Dados de pesquisa do Ibope Monitor no início de 2016 mostram que o percentual de lojas ociosas nos shopping centers, inaugurados nos últimos três anos, é de 45%. Tal situação gera a questão que aflige lojistas e empreendedores: teriam os locatários nesses estabelecimentos direito à revisão de seus contratos?
Nos shopping centers novos, vários contratos são firmados com os lojistas na fase de construção, quer por instrumento único, contendo a obrigação de pagar a res sperata, quer em dois instrumentos apartados. A obrigação do empreendedor é de resultado: deve ele entregar o prédio no prazo estabelecido, com a estrutura física prometida e contando com um número mínimo de lojas integrantes e de lojas âncoras. A obrigação inicial do empreendedor é com o funcionamento da “cidade em miniatura” por ele projetada e prometida aos lojistas.
O descumprimento de tais obrigações gerais, bem como daquelas assumidas em cada contrato particular, dá causa à resolução do contrato por inadimplemento do empreendedor (art. 475 do Código Civil), com a restituição dos valores pagos pelo lojista e a indenização por perdas de danos.
Aplicável, outrossim, a exceção de contrato não cumprido (art. 476 do Código Civil). O lojista não está obrigado a requerer a extinção da relação contratual, pois pode ter interesse em continuar com o seu estabelecimento, pleiteando a redução do aluguel mínimo pago mensalmente.
Como as obrigações do empreendedor são de execução continuada, mesmo que cumpridas inicialmente, com a boa construção do edifício, a inauguração do shopping no prazo contratualmente previsto e integrado por um número adequado de lojas âncoras e satélites, tem o empreendedor a obrigação posterior de gerir o centro visando o bom funcionamento da empresa de conjunto. Para tanto, o mix do shopping deve ser mantido e, se possível, até melhorado. A mudança do mix projetado que prejudique um ou mais lojistas pode ser qualificada como inadimplemento contratual.
Em shopping centers recentemente inaugurados, a controvérsia, a ser dirimida pelas provas produzidas na instrução do feito, seria a seguinte: estaria o insucesso do lojista dentro da álea normal do contrato, risco exclusivo do empresário lojista; ou, pelo contrário, não teria o shopping gerado o público consumidor legitimamente esperado pelas partes, dando causa ao insucesso do lojista, quer por inadimplemento contratual do empreendedor, quer por impossibilidade superveniente da prestação inimputável ao empreendedor, quer, ainda, em virtude de acontecimento extraordinário e imprevisível?
Partindo da premissa falsa de que se trataria de um contrato de locação, o intérprete chegaria à conclusão equivocada de que, tendo o empreendedor cumprido as obrigações prescritas nos incisos do art. 22 da Lei de Locações, não haveria como falar-se em inexecução de obrigação contratual. Por esse entendimento, o empreendedor teria cumprido o contrato com a simples inauguração do shopping e a cessão do uso da loja, não tendo responsabilidade alguma pelo insucesso do shopping, devendo o empresário-lojista assumir, sozinho, todos os riscos do negócio.
Diferentemente de um contrato de locação comercial, no qual o locador não tem relação alguma com o negócio do lojista, no contrato de shopping center existe estreita relação entre a empresa de conjunto (o shopping), projetada, executada e administrada pelo empreendedor, e a empresa individual do lojista, tendo o eventual insucesso do shopping grande influência para o fracasso do lojista.
A função econômica do contrato (sua causa) é o surgimento e o funcionamento de uma empresa de conjunto, formada pela integração planejada das lojas, objetivando criar uma relação simbiótica que atraia um grande número de consumidores e induza-os ao consumo, proporcionando o bom faturamento de todos os lojistas e do empreendedor.
Considerando que o shopping center está estruturado por meio de uma rede de contratos firmados entre o empreendedor e os diversos lojistas, todos os integrantes da rede têm a obrigação de zelar pelo sucesso da empresa de conjunto. Essa obrigação sistemática é maior para o empreendedor, que fez estudos prévios, planejou o shopping com base em tais estudos e executou o que foi planejado, inclusive e principalmente, firmando os contratos com os vários lojistas, cujas causas individuais estão relacionadas com a causa supracontratual da rede: o sucesso da empresa de conjunto, influenciando positivamente as empresas individuais dos lojistas.
A obrigação do empreendedor, que planejou, executou e está administrando a empresa de conjunto, é pelo desempenho do shopping dentro do que legitimamente se esperava. O sucesso ou insucesso do shopping pode ser apurado ao comparar-se (i) o público planejado pelo empreendedor e os consumidores frequentadores em determinado momento posterior; (ii) o movimento do shopping com o dos outros shopping centers da região. Orientarão tal apuração os princípios de direito contratual e as normas de interpretação de contratos, com destaque para a boa-fé e os usos.
Pode vir a ser comprovado que o movimento do shopping estaria conforme ao legitimamente esperado. Estaria, assim, dentro da álea normal do contrato, risco assumido por ambas as partes, tendo em vista o tempo necessário para a formação da clientela do shopping. A eventual alteração do mix pelo empreendedor, nesse exemplo, visaria alcançar o objetivo comum e não teria desnaturado o centro comercial.
Por outro lado, comprovado o insucesso do shopping center, deve o empreendedor demonstrar que tal se deu por impossibilidade superveniente da prestação inimputável a ele, para ver-se livre, assim, da obrigação de indenizar o lojista por perdas e danos.
____________________