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Perito consensual

A perícia, em si, não é consensual. O consenso concerne à pessoa do perito. Então, a rigor, tem-se um “perito consensual”, e não propriamente uma “perícia consensual”, como diz a lei.

11/3/2016

O art. 471 (CPC/2015) permite que as partes realizem negócio processual destinado à escolha do perito, desde que sejam elas plenamente capazes e que a causa envolva direito que admita autocomposição (sobre tais requisitos, v. o meu artigo “Um processo pra chamar de seu: nota sobre os negócios jurídicos processuais”, em Migalhas, em 21.10.2015). Note-se que as partes não dispõem negocialmente quanto a haver a perícia. Isso dependerá de decisão do juiz (ainda que eventualmente seja uma decisão deferindo requerimento de prova pericial feito por ambas as partes). Nesse sentido, a perícia, em si, não é consensual. O consenso concerne à pessoa do perito. Então, a rigor, tem-se um “perito consensual”, e não propriamente uma “perícia consensual”, como diz a lei.

Não há necessidade de que o perito escolhido consensualmente pelas partes esteja inscrito no cadastro do tribunal.

Quando indicam o perito, as partes já devem indicar também os assistentes técnicos que acompanharão a perícia e a data e o local em que será ela realizada (art. 471, § 1.º).

Quando o perito é definido pelo juiz, as partes podem arguir sua suspeição ou impedimento no prazo de quinze dias. Quando as próprias partes escolhem o perito, fica desde logo superado qualquer fundamento de suspeição ou impedimento de que as partes já tinham ou deveriam ter conhecimento por ocasião da escolha feita. Vale dizer, tais fundamentos já não poderão ser por elas invocados para arguir o impedimento ou suspeição do perito. A arguição de suspeição ou impedimento do perito consensual apenas poderá amparar-se ou em fundamento novo (i.e., surgido depois de escolha do perito) ou em fundamento antigo, mas que não tinha como ser de conhecimento da parte.

O § 3.º do art. 471 concede à perícia realizada pelo perito consensual a mesma força probante daquela que seria realizada por perito escolhido pelo juiz, substituindo-a para todos os efeitos. Sendo assim, se ela tem o mesmo valor, isso significa que, tanto como se daria na perícia feito pelo perito definido pelo juiz:

(a) o juiz pode determinar a realização de uma segunda perícia, se reputar a primeira insatisfatória para a formação de seu convencimento. Mas frise-se que essa segunda perícia haverá de ser realizada por perito consensual, a não ser que outra seja a deliberação das partes. Admitir-se uma segunda perícia por perito definido pelo juiz implicaria tornar irrelevante a possibilidade de escolha do perito pelas partes – fazendo-se do art. 471 letra morta;

(b) o juiz não fica vinculado ao resultado da perícia, podendo motivadamente formar sua convicção com base em outros elementos instrutórios. Isso significa que as partes tampouco ficam vinculadas ao resultado pericial. Elas poderão desenvolver toda a argumentação que pretendam a favor ou contra o resultado probatório da perícia, a fim de influir na formação do convencimento do juiz. O negócio processual consiste apenas em definir a pessoa do perito. Não há a assunção, pela parte, de nenhum compromisso de submeter-se obrigatoriamente ao resultado da perícia. O perito permanece sendo meramente perito: um auxiliar judicial que fornece subsídios para a livre formação do convencimento do juiz. Não se torna “arbitrador” nem “dirimente pericial” ou “consultor técnico” (que são modalidades de terceiro escolhido pelas partes para definir uma questão de fato de modo vinculante para elas).

A necessidade de preservação da vontade das partes é também dado essencial a se considerar quando se examina a possibilidade de destituição do perito consensual. Se a nomeação é feita pelo juiz, o perito pode ser substituído quando se evidenciar sua falta de conhecimento técnico ou científico ou quando injustificadamente não houver a entrega do laudo no prazo judicialmente fixado. Se o perito é consensual, é dado ao juiz tal poder? Não há como excluí-lo peremptoriamente. Permanece cabendo ao juiz o poder e o dever de zelar pelo correto andamento do processo. Por exemplo, mesmo quando o perito é consensual, cabe ao juiz fixar o prazo para a entrega do laudo (art. 471, § 2.º, parte final) – ressalva feita à possibilidade de calendário processual que abranja esse evento (art. 191 – hipótese em que, de todo modo, o juiz também participa da definição dos prazos). Não faria sentido o juiz ter o poder de fixar o prazo para a conclusão da perícia, se não pudesse aplicar as consequências pelo descumprimento de tal prazo. Também não parece razoável supor que um perito completamente inapto poderia permanecer investido no cargo apenas porque foi escolhido pelas partes. Então, em situações limites, poderá haver a destituição do perito consensual. Mas: (a) esse poder não pode ser exercido com desvio de finalidade, para o juiz simplesmente tornar inócua a liberdade de escolha das partes; (b) a decisão de destituição deverá ser antecedida do debate do juiz com as partes (CF, art. 5.º, LV, e CPC, arts. 9.º e 10) e devidamente fundamentada (CF, art. 93, IX, e CPC, art. 11); (c) as partes permanecerão tendo o poder de definir consensualmente o novo perito.

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*Eduardo Talamini é advogado, sócio do escritório Justen, Pereira, Oliveira & Talamini - Advogados Associados. Livre-docente em Direito Processual (USP). Mestre e doutor (USP). Professor da UFPR.

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