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“Quem vai pagar pelo direito de greve?”O servidor público, decide STF

O que aflige e urge questionar é quem pagará pela falta do direito de greve. Inegavelmente, a sociedade brasileira!

4/11/2016

Na tarde do dia 27 de outubro, o STF julgou RE 693.456 no qual se discutia se é válido o desconto em folha de pagamento de servidores dos dias não trabalhados pela adesão à greve.

O recurso foi interposto em 2012 contra decisão do TJ/RJ, que determinou à FAETEC (Fundação de Apoio à Escola Técnica) o não desconto dos dias parados por conta de greve no ano de 2006.

A análise do processo pelo Plenário foi iniciada em setembro de 2015. O relator, ministro Dias Toffoli, na época, deu provimento ao recurso julgando válido o desconto. O ministro Edson Fachin, segundo a votar, abriu divergência, negando provimento e considerando inválido o desconto. O julgamento, em seguida, foi suspenso em razão do pedido de vista do ministro Roberto Barroso.

Ao retomar a discussão do caso no Pleno, o ministro Barroso declarou que a greve no serviço público é tormentosa, tanto em razão da ausência de lei específica a regulamentá-la, quanto das consequências que ela gera na sociedade.

Reconheceu que o regime jurídico existente não é suficiente para dirimir os conflitos entre a Administração e os servidores e que deve haver mecanismos que estimulem a composição entre as partes. Assim, votou pela utilização da analogia: se na iniciativa privada há o desconto dos dias parados, na Administração Pública assim deve ocorrer também.

Para ele, a Administração Pública tem o dever de cortar o ponto dos servidores, para haver a adequação dos ônus da greve e desestimular os movimentos. Os servidores não podem aderir às paralisações sem saber das consequências, já que estas atingirão grandemente a sociedade.

Ao final, sugeriu a tese, em resumo: a Administração Pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação em virtude da suspensão do vínculo funcional, sendo incabível o desconto se a greve for provocada por conduta ilícita da própria Administração. A tese foi acatada pelo Relator, em vista de mais concisa e mais bem escrita.

O ministro Teori Zavascki votou em seguida acompanhando o relator, julgando constitucional o desconto.

A ministra Rosa Weber acompanhou a divergência por entender inadequado aplicar a lei de Greve em todos os pontos ao serviço público. Para ela, o dever de cortar o ponto dos servidores redunda na anulação do direito de greve, ainda mais porque há limitações enormes nas negociações coletivas com o Poder Público.

O ministro Marco Aurélio, adiantando o voto, afirmou que o entendimento de que o corte do salário dos servidores visa evitar greves é um passo largo do STF e que o direito será morto já em seu nascedouro.

O ministro Gilmar Mendes, em seguida, em seu voto, questionou como justificar que uma universidade fique três ou quatro meses parada e que os grevistas recebam seus salários. Citou que, em outras partes do mundo, o funcionário público é proibido de fazer greve. E votou pela validade dos descontos.

O ministro Luiz Fux acompanhou também o relator.

Ricardo Lewandowski, após, votou com a divergência e considerou inválido o desconto, tendo em vista que o direito de greve é constitucionalmente assegurado e seu exercício estaria sendo limitado.

A presidente da corte, Carmén Lúcia, última a votar, acompanhou o relator e afirmou que não há direito absoluto e, assim, o direito de greve também deve ter seus limites.

Ao final, o placar foi de seis votos a favor da validade do desconto dos dias parados dos servidores, vencidos quatro ministros. O ministro Celso de Mello esteve ausente.

A tese sugerida pelo ministro Barroso sofreu mudanças de redação e, em síntese, fixou que é dever da Administração proceder ao desconto dos dias de paralisação em virtude da suspensão do vínculo funcional, admitida a negociação das partes em relação à compensação. O desconto será indevido se a greve for provocada por conduta ilícita da própria Administração.

A greve motivada por descumprimento por parte da Administração não será considerada abusiva e não poderá haver descontos, segundo a decisão. E a greve reivindicatória, será abusiva? Nascerá abusiva? E a greve política?

O STF, mais uma vez, limita direito assegurado constitucionalmente aos trabalhadores. O exercício do direito de greve, agora, implicará prejuízos ao trabalhador e será considerado, de antemão, antes mesmo de ser efetivado, abusivo. O Tribunal admite, assim, presunção de abusividade da greve no serviço público. E o ônus de buscar a Justiça para declarar a greve legal será do servidor público.

A gravidade desta decisão extrapola a esfera do Direito do Trabalho. A interpretação restritiva, quase impeditiva, do direito de greve significa proibição do direito de manifestação e de reivindicação por melhores condições de vida, direitos estes inerentes à democracia.

A cada decisão, o Supremo reforça o seu papel de protagonista, avança contra a ordem constitucional de 1988 e altera profundamente o Estado brasileiro.

Nesse sentido, a declaração de voto do ministro Luiz Fux é reveladora: "Em uma visão prospectiva, infelizmente, estamos em um momento difícil. Um momento em que se avizinham deflagrações de greve. Então, é preciso estabelecer aqui alguns critérios para que nós não permitamos que possa se parar o Brasil".

Em resposta à pergunta do ministro Roberto Barroso durante os debates: "Quem vai pagar pelo direito de greve?". O trabalhador, o servidor público!

Na atual conjuntura, porém, esta não é a pergunta mais importante. O que aflige e urge questionar é quem pagará pela falta do direito de greve. Inegavelmente, a sociedade brasileira!
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*Antonio Fernando Megale Lopes é advogado do escritório Loguercio, Beiro e Surian Sociedade de Advogados. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual Paulista e Especialista em Gestão Pública.





*Fernanda Caldas Giorgi é advogada, sócia do escritório Loguercio, Beiro e Surian Sociedade de Advogados. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas.


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