Muito se tem noticiado acerca da atuação global pelo combate à sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, inclusive com casos de investigação envolvendo bancos de renome mundial, o que tem provocado a realização de acordos internacionais visando a troca frequente de informações entre os países.
No Brasil, temos o exemplo da assinatura com os Estados Unidos do Acordo de Cooperação Intergovernamental para implementação do FATCA, que consiste na troca de informações automática sobre titulares de conta em instituições bancárias com vistas a aprimorar a tributação sobre valores mantidos no exterior, aprovado pelo decreto 8.506/15.
Apesar deste Acordo valer entre os dois países, já é uma realidade o compartilhamento de informações entre diversos países sempre que há indícios de práticas ilícitas, o que pode tornar impraticável a manutenção de valores no exterior sem a devida comunicação ao Governo respectivo.
Em decorrência, e visando estimular a declaração de bens e direitos mantidos no exterior, o Governo brasileiro instituiu o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) por meio da lei 13.254/16, pelo qual, pessoas físicas e jurídicas, poderão declarar recursos mantidos no exterior, omitidos ou irregularmente informados até 31 de dezembro de 2014, desde que provenientes de atividade lícita, com anistia dos respectivos crimes mencionados na lei, acompanhados do pagamento do Imposto de Renda devido a título de ganho de capital a uma alíquota de 15% acrescido de multa de 100% sobre o valor do imposto, não sendo permitida qualquer dedução ou descontos de custo de aquisição.
Vale mencionar que esta declaração se aplica aos bens e direitos em nome dos residentes ou domiciliados no país anteriores a 31 de dezembro de 2014, ainda que nesta data já não possuam saldo de recursos ou sejam titulares de bens ou direitos.
Trata-se do que pode ser a única oportunidade para os brasileiros declararem bens e direitos mantidos no exterior omitidos em suas declarações regulares, com anistia dos crimes previstos em virtude desta prática.
É importante reforçar que, de acordo com a lei, devem ser declarados todo e qualquer bem ou direito mantido no exterior, desde que de origem lícita, ainda que sobre estes não se tenha efetivamente um ganho.
Apesar de se tratar de um benefício concedido pelo Governo brasileiro para que as regularizações sejam feitas com anistia dos crimes decorrentes destas omissões e, considerando que a partir deste ano o tráfego de informações entre países referentes a valores mantidos no exterior vai se intensificar, deve-se analisar com cautela a viabilidade de se fazer esta declaração.
Isso porque, muito embora os crimes relacionados à sonegação fiscal e previdenciária estejam anistiados com a declaração, bem como falsidades cometidas para praticar a sonegação, evasão de divisas e lavagem de dinheiro, podem existir outros não abrangidos pela extinção da punibilidade prevista na lei de repatriação.
Dessa forma, cada situação deve ser analisada de forma pormenorizada não apenas no que se referem aos fatos que originaram tais recursos, como também os documentos que suportarão a declaração e que eventualmente sejam utilizados para comprovação da origem lícita deste capital.
Sob o aspecto tributário, igualmente, o declarante deve avaliar a possibilidade de cobrança de outros tributos além dos 15% do imposto de renda previsto na lei, pois, com a declaração, o contribuinte deverá comprovar a origem dos recursos mantidos no exterior e em muitos casos representarão fatos geradores de outros tributos, como, por exemplo, imposto sobre serviços ou o imposto sobre transmissão causa mortis ou doação, cuja competência é dos Municípios e Estados.
Nesse ponto, apesar de a lei de repatriação não permitir à RFB o compartilhamento da declaração única com demais entes tributantes, o simples fato de se obrigar à retificação de Declaração de Imposto de Renda pode ser suficiente para identificação de fatos sujeitos à tributação pelos Estados e Municípios.
Outro aspecto ainda polêmico e que pode ser alvo de questionamento judicial da lei repatriação consiste na “criação” de uma nova hipótese de incidência tributária referente ao Imposto de Renda sobre ganho de capital prevista no artigo 6º da lei 13.254/16.
Com efeito, o imposto de renda incide no momento em que o contribuinte aufere o ganho de capital (acréscimo patrimonial), sendo obrigação acessória o envio de declaração à Receita Federal do Brasil a fim de informar a atividade realizada pelo contribuinte para o devido controle do valor a ser pago a título deste imposto. Portanto, o fato gerador ocorre no momento em que o contribuinte aufere o ganho e não da sua declaração ao Fisco, sendo que o prazo decadencial é contado a partir da ocorrência do fato gerador, ainda que tenha como referência o primeiro dia do exercício seguinte.
No entanto, de acordo com a referida lei o imposto incidirá no momento da apresentação do RERCT, considerando-se ocorrido o ganho em 31 de dezembro de 2014, o que acaba por criar um novo tributo o que não poderia ocorrer por meio de uma lei ordinária. Ademais, o imposto incidirá independentemente da comprovação do efetivo ganho de capital, mas sim sobre o valor declarado, o que também não se coaduna com a matriz normativa do imposto de renda. Estes e outros pontos polêmicos permeiam a criação dessa nova hipótese de incidência do imposto de renda dando margem a discussões judiciais acerca da legalidade/constitucionalidade da cobrança.
Todavia, não obstante os problemas contidos na lei de repatriação, o mais recomendável é que se aproveite esta oportunidade concedida pelo Governo Federal com anistia de tipos penais e redução da penalidade imposta sobre o montante a ser recolhido, já que, esgotado este prazo, as situações identificadas pelas autoridades servirão de base para a caracterização de crimes puníveis na forma da lei, não somente por aqueles que produziram o rendimento, como também seus herdeiros ou sucessores, caso estes, já como atuais detentores dos recursos, se omitam de fazer tal regularização.
De acordo com a lei, a adesão ao RERCT poderá ser feita 210 (duzentos e dez) dias após a publicação de ato da RFB que vai regulamentá-la, o que está para ocorrer em meados do mês de março.
Para finalizar, reitera-se a recomendação para que cada situação seja analisada de forma individual, por especialistas na esfera penal e tributária, no que diz respeito a fatos e documentos que os suportam, para que a adesão seja feita da forma adequada e não gere imputações penais não abrangidas pela Lei, nem tampouco impacto tributário inesperado.
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*Mario Comparato é advogado do escritório Comparato, Nunes, Federici & Pimentel Advogados.
*Maria Fernanda de Azevedo Costa do escritório Comparato, Nunes, Federici & Pimentel Advogados.