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Um observatório de controle social para a aplicação do novo CPC

A problemática sobre a qual o observatório se debruça é a da obstrução efetuada por uma parte dos agentes judiciários contra a aplicação da nova legislação processual civil brasileira.

23/9/2016

Introdução

Observatório (do francês "observatoire") é um lugar de onde se observa. Observar, por sua vez, é olhar atentamente para algo; examinar, mediante detida reflexão, algo em seus pormenores; é assumir um olhar potente. Nessa acepção, um Observatório é o espaço dedicado "à observação, acompanhamento ou divulgação de determinados fenômenos ou informação"2. É uma instituição que visa a acompanhar a evolução, no tempo e no espaço, de um fenômeno ou tema estratégico. Para justificar sua instalação, deve existir uma problemática que possa ser decomposta na forma de objetivos, enfrentada por intermédio de uma metodologia, e criticamente apreciada e interpretada com o auxílio de dados, indicadores e resultados.

A problemática sobre a qual o Observatório de controle social do Novo Código de Processo Civil (NCPC, Lei 13.105, de 2015) se debruça é a da obstrução efetuada por uma parte dos agentes judiciários, sobretudo juízes, contra a aplicação da nova legislação processual civil brasileira. Mas reconhecemos, com justiça, que há uma outra parte, felizmente significativa, que se tem engajado no cumprimento do Código. O Judiciário tem-se mostrado, historicamente, opaco e resistente às mudanças políticas e sociais, e mesmo renitente ao cumprimento de algumas leis. Isso fica evidente ao constatarmos o advento tardio de um órgão de controle judiciário, e, mesmo depois desse advento, a dificuldade de controle que esse órgão ostenta. Sustento a hipótese de que tal infortúnio ocorre devido a uma naturalizada prática de resistência diante das mudanças por parte dos juízes. Através dessas práticas, se expressa um conceito que o Judiciário tem de si mesmo: de um órgão insuscetível de responder às demandas populares, ao controle social e à própria lei; de um poder acima das leis e da crítica, que se situa além dos mecanismos republicanos de vigilância.

O NCPC é norma jurídica, portanto dotado da natureza deontológica que exige seu cumprimento incondicionado. Sem embargo, a entrada em vigência do NCPC tem dado oportunidade a uma inesperada turbulência no meio jurídico: centenas de juízes e alguns tribunais têm-se recusado, deliberadamente ou não, a dar cumprimento a suas normas, ou o têm aplicado seletivamente. Tradicionalmente conservadora, grande parte da Magistratura tende a criar um mal-estar acerca de leis que são feitas para que ela mesma cumpra. E, saliente-se, um Código de Processo Civil não se trata de uma lei qualquer, antes de uma matriz de todas as demais normas processuais, de um ponto de referência, supletiva e subsidiariamente aplicada às legislações adjetivas eleitoral, administrativa e trabalhista (art. 15 do NCPC). Um novo Código reestrutura procedimentos, princípios e modos de compreensão, muda paradigmas e instaura uma nova cultura jurídico-processual.

Não parece natural que, em um Estado democrático de direito trespassado pelo império da lei, os cidadãos devam entrincheirar-se para que uma lei simplesmente seja observada pelos próprios agentes públicos, os quais juraram estar a serviço do direito. Tampouco é compreensível o mal-estar gerado pela novel legislação: ela não remete a regulamentação, nem se traduz em um texto repleto de incoerências, imprecisões ou omissões. Por que, então, cada tribunal tem-se empenhado em regulamentar, mediante portarias, enunciados, resoluções etc., uma norma jurídica que em si mesma é autoaplicável? A impressão da advocacia brasileira tem sido de perplexidade: o que explica essa multiplicidade de olhares sobre algo que a nós, advocacia, parece único? Não bastasse o constrangimento moral pelo qual o Judiciário tem passado nessa seara, as recusas à aplicação do NCPC redundam, quase sempre, em violações das prerrogativas dos profissionais da advocacia e em atentados contra os direitos dos cidadãos jurisdicionados.

Atenta a esse quadro alarmante, a OAB julgou pertinente instalar, com respaldo nas preocupações de toda a advocacia e da sociedade civil organizada, um Observatório de controle social da aplicação do NCPC em âmbito nacional. Ao participar de um Observatório de controle social – genuína expressão da soberania popular diretamente emergente do seio da sociedade civil organizada –, a advocacia endossa seu protagonismo social na defesa dos direitos da cidadania. O Observatório consiste em um núcleo de defesa contra as arbitrariedades judiciais e, ao mesmo tempo, em uma frente de combate a resoluções que pretendam debilitar o novo sistema jurídico-processual e, assim, enfraquecer o Estado democrático de direito. Em virtude do princípio da legalidade, o cidadão possui direito subjetivo ao respeito da lei por parte do Estado – direito que inclui a expectativa de adequada aplicação da lei por parte do Judiciário.

Neste artigo, compilarei alguns casos incongruentes de transgressão ao NCPC que justificam a preocupação da advocacia e da sociedade no que concerne aos rumos que tem tomado a recepção da recém-publicada lei processual (parte 1). Em seguida, retomarei os argumentos sobre a indispensabilidade da existência de um Observatório de controle social em âmbito nacional, voltado à advocacia e à sociedade civil organizada, destinado ao monitoramento, ao acompanhamento crítico e à fiscalização do trabalho de aplicação do novo CPC pela Magistratura Nacional, e sensível a denúncias de graves violações a direitos das partes e de seus patronos (parte 2). Com o Observatório de controle social, a OAB espera unir esforços à cidadania em prol do aprimoramento da ordem processual3 brasileira, requisito indispensável à promoção e à defesa do Estado democrático de direito.

Clique aqui para acessar a íntegra do texto.

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*Antonio Oneildo Ferreira é advogado, diretor-tesoureiro do Conselho Federal da OAB.

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