As demandas judiciais crescem em tempos de crise. São a medida desesperada das vítimas de ilegalidades em busca da proteção do Estado. Logo, o mínimo que se espera é que o Judiciário aja de acordo com Lei, prestando tutela justa e igualitária em fidelidade aos princípios jurídicos e normas processuais que lhe são impostos.
Ciente dessa realidade, o novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/15) trouxe alterações relevantes no formato das decisões judiciais, especificamente através do audaz art. 489, com restrições inéditas à liberdade de decidir dos juízes.
A novel regra impõe ao julgador que este decida à luz dos argumentos trazidos pelas partes, ajustando obrigatoriamente suas teses ao caso em foco. Sentenças genéricas ou que simplesmente repetem um pronunciamento anterior, restarão sem efeito.
O princípio é coerente e nobre: quanto melhor fundamentada for a sentença, menor a margem de dúvidas e lacunas para subsidiar inconformismos e fomentar infinitos recursos.
Antes, em razão do chamado "Princípio do Livre Convencimento Motivado", o juiz podia fundamentar suas sentenças ao seu próprio modo, com base em entendimentos peculiares – que volta e meia destoavam das teses apresentadas pelas partes.
Longe de impor um padrão decisório, o que se pretende é evitar que uma decisão incompleta dê azo a eternização da lide com debates jurídicos sem qualquer relação com o fato gerador.
Obviamente, a inovadora norma processual não foi recebida com empatia pelo Poder Judiciário, que persevera em conservar o 'solipsismo judicial congênito'.
Oriundo da mitologia grega, o solipsismo é doutrina filosófica, extraída do sádico personagem Procusto que vitimava seus hóspedes desafiando-os a caber no leito que lhes era oferecido, serrando os pés daqueles que excedessem o tamanho do leito ou distendendo violentamente as pernas dos que não o preenchessem de todo. A medida violenta e bizarra configura o típico protagonismo individualista desta filosofia que vê como única realidade a decorrente do Eu empírico. O sujeito confunde a sua convicção com a do Direito, sem flexibilizações.
Herdado de Estados Absolutistas, reconhece-se o solipsismo judicial portanto sempre que o magistrado confunde suas percepções de certo e errado com as prescrições da lei; decidindo a vida de cidadãos segundo um ideal de verdade particular e eventualmente volátil; julgando destinos a partir de uma compreensão peculiar do que entende como devido e justo.
Inteligentemente, vê-se que a nova Lei Processual pretendeu retirar do cenário judicial a conduta absolutista desses muitos magistrados que, em franco solipsismo, confundem o Eu com o Direito", dilacerando a Constituição de 1988 todos os dias.
Contudo, a comunidade pretoriana vem impondo resistência à norma audaz, afirmando em todas as instâncias, através de resoluções, instruções, dentre outros atos administrativos de trato interno, arrogante e intransigentemente - que o art. 489 não será aplicado. E quando for, sofrerá adaptações.
Neste diapasão, dada a resistência do Judiciário de querer abrir mão de poderes ilimitados, a norma vanguardista tende a somar-se ao número considerável de regras invisíveis à Sociedade.
Convencer os magistrados – que não foram coroados reis de nenhuma unidade jurisdicional – de que sua opinião pessoal não pode substituir o Direito ainda é, todavia, uma missão inconclusa.
O processo é conduzido pelos litigantes e suas argumentações constituem todo o seu viés. Para tanto a tutela jurisdicional a ser prestada pelo Julgador somente se legitima se extraída do argumentativo debate oferecido pelas partes. Apenas desse modo a coisa julgada, enquanto solução de um litígio, pode ser devidamente formada, defendida e preservada.
_________*Silvia Correia é procuradora da Infraero e professora.