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O registro civil e a cidadania

O sub-registro perdurou por muito tempo entre nós, até que a Constituição de 1988 consagrou a gratuidade dos “atos necessários ao exercício da cidadania”.

4/8/2016

O cidadão passava a existir para Deus e para o Estado, depois de feito o registro do batismo, de competência da Igreja Católica, detentora do monopólio dos Registros Públicos, no Brasil, até o ano de 1870. Assim, o nome do recém-nascido estava consignado no denominado Registro Eclesiástico, e as anotações eram feitas nos livros paroquiais, sob a direção dos padres. Sabia-se da existência somente de pessoas que professavam a religião católica, excluídos aqueles que tinham outra religião ou que não tinham religião; viviam sem documento algum.

Com o advento de outras crenças, editou-se a lei 1.144/61 para que fossem feitos os registros de nascimentos, casamentos e óbitos de pessoas que não seguiam a religião oficial e professavam outra fé.

O registro civil surgiu pouco antes da Proclamação da República, quando o Estado passou a investir em agentes públicos para a prática dos atos notariais e registrais. A obrigatoriedade, entretanto, só aconteceu com a edição do CC/16, encargo atribuído aos cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais, que assentavam o Registro Civil, de Casamento e de Óbito, tornando três importantes momentos civis da pessoa humana. A lei 8.159/91 considerou de interesse público e social, os registros promovidos por entidades religiosas, antes de 1916.

O registro civil é direito humano fundamental que possibilita o exercício da cidadania e a dignidade da pessoa humana; dá nome, individualiza a pessoa; é o primeiro documento na vida do cidadão, comprovante de sua existência no mundo da lei; depois desse documento, e em função dele, consegue-se a carteira de identidade, o título de eleitor, o CPF, a certidão de casamento.

A lei 6.015/73 estipula o prazo de 15 dias, após o nascimento, para que os pais façam o registro dos filhos, ou 90 dias quando residirem mais de 30 quilômetros distantes do local onde está estabelecido o cartório. Isso não quer dizer que não se pode fazer o registro após esse prazo, pois a qualquer tempo é possível o assentamento da pessoa.

A CF/88 tratou dos serviços notariais e registrais, exercidos “em caráter privado, por delegação do Poder Público”. Todavia, para “ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e de títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses”.

A lei 9.534/97, que modificou a lei 6.015/73, assegura a gratuidade do registro de nascimento, do assentamento de óbito, assim como a expedição da primeira certidão. Apesar da gratuidade, grande é o número de pessoas sem registro, que se denomina de sub-registro. A falta desse documento impede o acesso aos serviços sociais básicos e na morte a pessoa é enterrada como indigente.

As causas para essa situação variam desde o desconhecimento do significado do documento e de sua gratuidade, até a dificuldade que se tem para encontrar o cartório, nas proximidades da residência. Isso ocorre com maior frequência no interior do país. Na Bahia, há cartórios instalados até 90 quilômetros distantes do local de nascimento e residência da pessoa.

Apesar da diminuição do número de crianças sem registro de nascimento, no primeiro ano de vida, ter caído de 17% em 2004 para 1% em 2014, no Nordeste não se teve a mesma evolução, pois, segundo dados do IBGE, o sub-registro é de 11,9%, em 2014.

O sub-registro perdurou por muito tempo entre nós, até que a Constituição de 1988 consagrou a gratuidade dos “atos necessários ao exercício da cidadania”, situação que só se concretizou com a regulamentação promovida através da lei 9.534/97.

O CNJ tem demonstrado preocupação com a situação da Bahia que, desde 2012, com a privatização dos cartórios extrajudiciais, último Estado a entregar à iniciativa privada essa atividade, não conseguiu promover a ocupação desses cartórios; o concurso ainda se arrasta e apenas 10% deles possuem delegatários, restando 90% sob encargo do Tribunal de Justiça que não se incomoda com a degradação desse ofício, principalmente no interior. Muitos foram fechados, alguns, apesar de contemplados pela Lei de Organização Judiciária de 2007, não foram instalados, outros funcionam mercê da iniciativa dos antigos titulares que disponibilizam até suas casas para acomodá-los; a maioria, entretanto, foi entregue compulsoriamente a escreventes judiciais que chegam a acumular até quatro cartórios.

Na Bahia, os cartórios de Registro Civil, que continuam com o Judiciário, porque sem delegatários, prestam péssimos serviços ao cidadão. Diante da falta de delegatário, os juízes são obrigados a designar um servidor para desempenhar a função e, muito frequentemente, acumulam dois ou mais cartórios de Registro Civil; outra situação é que a lei 10.845/07 criou cartórios em alguns distritos, mas passados quase dez anos, não foram instalados, apesar da premente necessidade; em outras comarcas os cartórios de Registro Civil foram desativados nos distritos e remanejados para as sedes por absoluta falta de servidor; há distritos, cuja distância para as sedes, situam-se em até 90 quilômetros.

Apenas para ilustrar o abandono desses cartórios, veja-se a situação de Mundo Novo: o sr. Antoniel Santana Costa responde pelo cartório de Registro Civil da sede, acumulando com o cartório de Registro Civil com funções Notariais dos distritos de Alto Bonito, Indaí e Ibiaporã, este distante 85 quilômetros de Mundo Novo, além do cartório de Registro de imóveis.

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*Antonio Pessoa Cardoso é desembargador aposentado do TJ/BA. Advogado do escritório Pessoa Cardoso Advogados.

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