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Pode o Ibama invalidar licenças ambientais concedidas por órgãos ambientais estaduais?

Quando o que está em jogo é a proteção ao meio ambiente, a doutrina e os tribunais brasileiros vêm caminhando no sentido de admitir que todos os entes federativos são dotados de competência fiscalizatória.

23/2/2016

Na última semana1, vários meios de comunicação do Rio Grande do Norte noticiaram em destaque o fato de o Ibama ter considerado inválida licença outorgada pelo órgão estadual do meio ambiente (IDEMA) para que determinada empresa desenvolvesse suas atividades em determinada localidade. A autarquia federal também teria notificado o empreendedor para providenciar a retificação de sua licença no prazo de 15 dias, sob pena de ter sua atividade embargada, e lavrou auto de infração por meio do qual lhe impôs multa no valor de mais de 2,5 milhões de reais.

Atuações como esta, que envolvem interferência de órgãos de um ente federativo sobre o outro, tendem a gerar fricções entre os evolvidos. Parte delas é natural em qualquer sistema federativo, sendo especialmente comuns em um modelo complexo e detalhado de distribuição de competências como o brasileiro. Outras, porém, resultam da violação das regras que estruturam esse sistema e asseguram seu equilíbrio e harmonia, devendo ser combatidas. Ao que nos parece, o polêmico caso noticiado faz parte desse segundo grupo.

Quando o que está em jogo é a proteção ao meio ambiente, a doutrina e os tribunais brasileiros vêm caminhando no sentido de admitir que todos os entes federativos são dotados de competência fiscalizatória. Isso significa que, quando estiverem diante de uma atividade que ofenda a legislação ambiental, os órgãos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios podem atuar para sancionar o ofensor e fazer cessar a violação independentemente de quem teria competência para licenciá-la, bastando que se respeite as demais exigências legais que regem essa atuação. É o que ocorre, por exemplo, quando uma empresa opera sem as licenças necessárias para suas atividades. Qualquer órgão que tome conhecimento dessa irregularidade pode atuar e autuar.

Contudo, o caso noticiado pela impressa não se enquadra entre aqueles regidas por essa regra. Isso porque, como se vê nos documentos divulgados, o empreendedor alvo da notificação e autuação não atuou sem licença ambiental, tanto que o próprio Ibama indicou como fundamento para a notificação expedida a suposta invalidade da licença emitida pelo órgão estadual. Tampouco se apontou a existência de omissão do órgão estadual. Na verdade, toda a ação do órgão federal se baseou na suposta ilegalidade de ato administrativo praticado pelo órgão estadual, o qual pronunciou entendimento distinto daquele esposado pelo órgão federal. Uma atuação desse tipo, porém, não encontra respaldo legal por diversas razões.

Em primeiro lugar, é preciso se ter em mente que em matéria de licenciamento ambiental inexiste qualquer hierarquia entre os órgãos estaduais e o Ibama ou atribuição específica outorgada a este último para controlar a conveniência, oportunidade e legalidade de licença ambiental conferida pelos primeiros. Esse controle só pode ser feito pelo Ibama nas situações em que ele é responsável pelo licenciamento, o que não se deu no caso em questão. Além disso, vale pontuar que a LC 140/11, editada justamente para evitar conflitos e fomentar uma atuação harmônica entre os distintos órgãos ambientais, consagrou o licenciamento por um único órgão como regra e assegurou aos demais (seja ele federal, estadual ou municipal) possibilidade de se manifestar de forma meramente opinativa, não vinculante. Se assim é, não pode o Ibama pretender interferir de forma vinculante no conteúdo da licença a ser expedida por órgão estadual ameaçando embargar a atividade licenciada caso sua determinação não seja acatada.

Em segundo lugar, é preciso observar que quando o administrado age amparado em ato administrativo, como se deu no caso em análise, em regra não há que se falar na existência da culpa necessária para sua responsabilização pela infração administrativa. Mesmo se a licença fosse futuramente considerada ilegal pelo Judiciário (e não pelo Ibama), a regra é que a boa fé do administrado e a confiança depositada na Administração sejam tuteladas, não sendo possível a imposição de sanção. Aliás, em tais situações, sendo a empresa prejudicada por eventual invalidação de licença, poderá até mesmo pleitear indenização da Administração Pública.

Por fim, deve-se considerar que os atos dos órgãos estaduais são dotados da mesma presunção de legitimidade que cerca aqueles praticados pelo Ibama, presunção essa que não pode ser afastada por este último ao seu bel prazer. Como bem pontua Eduardo Fortunato Bim, “os órgãos ambientais não podem desconsiderar pura e simplesmente os atos administrativos dos demais (art. 19, II), especialmente se o ato é expedido pelo órgão competente para licenciar ou autorizar”2.

Não se pretende com isso sustentar que o Ibama deva resignar-se diante de situações que julgue irregulares. Se for esse o caso, deve acionar o órgão estadual para que revise seu ato ou recorrer ao Poder Judiciário pelos meios processuais próprios para que o invalide. O que não se admite é que a simples penada de um fiscal do órgão federal sirva como atalho para a invalidação de atos presumidamente legítimos praticados pelos órgãos estaduais e resultantes de processos de licenciamento que não raramente se arrastam por longos períodos. Chancelar medidas desse tipo seria eliminar por completo a já combalida estabilidade das licenças ambientais, impactando diretamente as decisões dos agentes econômicos sobre a alocação de seus recursos.

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1 Ibama classifica licenciamento ambiental do Idema de ‘inválido’. Portal noAr. Disponível em: clique aqui. Acesso em: 14 fev. 2016.

2 Licenciamento ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. p.49.

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*João Emmanuel Cordeiro Lima é sócio do escritório Nascimento e Mourão Advogados e professor palestrante da Fundação Getúlio Vargas - FGV Direito/SP.


*Pedro Henrique Cordeiro Lima é sócio do escritório Cordeiro Lima Advogados e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.


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