Migalhas de Peso

Nem todo gol é contra em matéria previdenciária no CARF

Em especial quando se trata de se promover a desoneração de verbas supostamente devidas por "boleiros".

13/4/2016

O julgador administrativo em seu voto alerta:

"A prática de se “ganhar no grito” conheceu sua primazia nas partidas de futebol realizadas fora dos estádios, conhecidas coloquialmente como “peladas de várzea”, nas quais o time da casa, ou aquele cujos jogadores eram dotados de um volume mais avantajado de bíceps e tríceps, impunham na partida o regramento e/ou a interpretação das ocorrências de jogo que mais lhe convinham, mesmo que contrários às regras oficiais do futebol estatuídas pela International Football Association Board da FIFA.

Mas no Processo Administrativo Fiscal a Charanga toca num tom diferente." (Acórdão 2401004.029)

De fato, não há espaço para o "Sobrenatural de Almeida" [1] quando se trata do julgamento de processos submetidos ao crivo do Tribunal Administrativo, aqui reportando-nos ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).

E como não estamos neste ato a deitar pena como um "Paralelepípedo de Almeida" [2], informaremos que nem todo gol é contra (o contribuinte) nos exames de temas de ordem previdenciária na esfera daquele CARF, em especial quando se trata de se promover a desoneração de verbas supostamente devidas por "boleiros"; abrindo-se um destaque para o fato que por vezes o "jogo" é decidido naquele Tribunal pelo "gol de ouro" (voto de qualidade), uma que naquele "estádio" nenhuma partida pode terminar em zero a zero, mesmo após morosa prorrogação conclusiva sobre as teses em debate [3].

Nesta linha de raciocínio destacamos decisão proferida em setembro de 2014 (Acórdão 2403-002.722), oportunidade em que, quanto ao pagamento de "bichos [4] e luvas [5]" a atletas e por seus respectivos clubes de futebol, valor esse pago a título de vitórias conquistadas dentro das "quatro linhas" e em partidas de ludopédio, decidiu o CARF que (tal):

"verba não integra o conceito de salário de contribuição para fins de incidência de contribuição previdenciária, uma vez que tal pagamento é não habitual e tem como escopo influenciar o atleta a ingressar, no clube, de forma a superar a concorrência.

Não está este valor atrelado à prestação dos serviço, mas sim, o contrário, trata-se, em verdade de prêmio, uma indenização, porque, o contratante visa estimular a retirada do atleta de outra ocupação anterior."

Tal conclusão, aplicada como um clássico "folha seca" [6], amparou-se em jurisprudência (Acórdão 2301-003.392) e doutrina (Contribuições Previdenciárias à Luz da Jurisprudência do CARF. São Paulo: 2012, MP Editora) balizadores sobre a temática enfrentada, sem "puxões de camisa dentro da área" ou "catimba".

Outro tento importante marcado pela decisão deu-se no afastamento da exigência de contribuição previdenciária sobre os valores pagos a título de direitos de imagem e de arena.

Os contratos de direito de imagem referem-se à participação dos desportistas nas transmissões de partidas de futebol, cuja finalidade "é a autorização com caráter exclusivo, do direito de exploração, produção, publicidade e divulgação da imagem do atleta para promoção institucional" do clube que representa, " incluindo, retrato, semblante, caricatura, apelido, assinatura, som da voz, etc."

Assim, fundado na Lei Pelé e no Código Civil, concluiu o Tribunal Administrativo a idoneidade dos negócios firmados pelos contratos de direito de imagem e a possibilidade sim da desvinculação dos valores pagos a tal título dos valores percebidos a título de salários pelos desportistas, afastando com isso a exigência previdenciária.

Quanto ao direito de arena a decisão também "traspassou o barbante das redes, estufando-a," quando definiu tratar-se de negócio comercial alheio ao contrato de trabalho, sendo uma cessão de direitos de uso de imagem de natureza civil e regular, não vinculado em momento algum ao contrato de trabalho firmado entre atleta e clube de futebol, o que consequentemente afastou a incidência de contribuição previdenciária sobre tais valores.

Se fosse uma transmissão esportiva e na voz do saudoso Fiori Giglioti [7], diríamos por empréstimo: "fecham-se as cortinas, torcida brasileira", mesmo sabedores que somos de que muito "jogo" ainda há pela frente em tema de tal ordem e importância, pois que "a partida somente se encerra quando o juiz apita"; mas, fica registrada a clara importância do precedente firmado e a jurisprudência que o alicerça, esperando nós que tal se consolide, mesmo que não por um "placar elástico".
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Referências

[1] personagem de crônicas sobre futebol de Nelson Rodrigues: torcedor pobre, amargo, rancoroso, abjeto, desdentado, manco, morando num quarto apertado de uma cabeça-de-porco num subúrbio carioca, que manipula os jogos, de forma a prejudicá-los sempre, de um lado ou de outro

[2] personagem de crônicas sobre futebol de Nelson Rodrigues: torcedor frio, sem deslumbramento, sem paixão, e sempre criticando os ídolos, sempre diminuindo uma jogada, sempre contra a celebridade do time

[3] O "gol de ouro" foi abolido após a Euro 2004

[4] "relacionado ao desempenho do atleta/treinador, servindo de incentivo em razão dos serviços prestados ao empregador, estimulando a produção de determinado resultado por parte dos empregados."

[5] "parcela que consiste na retribuição material paga pela entidade empregadora ao atleta profissional em vista da celebração de seu contrato de trabalho, seja originalmente, seja por renovação, integrante do salário do atleta."

[6] "Didi foi o inventor da "folha seca". Na cobrança de uma falta, o goleiro se atirava na direção certa da bola e esta, no último momento, caprichosamente desviava para dentro do gol, devido ao "efeito" dado pelo craque na bola. Como se fosse uma folha seca caindo de uma árvore." (trecho de artigo de Félix Maier para "webartigos")

[7] Grande e respeitado radialista brasileiro falecido às vésperas da Copa do Mundo de 2014
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*Dalton Cesar Cordeiro de Miranda é advogado e consultor do escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados, e especialista em Administração Pública pela EBAPE-FGV.


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