Operação Beacon Hill 2 - A vez dos clientes
Sérgio Rosenthal*
No Brasil, informações provenientes da Promotoria Distrital de Nova York, em Manhattan, comandada pelo experiente Robert M. Morgenthau, deram origem à chamada Operação Farol da Colina, deflagrada pela Polícia Federal contra dezenas de doleiros que administravam subcontas da Beacon Hill Service Corp., considerada a holding dos doleiros sul-americanos e que teria movimentado, apenas entre os anos de 2001 e 2002, cerca de US$ 3,2 bilhões.
Agora, depois de terem sido analisados milhares de documentos e ouvidos os operadores mencionados (alguns dos quais aderiram ao benefício da delação premiada), é a vez dos “clientes”, que transacionaram por meio dessas contas, serem convocados, pela Receita e pela Polícia Federal, a dar suas explicações.
De fato, segundo dispõe o artigo 22, da Lei nº 7.492 (clique aqui), de 16 de junho de 1986, constitui crime contra o sistema financeiro nacional, apenado com dois a seis anos de reclusão, efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País. Da mesma forma, incorre na pena referida quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantém depósitos não declarados à repartição federal competente.
No entanto, os fatos ora investigados pela Polícia Federal (atribuídos aos supostos clientes), no que se está chamando informalmente de Operação Beacon Hill 2, não nos parecem, a princípio, adequar-se aos crimes acima descritos. Senão vejamos:
O crime definido no caput do artigo 22, pune aquele que efetua operação de câmbio não autorizada, com a especial finalidade de promover evasão de divisas do país.
Como é sabido, operação de câmbio consiste na troca da moeda de um país pela moeda de outro. A evasão de divisas, por sua vez, implica na saída de moeda do território nacional. Assim, não há operação de câmbio, nem evasão de divisas, por exemplo, quando o indivíduo troca dólares que possui no Brasil por dólares que outrem já possui no exterior.
Igualmente, inexiste operação de câmbio ou evasão de divisas na venda de um bem ou na prestação de um serviço, ainda que o pagamento ocorra em moeda estrangeira e em outro país.
É certo, portanto, que para demonstração da consumação deste crime, é imprescindível haver prova da realização de uma operação de câmbio, assim como, de que esta ocorreu com a especial finalidade de promover a evasão deste mesmo numerário.
Tais argumentos aplicam-se, ainda, ao crime definido na primeira parte, do parágrafo único, do artigo 22 em análise, que pune aquele que promove, a qualquer título, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior.1
Quanto ao delito descrito na parte final deste mesmo parágrafo único, vale esclarecer o seguinte:
Como é sabido, manter recursos depositados no exterior não é crime. Na realidade, a infração penal consiste em omitir sua existência, não os declarando à repartição federal competente.
A forma, os limites e as condições de declaração de bens e valores detidos no exterior por pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no País encontram-se, atualmente, estabelecidos pelo Banco Central do Brasil na Circular nº 3.313, publicada em 2 de fevereiro de 2006.
Segundo o artigo 1º da referida Circular, toda e qualquer pessoa física ou jurídica residente, domiciliada ou com sede no País, deve informar ao Banco Central do Brasil, no período compreendido entre as 9 horas do dia 13 de março de 2006 e as 20 horas do dia 31 de maio de 2006, os valores de qualquer natureza, os ativos em moeda e os bens e direitos detidos fora do território nacional, na data-base de 31 de dezembro de 2005.
Ainda, de acordo com o Banco Central, referida declaração será considerada não-fornecida, para efeitos do inciso III, do art. 2°, da Resolução 2.911, de 29 de novembro de 2001, somente após as 20 hs de 31 de julho de 2006.
Segundo a doutrina corrente, o crime em comento é de mera conduta, consumando-se, de modo permanente, enquanto os depósitos, não declarados, forem mantidos no exterior.
Não nos parece ser este, no entanto, o enfoque mais correto.
Muito embora se trate, realmente, de crime de mera conduta, entendemos que, na verdade, o mesmo não se consuma, de modo permanente enquanto os recursos não declarados forem mantidos em uma instituição financeira no exterior mas, apenas e tão somente, quando o cidadão, detentor desse numerário, deixa de declarar sua existência à repartição federal competente no prazo determinado.
Assim, é possível concluir que:
O cidadão que mantinha depósitos no exterior em 31 de dezembro de 2005, só praticará este crime caso não declare sua existência, nos termos da circular emanada do Banco Central, até as 20 horas do dia 31 de julho de 2006.
O cidadão que passou a manter recursos no exterior a partir de 1º de janeiro de 2006, deverá declarar tal fato ao Banco Central do Brasil em período a ser futuramente fixado por referida instituição, estando desobrigado, por ora, de faze-lo, sem que, com isso, incorra nas penas do crime descrito na segunda parte do parágrafo único, do artigo 22, da Lei nº 7.492/86.
Mas não é só.
Segundo o artigo 3º da Circular nº 3.313, os detentores de ativos totais, em 31 de dezembro de 2005, cujos valores somados totalizavam montante inferior a US$ 100.000,00 (cem mil dólares), ou seu equivalente em outras moedas, foram dispensados de prestar qualquer declaração ao Banco Central.
Dessa forma, o cidadão que, nessas condições, deixar de prestar declaração à repartição federal competente sobre a manutenção desses recursos, não praticará crime contra o sistema financeiro nacional (não obstante esteja sujeito a uma sanção de natureza fiscal e, até mesmo, responder pela prática de crime contra a ordem tributária).
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1Manuel Pedro Pimentel, Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, p. 160. Rodolfo Tigre Maia, Dos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional, p. 139. José Carlos Tórtima, Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional, p. 142. Roberto Delmanto...(et al.), Leis Penais Especiais Comentadas, p. 216.
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*Advogado do escritório Rosenthal Advogados Associados e presidente do MDA-Movimento de Defesa da Advocacia
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