Migalhas de Peso

Qual a importância do entendimento do STJ sobre fraude à execução para você?

Este, por mais que não pareça, não é um assunto de interesse exclusivo da área jurídica.

14/1/2016

E não é que o assunto tão importante, após ter sido pacificado em dezembro de 2014 (e pela própria lei 13.097/15) no julgamento do REsp 956.943 (relatoria da ministra Nancy Andrighi), voltou à mesa de julgamento, em novembro de 2015, da nossa cúpula (em matéria infraconstitucional): a famigerada fraude à execução na alienação de bens e as formas de reconhecimento da boa-fé (ou da má-fé) do terceiro que adquiriu imóvel.

Pois bem. Este, por mais que não pareça, não é um assunto de interesse exclusivo da área jurídica. Melhor dizendo, sim, é um assunto da área jurídica, mas a repercussão para a sociedade é gigantesca, afinal, você que mora em um imóvel adquirido recentemente tomou os devidos cuidados para apurar se a aquisição se deu em fraude à execução ou não?

Bom, se ainda assim não lhe pareceu um assunto de larga importância (só mais um problema que seu advogado lhe apontou), apresentamos as seguintes considerações (quanto ao pior dos cenários!): se a venda for considerada como fraude à execução e você não for considerado como um terceiro de boa-fé (por favor, sem ofensas), ela será declarada ineficaz (sem produção de efeitos) em relação aos credores do vendedor de sua casa ou seu apartamento e você terá que entregar seu precioso imóvel a eles; restando-lhe o direito de responsabilizar o vendedor (um título sem grande valor, certo?).

Pela letra fria da lei (artigo 593 do CPC/73), toda venda seria considerada em fraude à execução se, em relação ao vendedor, pendia demanda ("processo") que o pudesse tornar insolvente. A situação é simples de enxergar: se existia um processo (qualquer processo que possa ensejar uma condenação, por exemplo, um processo em que se discuta a responsabilidade por um acidente de trânsito) e se com a venda o vendedor (réu no processo) se tornou insolvente (isto é, não possui mais patrimônio para arcar com a dívida decorrente de eventual condenação), a venda será considerada como em fraude à execução. Ah! Isso vale para qualquer processo em andamento no Brasil inteiro.

Mas a situação, segundo a visão dos tribunais, não é tão rigorosa – até mesmo pelo fato de ser praticamente impossível localizar, com exatidão e segurança, processos no Brasil inteiro, pois a regra sobre certidões de distribuidores (documentos que apontam os processos existentes em nome de determinada pessoa) é diversa de Estado para Estado. Pela disposição do enunciado de súmula 375 do STJ (2009), para o reconhecimento da fraude à execução (a despeito da disposição legal) é necessário o registro da penhora na matrícula do imóvel ou a comprovação da má-fé do terceiro adquirente.

Se você pensa que com a edição desse enunciado sumular as controvérsias foram dizimadas, está muito enganado! A interpretação da súmula gerou grandes controvérsias, especialmente sobre a disposição final (prova de má-fé do terceiro adquirente), pois alguns julgados dispuseram que a dispensa das certidões de distribuidor em nome do vendedor do imóvel supostamente seria comprovação (presunção) da má-fé do adquirente (especialmente pelo fato de a antiga redação da “lei de escrituras públicas” exigir este documento para a lavratura da escritura de compra e venda do imóvel).

Mas, em dezembro de 2014, a situação nos tribunais (e agora sim podemos dizer que não há mais controvérsia) foi pacificada. Ao julgar o REsp 956.943/PR (recebido pela sistemática de recursos repetitivos, prevista no artigo 543-C do CPC), o STJ consolidou o entendimento no sentido de que:

(i) a boa-fé do adquirente se presume se não há registro da penhora;

(ii) o terceiro não precisa obter as certidões de distribuidor;

(iii) cabe ao credor prejudicado com a venda comprovar a má-fé, isto é, demonstrar que o terceiro tinha conhecimento do(s) processo(s) quando da aquisição do bem.

O recurso julgado em novembro de 2015 só serviu para sanar uma “pequena” contradição, pois, a despeito de o STJ ter firmado o entendimento indicado acima (que permaneceu inalterado), o STJ não havia afastado o reconhecimento da fraude à execução no caso concreto.

Se o tema ainda não lhe pareceu importante, este entendimento (súmula 375 e suas interpretações sobre a desnecessidade de obtenção de certidões) deu amparo a alteração legislativa (lei 13.097/15), bem como dará segurança às aquisições imobiliárias, pois a fraude só será reconhecida se houver registro de eventual penhora na matrícula do imóvel ou se o credor, depois de ajuizar a demanda e da autorização do juiz, averbar na matrícula a existência do(s) processo(s) em que o proprietário figure no polo passivo.

Vale só um adendo de que a lei 13.097/15 ainda não tem plena eficácia, pois os credores têm o prazo de 2 anos (contados da vigência da lei, ou seja, início de 2017) para ajustar os registros e averbações. Enquanto isso, coloquemos fé “apenas” no entendimento que se pacificou no STJ.

Além das alterações legislativas, o entendimento pacificado no STJ (REsp 956.943), de tão relevante, ensejou “retratações” no TJ/SP, especialmente, é claro, por conta da imposição do artigo 543-C, § 7º, do CPC/73. O exemplo recente (acórdão datado de 16/12/15) é a apelação 1047945-06.2013.8.26.0100, da 28ª câmara de Direito Privado, de relatoria do des. Gilson Delgado Miranda.

Inicialmente, em conclusão, diga-se de passagem, um tanto preocupante (se relembrarmos que em cada Tribunal vigora uma regra para obtenção das certidões de distribuição), o TJ/SP dispôs não apenas que a obtenção dessas certidões era necessária, como também que a certidão deveria ser – “e a praxe não deixa dúvidas”, segundo palavras do Relator – a vintenária (no caso concreto apenas a certidão vintenária apontaria o processo). Qualquer outra certidão com abrangência menor seria prova da má-fé! Diversos precedentes do TJ/SP foram, inclusive, mencionados no acórdão.

Com a conclusão, a parte interpôs recurso especial (STJ) e, antes da remessa dos autos, por conta da imposição do sistema, os autos foram devolvidos para retratação. O novo acórdão, então, afastou a fraude à execução e aplicou integralmente o entendimento do REsp 956.943/PR, já que nenhuma certidão (muito menos a vintenária) é condição para que a boa-fé do adquirente seja afastada.

O tema é relevante, não? Sem se considerar a relevância, agora os adquirentes podem se tranquilizar, pois alegações de fraude à execução só terão fundamento se houver o apontamento na matrícula do imóvel. Ah, e para que a nota não seja incompleta, vale lembrar que estas regras não são aplicáveis aos débitos fiscais, por conta de disposição legal expressa (artigo 185 do Código Tributário Nacional) no sentido de que a fraude se dá com a inscrição do débito em dívida ativa.

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*Theotônio Negrão Neto e Henri Matarasso Filho são advogados em SP, associados ao escritório Navarro Advogados, com atuação na equipe de Contencioso Cível, Tributário e auditorias legais.

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