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Turnos ininterruptos de revezamento – Interpretação do Ministério do Trabalho

Ao ler o Art. 2º da recente INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 64, de 25 de abril de 2006, da Secretaria de Inspeção do Trabalho, que dispõe sobre a fiscalização do trabalho em empresas que operam com turnos ininterruptos de revezamento, têm-se a certeza de que houve excessos no exercício da atribuição que lhe foi reservada pelo Inciso XIII do Art. 14 do Decreto 5.063, de 3/5/2004.

10/5/2006

 

Turnos ininterruptos de revezamento – Interpretação do Ministério do Trabalho

 

Arnaldo Barros*

Será lícito àquele submetido à lei agir à margem das palavras da lei? (Tomás de Aquino, Questão XCVI, art. VI, da Summa Theologica )”.

Ao ler o Art. 2º da recente INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 64, de 25 de abril de 2006, da Secretaria de Inspeção do Trabalho, que dispõe sobre a fiscalização do trabalho em empresas que operam com turnos ininterruptos de revezamento, têm-se a certeza de que houve excessos no exercício da atribuição que lhe foi reservada pelo Inciso XIII do Art. 14 do Decreto 5.063, de 3/5/2004. Diz o Decreto:

 

Art. 14. À Secretaria de Inspeção do Trabalho compete:

 

............

 

XIII - baixar normas relacionadas com a sua área de competência

A questão é que, arrimada na mencionada prerrogativa, a Secretaria de Inspeção do Trabalho, exacerbando, ultrapassou os limites da hermenêutica e orientou os agente de fiscalização do trabalho no sentido de entenderem de maneira mais abrangente a situação contextual expressamente fixada em nossa Carta Política para caracterização das hipóteses de jornada reduzida a seis horas em decorrência da prática de turnos ininterruptos de revezamento.

 

Segundo o Art. 2º da IN-SIT nº 64:

Art. 2º Considera-se trabalho em turno ininterrupto de revezamento aquele prestado por trabalhadores que se revezam nos postos de trabalho nos horários diurno e noturno em empresa que funcione ininterruptamente ou não.

De outro lado, a Constituição Federal é taxativa:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

 

....................

 

XIV – jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;

Na lição de Jorge Miranda, em Manual de Direito Constitucional (4ª edição, Coimbra Editora, 1990), “deve ser fixada a premissa de que todas as normas constitucionais desempenham uma função útil no ordenamento, sendo vetada a interpretação que suprima ou diminua a finalidade”.

 

Nesse rumo, se na Carta Magna, quando se refere à situação especialmente tutelada quanto aos turnos, consta a expressão “ININTERRUPTOS” é porque existe uma finalidade específica que levou o legislador a contemplá-la no texto constitucional como reveladora da situação a que se está referindo e não caberia ao intérprete, independentemente da motivação, suprimir a eficácia do termo, sob pena de se distanciar da vontade da sociedade expressa através de seus representantes.

 

Mais grave, no caso da interpretação desautorizada e distorcida originar-se de instituição pública que detém competência, ainda que restrita, para disciplinar a conduta de agentes fiscalizadores estatais investidos de poder de polícia, tem-se, mediatamente, a materialização do desrespeito ao Princípio da Independência dos Poderes em face de clara invasão de competência do Poder Constituinte à medida que inova e desconsidera critério constitucional expresso e, com isso, atinge os diversos atores sociais sujeitos à referida norma infraconstitucional.

 

A exclusão do critério da ininterrupção do trabalho, consoante a dicção da IN-SIT nº 64, leva à equivocada ilação de que, para caracterização da obrigatoriedade da jornada de seis horas, seria suficiente que o labor fosse prestado em sistema de turnos de revezamento de empregados, ainda que com interrupção da jornada.

 

Dessa forma, por exemplo, uma empresa que trabalhe em turnos alternados, sendo um em horário diurno (das 7h às 16h), seguindo-se uma interrupção total da atividade empresarial até às 23h quando iniciar-se-ia novo turno estaria obrigada a jornada de seis horas ante a constatação do revezamento, ainda quando à sistemática faltasse o pressuposto da ininterrupção.

 

O desvirtuado entendimento esposado pela SIT reduz a expressão “ININTERRUPTOS” constante do texto constitucional, no Inciso XIV, do Art. 7º, à absoluta irrelevância, afrontando o texto legal e suas conseqüências já podem ser antecipadas: todo trabalho em turnos, independentemente de interrupção, será considerado pela fiscalização do trabalho como de jornada máxima de seis horas exigindo-se dos empregadores o imediato aumento do quadro de empregados ou o pagamento como horas extraordinárias para aquelas contadas a partir da sétima diária.

 

A competência que o Decreto 5.063/04 conferiu à SIT não a torna insubmissa à Constituição Federal, não lhe sendo possível, à guisa de orientar os senhores inspetores fiscais estabelecer normas alargando, restringindo ou tornando sem significado o texto legal. Vale a máxima: “Na lei não existem palavras desnecessárias”.

 

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* Advogado do escritório Martorelli e Gouveia Advogados









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