pela via de Projeto de Resolução do Senado Federal (PRS) Nº 72/95. A proposição também foi objeto de arquivamento pelo decurso de legislatura. A opção majoritária dos parlamentares é a regulação do tema pela via de norma constitucional ou legal.

A inspiração óbvia das proposições legislativas era o Federal Regulation Lobbying Act, de 1946, legislação americana que regulava o lobby, mas que, em 1995, foi substituída pelo Lobbying Disclosure Act, que, por sua vez, foi significativamente alterado pela Honest Leadership and Open Government Act, de 2007.

O sentido das sucessivas alterações na legislação norte-americana foi o de tornar mais específicas e distinguíveis as atividades de promoção de interesses, vis-à-vis outros serviços eventualmente prestados pelos escritórios ou profissionais do lobby.

Ademais disso, o Honest Leadership and Open Government Act, impõe, dentre outros, períodos sabáticos para que parlamentares e assessores defendam interesses nas estruturas parlamentares e administrativas às quais pertenciam e a proibição de que os ex-parlamentares influenciem as decisões de contratação em empresas privadas com base exclusiva no ganho político partidário.

Atualmente, tramita no Congresso o PLS 336/15, que tem objeto amplo e visa à regulação do lobby no Poder Legislativo e no Poder Executivo, preponderantemente. Referido projeto impõe a necessidade de cadastro das pessoas físicas e jurídicas que pratiquem os atos identificados como próprios à defesa de interesses, bem como de quaisquer contribuições acima de R$ 2.500,00 de alguma forma repassados com esse propósito. Determina, ainda, quarenta para antigos ocupantes de cargos eletivos ou decisórios na Administração Pública. O referido PL, portanto, incorpora os avanços cognitivos do marco regulatório americano, nas suas três alterações, e parece ajustar-se ao estado da arte da legislação internacional sobre o tema. Tal projeto encontra-se, desde de junho de 2015, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania para emenda e relatoria.

Tratando do mesmo tema, tramita no Congresso a PEC de 47/16, que acrescenta à Seção I do Capítulo VII do Título III da CF, uma Subseção inteira voltada à atividade de representação de interesses perante o Poder Público, em todos os níveis da federação, e também perante o Ministério Público, a Defensoria Pública, a Advocacia Pública e os Tribunais e Conselhos de Contas. Nos termos da PEC 47/16, a representação de interesses seria entendida como função acessória e subsidiária na formulação das políticas públicas, na orientação das ações estatais, na atividade legislativa e normativa e na ação institucional e administrativa, resgatando à memória a concepção política de Alexis de Tocquevillle, em seu lapidar Da Democracia na América.

De acordo com a PEC 47/16, a defesa de interesses deve obedecer aos seguintes requisitos: i) identificação própria e singularizada da pessoa física ou jurídica, expedida pela entidade perante a qual pretenda atuar; ii) livre acesso às instalações físicas da entidade credenciadora, ressalvadas as de acesso restrito ou proibido; iii) audiência formal com os agentes públicos competentes, conforme os procedimentos e cerimonial próprios; iv) juntada formal, aos feitos aos quais se dirijam, de todas as informações, memoriais, elementos de convencimento reputados pertinentes, úteis e necessários, respeitada a razoabilidade; v) conhecimento formal dos encaminhamentos administrativos, processuais e institucionais dados às matérias de seu declarado interesse.

Ainda segundo a Proposição, caberá aos Poderes Executivos e Legislativos dos entes federativos, o Poder Judiciário, o MP, os Tribunais e Conselhos de Contas, as Advocacias Públicas e as Defensorias Públicas a regulamentação dos procedimentos internos relativos ao tratamento dos agentes de representação de interesses.

Na Câmara dos Deputados, por sua vez, cerca de 30 proposições legislativas foram apresentadas com o mesmo objeto desde 1985, três das quais ainda em tramitação: PL 6132/90, PL 1202/07 e PL 1961/15.

De todas as proposições em trâmite, na Câmara ou no Senado, a que se encontra em mais avançada fase do processo legislativo é justamente o  PL 6132/90 (PLS 203/89, na origem), que, desde 2003, está pronta para votação no Plenário da Câmara, último estágio do processo legislativo na casa revisora. O PL 6132/90 disciplina satisfatoriamente o tema, pelo que, de acordo com o princípio da economia processual, seria bom que fosse dada ênfase na finalização da sua tramitação naquela Casa.

Deduz-se, portanto, que a regulamentação do lobby tende a ser uma fatalidade para os anos vindouros. A higidez e a transparência da representação de agendas, sejam empresariais, sejam sociais, é de interesse do Poder Público, da sociedade civil e, mais ainda, dos próprios representados. A defesa de interesses é, na essência, elemento construtivo e criativo na elaboração de proposições e políticas públicas mais racionais e mais condizentes com as realidades dos diversos setores sociais, cujas características específicas podem escapar, e constantemente escapam, à compreensão dos tomadores de decisão. A recalcitrância ideológica parece estar cedendo à constatação da realidade. Mudanças legislativas são esperadas para breve.

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*Clarita Costa Maia é advogada do escritório Pinheiro, Mourão, Raso e Araújo Filho Advogados.

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