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Compensação de Reserva Legal no Estado de São Paulo

A grande novidade está na possibilidade de se utilizar vegetação nativa localizada no mesmo bioma.

10/5/2016

Após quase um ano da publicação da Lei Estadual 15.684/2015, que trata do programa de regularização ambiental dos imóveis rurais – “PRA” no Estado de São Paulo, envolvendo Áreas de Preservação Permanente – “APP”, Reserva Legal – “RL” e Uso Restrito (25 a 45 graus de declividade), foi publicado em 11 de janeiro de 2016 o Decreto 61.792 regulamentando o PRA no Estado de São Paulo.

O Decreto definiu: (i) os prazos e procedimentos de adesão ao PRA; (ii) estabeleceu regras para a compensação de RL no Estado de São Paulo; e (iii) estabeleceu competências dos órgãos públicos para atuar nessas questões. Foi definida, ainda, a competência infralegal da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e da Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento para regulamentar o assunto, o que resultou na publicação da Resolução Conjunta nº 01, que dispõe sobre a regularização ambiental de imóveis rurais no âmbito do PRA.

A adesão ao PRA não é obrigatória, mas será a única forma do proprietário e possuidor de imóvel rural ajustar a ocupação anterior a 22.07.2008 nas APPs, RLs e áreas de uso restrito através de cultura agrícola, pasto, edificação, entre outras.

Caso não seja feita a adesão ao PRA e não se proceda à desocupação e recuperação destas áreas, o proprietário e possuidor de imóvel rural estarão sujeitos à multa, embargo, entre outras penalidades previstas na legislação aplicável.

Para aqueles que não aderirem ao PRA, poderá será exigido o início das ações necessárias à recomposição da área degradada até o fim do prazo para adesão ao Programa. O prazo de adesão é de 01 ano a contar da implantação do SARE – Sistema de Apoio à Restauração Ecológica a ser formalizado pela Secretaria do Meio Ambiente.

Na prática, aqueles que optarem pela adesão ao PRA terão 15 meses a mais que os não optantes para iniciar as ações de recomposição que foram aprovadas pelo órgão ambiental.

Outra vantagem imediata da adesão ao PRA é o livre acesso ao crédito, já que ficam suspensas as autuações administrativas e a punibilidade dos crimes ambientais.

As instituições financeiras, cada vez mais, exigem este grau de regularização fundiária dos imóveis rurais objeto de empréstimos e de operações estruturadas. Existe, também, uma terceira vantagem na adesão ao PRA para aqueles que possuem projetos de recuperação aprovados na vigência da lei anterior, já que poderão ser revistos pelo órgão ambiental para adequação às normas atuais, por exemplo, visando o cômputo da APP como RL e a compensação de áreas verdes no mesmo bioma.

Para a compensação de RL propriamente dita no Estado de São Paulo, merece destaque a obrigação imposta à Secretaria do Meio Ambiente e à Fundação Florestal para criação pública de um sistema eletrônico de banco de áreas disponíveis para compensação de RL, de APP disponíveis para recomposição e de áreas disponíveis para regularização fundiária em Unidades de Conservação. Se concretizada com eficiência a implementação desse bancos, será um importante canal de conexão entre proprietários, possuidores e empresas especializadas em recuperação de áreas degradadas, facilitando a vida do proprietário e possuidor de imóvel rural.

A grande novidade no tema compensação de RL está na possibilidade de se utilizar vegetação nativa localizada no mesmo bioma, ou seja, poderão ser ultrapassadas as barreiras dos Estados.

São Paulo é coberto pelos biomas mata atlântica e cerrado. Assim, conforme previsto na legislação atual e visando compensar déficit de RL, os imóveis localizados em São Paulo poderão valer-se de áreas verdes localizadas não só dentro de seu território, como também em territórios de outros Estados, como, dentre outros, RJ, PR, MG e MS. Para que isso ocorra, entretanto, conforme dispõem o Decreto e a Resolução Conjunta, existem vários requisitos a serem observados. Ai começam as dificuldades práticas do sistema de compensação.

O primeiro lote de requisitos são: (i) que não haja no imóvel deficitário nenhuma outra área coberta com vegetação nativa que possa ser destinada à RL; (ii) que não haja no imóvel deficitário área desprovida de vegetação nativa que possa ser recomposta para atender à função de RL; (iii) que o proprietário e possuidor não tenha cometido atos de supressão irregular em seu imóvel após 22.07.2008 e (iv) que esteja no mesmo bioma e tenha a mesma extensão.

Superados os requisitos acima, a aprovação da proposta de compensação com área fora do Estado ainda passa pelo cumprimento do segundo lote de requisitos legais, a saber: (i) que a área proposta favoreça a formação de corredores ecológicos com outra RL, APP ou com Unidade de Conservação; (ii) que a área esteja listada como prioritária pela União ou pelos Estados envolvidos indicadas em plano de recuperação, zoneamento ecológico-econômico para conservação e recomposição ambiental; (iii) que a área esteja abrangida por bacias hidrográficas com importância nacional conforme delimitação futura pela Secretaria do Meio Ambiente; (iv) que sejam áreas declaradas como de fragilidade ambiental (alíneas a, b e c do inciso IV do art. 8º do Decreto) e (v) que os Estados envolvidos celebrem um convênio para controle da preservação da RL no âmbito do PRA.

O sistema de compensação não é simples e a burocracia assusta, mas as regras estão postas. A compensação de RL é hoje uma realidade. O próximo desafio do sistema é o tratamento dos órgãos ambientais aos pedidos de compensação esclarecendo, por exemplo: (i) se a análise será individual ou por amostragem; (ii) em quanto tempo serão feitas as análises; e (iii) como os donos dos imóveis serão informados sobre o resultado.

No tocante aos meios de compensação de RL, o Decreto e a Resolução não trazem inovações, ou seja, já estavam previstos no Código Florestal os seguintes mecanismos: (i)aquisição de CRAs - Cotas de Reserva Ambiental; (ii) arrendamento de área sob o regime de servidão ambiental ou reserva legal excedente;(iii) doação de área pendente de regularização fundiária em unidade de conservação; e (iv)ajuste de excedente de reserva legal em outro imóvel de mesma titularidade ou adquirida de terceiros.

A aquisição de CRA ainda depende de regulamentação específica, ou seja, nesse momento não é possível a aquisição formal e a proposta de compensação por esse meio.

Importante esclarecer que o CRA – Cota de Reserva Ambiental, título representativo de cobertura vegetal que se presta à comercialização de ativos florestais, não se confunde com o título de crédito do agronegócio - CRA – Certificado de Recebíveis do Agronegócio, que se presta à livre negociação de promessas de pagamento em dinheiro com lastro de recebíveis originários de negócios entre produtores rurais.

A despeito das publicações do Decreto e Resolução Conjunta, a compensação de RL no Estado de São Paulo não pode ser considerada definida. Nos bastidores há uma grande e histórica disputa entre os produtores rurais e os ambientalistas.

Na verdade, a legislação atual ainda não é suficiente para sanar todas as dúvidas dos proprietários e possuidores de imóveis rurais no Estado. Há muita discussão sobre as diretrizes a serem seguidas pelos técnicos ambientais quando da aprovação das propostas de compensação de RL, assim como há dúvidas sobre quem realmente deve replantar considerando as normas vigentes no momento das supressões de vegetação ocorridas décadas atrás.

Porém, a despeito se boas ou ruins, claras ou dúbias, as regras estão declaradas e os proprietários e/ou possuidores de imóveis rurais devem buscar se adequar ao regramento vigente.

Isso porque, a falta de regularização das áreas de RL e APP perante os órgãos ambientais, além de gerar passivos ambientais, impedirão operações de financiamento e, mais, criarão problemas de cadastro no INCRA, com inibição de CCIRs, e na correta apuração do ITR – Imposto Territorial Rural, já que RL e APPs somente podem ser regularmente excluídas na área tributável se devidamente constituídas.

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*Luiz Ernesto Oliveira é sócio responsável pela área de direito fundiário de Guedes Nunes, Oliveira e Roquim Sociedade de Advogados.


*Viviane Castilho é advogada sênior responsável pela área de direito fundiário de Guedes Nunes, Oliveira e Roquim Sociedade de Advogados.

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