1. Introdução
A política de desoneração da folha – como ficou conhecida a redução de contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento com o respectivo incremento de contribuição social sobre o faturamento (COFINS) – sofre, desde suas origens, com a falta de coesão quanto aos objetivos a serem atingidos e, também, quanto a correta avaliação de quais setores e atividades são atingidos.
As dúvidas já surgem na própria terminologia deste incremento de contribuição sobre o faturamento. Conforme prevê, com algum hermetismo, o art. 195, § 13 da Constituição, a eventual redução de contribuição previdenciária patronal implicará majoração da contribuição sobre o faturamento, a qual, nos termos da LC 70/91, é a contribuição para o financiamento da seguridade social – COFINS. Todavia, de forma a melhor retratar o incremento de forma segregada, a opção normativa tem sido pelo neologismo da contribuição previdenciária sobre a receita bruta – CPRB. De toda forma, esta deve ater-se aos ditames normativos da COFINS, pois, como expressamente prevê a CF/88, trata-se de mero incremento de contribuição já existente.
No âmbito particular da construção civil, o quadro se agrava. Segmento tradicionalmente obscuro na regulamentação previdenciária, sempre sofreu com certo hermetismo em sua regulamentação. Com a desoneração da folha, o tema gera dificuldades interpretativas até para os profissionais experimentados da área previdenciária e fiscal. A disciplina básica do tema é atualmente prevista na lei 12.546/11, com diversas alterações subsequentes. A referida lei, que possui, como objeto central, a criação do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (REINTEGRA), acabou se notabilizando pelos arts. 7º e 8º, os quais disciplinam a desoneração para diversos setores. Dentre eles, a construção civil.
No presente texto, pretendo apresentar, de forma sucinta e sem pretensão de exaurir a questão, alguns aspectos relevantes em decorrência das muitas modificações normativas da matéria, com especial enfoque nos reflexos da perda de validade da Medida Provisória 601/12, os quais, posteriormente, foram mitigados pela lei 12.844/13, oriunda, por sua vez, da conversão da Medida Provisória 610/13.
2. Setores da Construção Civil Incluídos pela Medida Provisória 601/12
A redação original da lei 12.546/11 não previa, dentre as atividades beneficiadas pela desoneração da folha, a construção civil. Somente com o advento da Medida Provisória nº 601/12 é que tal segmento econômico foi atingido, submetendo-se de forma compulsória, dentro das atividades previstas, ao novo regramento.
Ao inserir o art. 7º, IV, a MP 601/12 previu a inclusão das empresas do setor de construção civil, enquadradas nos grupos 412, 432, 433 e 439 da CNAE 2.0. Como se nota, foi opção legislativa a inclusão do setor pelo CNAE preponderante da empresa construtora, o que implica, pelo regramento legal, a desoneração de toda a folha de pagamento, e não somente a parcela relacionada a esta atividade produtiva (art. 9º, § 9º, Lei 12.546/11).
Todavia, como a MP 601/12 não foi aprovada, a referida disciplina deixou de existir, gerando grande insegurança para as atividades já iniciadas e regidas por esta sistemática. Por tal razão, a lei nº 12.844/13, oriunda da conversão da Medida Provisória 610/13, repetiu a inclusão dos segmentos enquadrados nos códigos CNAE 412, 432, 433 e 439 da CNAE 2.0 e, adicionalmente, inovou ao prever as empresas de construção de obras de infraestrutura, enquadradas nos grupos 421, 422, 429 e 431 da CNAE 2.0.
Ou seja, a lei 12.844/13, além de corrigir a ausência de aprovação dos CNAE 412, 432, 433 e 439 (aqui denominados de grupo 1), ampliou a benesse para os CNAE 421, 422, 429 e 431 (aqui denominados de grupo 2). Por tal motivo, para o grupo 1, previsto atualmente no art. 7º, IV da lei nº 12.546/11, foi estabelecido regra de vigência diferenciada pela lei 12.844/13, ao inserir o art. 7º, § 9º na lei 12.546/11, em razão da confusão provocada pela rejeição da Medida Provisória 601/12:
Art. 7º(...)
§9o Serão aplicadas às empresas referidas no inciso IV do caput as seguintes regras:
I - para as obras matriculadas no Cadastro Específico do INSS - CEI até o dia 31 de março de 2013, o recolhimento da contribuição previdenciária deverá ocorrer na forma dos incisos I e III do caput do art. 22 da lei 8.212, de 24 de julho de 1991, até o seu término;
II - para as obras matriculadas no Cadastro Específico do INSS - CEI no período compreendido entre 1o de abril de 2013 e 31 de maio de 2013, o recolhimento da contribuição previdenciária deverá ocorrer na forma do caput, até o seu término;
III - para as obras matriculadas no Cadastro Específico do INSS - CEI no período compreendido entre 1o de junho de 2013 até o último dia do terceiro mês subsequente ao da publicação desta Lei, o recolhimento da contribuição previdenciária poderá ocorrer, tanto na forma do caput, como na forma dos incisos I e III do caput do art. 22 da lei 8.212, de 24 de julho de 1991;
IV - para as obras matriculadas no Cadastro Específico do INSS - CEI após o primeiro dia do quarto mês subsequente ao da publicação desta lei, o recolhimento da contribuição previdenciária deverá ocorrer na forma do caput, até o seu término;
V - no cálculo da contribuição incidente sobre a receita bruta, serão excluídas da base de cálculo, observado o disposto no art. 9o, as receitas provenientes das obras cujo recolhimento da contribuição tenha ocorrido na forma dos incisos I e III do caput do art. 22 da lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.
Ou seja, como se nota, para as atividades do grupo 1, preserva-se o regramento pretérito – sobre a folha de pagamento – até o início da eficácia da substituição, o que ocorre em 1º de abril de 2013 (primeiro dia do quarto mês após a publicação da MP 601/12). O regramento substitutivo é obrigatório para obras iniciadas entre 1º de abril de 2013 até 31 de maio de 2013, haja vista o encerramento da vigência da MP 601/12 em 03 de junho de 2013 (Ato Declaratório do Presidente da Mesa do Congresso Nacional 36, de 2013).
De forma a preservar as expectativas legítimas criadas frente às empresas que se dedicavam às atividades do grupo 1, a mesma lei 12.844/13, de forma excepcional, adotou disciplina facultativa de substituição para obras matriculadas após o encerramento da vigência da MP 601/12 mas antes da vigência do "novo" regramento da lei 12.844/13, o qual teve sua vigência adiada para o primeiro dia do quarto mês subsequente ao de sua publicação (art. 49, II, "a", lei 12.844/13), em razão do princípio da anterioridade nonagesimal (art. 195, § 6º, CF/88).
Para obras matriculadas após a vigência plena do art. 7º, IV da lei 12.546/11, na redação dada pela lei 12.844/13, volta-se a regra padrão da época, que era a adesão automática e obrigatória ao sistema de desoneração da folha, com o respectivo incremento de COFINS.
Para as obras do grupo 2, como foram, pela primeira vez, incluídas na dinâmica diversa de tributação somente com a lei 12.844/13, não há qualquer regra diversa de incidência para períodos anteriores, os quais se submetem, na integralidade, ao regramento geral de incidência sobre a folha de salários. Por mera discricionariedade legislativa, optou-se, para tais atividades, retardar sua vigência para o exercício subsequente, a partir de 1º de janeiro de 2014 (art. 49, IV, "a", lei 12.844/13).
Para todos os grupos e demais hipóteses de substituição, a provisoriedade da substituição, que teria fim ao término do exercício de 2014, é superada com o advento da Medida Provisória 651/14, posteriormente convertida na lei 13.043/14.
3. Aplicação da Retenção de 11%
De acordo com o art. 31 da lei 8.212/91, combinado com o art. 214 do Regulamento da Previdência Social, as empresas contratantes de determinados serviços, por cessão de mão-de-obra ou empreitada, incluindo a construção civil, teriam de efetuar a retenção de 11% sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura, a título de antecipação das contribuições previdenciárias devidas pelo prestador.
O percentual de 11%, quando aplicado sobre o valor bruto da nota fiscal, em regra, muito se aproxima das contribuições previdenciárias devidas pela empresa prestadora e, por isso, quando esta é atingida pela desoneração da folha de salários – com a conhecida redução da cota patronal previdenciária – é intuitivo que o percentual retido pela empresa contratante, se mantido em 11%, seria desproporcional aos valores devidos pela empresa contratada, os quais, na sistemática da lei 12.546/11, são reduzidos ao SAT/RAT, Sistema S e contribuições descontadas dos segurados.
Devido a tal realidade, A MP nº 563/12, previu a redução do percentual de retenção de 11% para 3,5%, como forma de mitigar o desconto em nota fiscal ou fatura, haja vista a redução da cota patronal previdenciária devida (art. 7º, § 6º da lei nº 12.546/11). A MP nº 563/12 foi convertida na lei 12.715/12. Posteriormente, o dispositivo foi novamente alterado pela lei 12.995/14, fruto da conversão da MP nº 634/13, evidenciando que o mesmo percentual – 3,5% - é o suficiente para a elisão da responsabilidade solidária nas empreitadas totais de construção civil, encerrando a dúvida que havia quanto a essa questão.
Todavia, no caso particular das empresas de grupo 1 e 2 referidas no item anterior, há ainda alguma dúvida sobre a correta aplicação do mecanismo de desoneração da folha e consequente reflexo na retenção previdenciária sobre a nota fiscal ou fatura, especialmente nos contratos de empreitada total e parcial entre empresas diversas com enquadramentos diversos no CNAE.
4. CNAE a Ser Desonerado – Dono da Obra, Empreiteira ou Subempreiteira?
Como regra geral, nas hipóteses de substituição da contribuição sobre a folha pelo faturamento, sempre que o parâmetro de enquadramento for o CNAE, a empresa deverá considerar somente o CNAE relativo a sua atividade principal, assim considerada aquela de maior receita auferida ou esperada, tomando lugar a incidência da contribuição sobre a receita bruta da empresa relativa a todas as suas atividades (art. 9º, §§ 9º e 10, lei nº 12.546/11).
Sendo assim, tanto para os grupo 1 como 2, toda a empresa seria necessariamente desonerada. Tal aspecto não sofreria impacto pela forma de contratação, ou seja, se o regime for de empreitada parcial ou total. O que importa, em suma, é o CNAE do prestador de serviço.
Todavia, para o grupo 1 em particular (CNAE 412, 432, 433 e 439 ), nas hipóteses de identificação da tributação desonerada ou não, há uma particularidade nas hipóteses das empresas responsáveis pela matrícula. Em tais situações, em razão das idas e vindas legislativas, especialmente pela não aprovação da MP nº 601/12, houve regra particular para a incidência em tais situações, voltada ao caso particular da empresa responsável pela matrícula, preservando a dinâmica enquanto perdurar a obra. No entanto, tal regramento não se aplica a subempreiteiros, que se submetem à dinâmica diferenciada pouco importando a época de início das obras em que prestam serviço.
Assim, por exemplo, se uma empresa construtora do grupo 1, responsável pela matrícula CEI, não foi desonerada por ter optado pela dinâmica tradicional de tributação, na forma do art. 7º, § 9º, III da lei 12.546/11, isso não assegura ao subempreiteiro de mesmo CNAE a faculdade de se submeter, naquele período, ao sistema clássico de incidência de tributação. Este será obrigatoriamente desonerado (sic), pelo menos até o advento da lei 13.161/15.
Esta parece ter sido também a interpretação do Fisco, como se nota no art. 13 da Instrução Normativa nº 1.436, ao prever que os períodos particulares de opção da desoneração, para empresas de construção do grupo 1, cabe às empresas responsáveis pela matrícula da obra. Ou seja, para as demais, aplica-se a regra geral. O mesmo ato normativo, no art. 13, § 4º, exclui qualquer dúvida quanto a isso, ao expressar que tal regra somente aplica-se aos segurados vinculados especificamente às obras matriculadas no CEI de responsabilidade da empresa construtora.
Assim, por exemplo, se uma subempreiteira deseja submeter-se à retenção no percentual de 3,5%, terá de demonstrar junto ao contratante que, em razão do seu CNAE, faz jus a este tratamento reduzido. Também, após o advento da lei 13.161/15, ao transformar a dinâmica da desoneração em facultativa, além do CNAE enquadrado nos grupos 1 e 2, terá a subempreiteira de exercer a opção pela nova sistemática. Compreensivelmente, a IN 1597/15, ao inserir o § 6º no art. 9º da IN 1.436/13, prevê a necessidade de a empresa prestadora de serviço comprovar, junto à contratante, a opção pelo regime substitutivo, mediante declaração. Todavia, se tal declaração não for exigida pela contratante e, posteriormente, comprovada a regularidade da retenção em percentual de 3,5%, não caberá qualquer autuação, pois a previsão normativa não teria o condão de produzir a exclusão da regra específica de retenção.
5. Alterações da Dinâmica com a Lei 13.161/15
Em nova guinada sobre a sistemática de desoneração, o Poder Executivo edita a MP 669/15, com o principal objetivo de elevar as alíquotas das empresas desoneradas, de forma a atender as necessidades de maior arrecadação oriundas do cenário fiscal adverso. Em razão do momento ruim entre os Poderes Executivo e Legislativo, a referida medida provisória foi devolvida sem análise pelo parlamento.
Imediatamente, foi apresentado projeto de lei, em regime de urgência, o qual logrou aprovação por meio da lei 13.161/15. O principal objetivo foi atingido, com a forte elevação dos percentuais de contribuição previdenciária sobre a receita bruta, os quais, na construção civil, foram elevados de 2% para 4,5%. Tendo em vista a potencial perda de interesse das empresas envolvidas, a nova legislação também modifica a dinâmica de enquadramento desoneração, que passa a ser facultativa. Nos termos da Instrução Normativa RFB 1.597/15, a facultatividade tem início a partir da competência dezembro de 2015.
Especialmente para as atividades do grupo 1 (CNAE 412, 432, 433 e 439 ), houve preocupação particular do legislador, de forma a preservar o equilíbrio financeiro dos contratos, determinando que, durante toda a obra, vigorará a opção feita ao início do empreendimento (art. 9º, § 16, da lei 12.546/11). Naturalmente, tal opção somente poderá ser feita pela empresa responsável pela respectiva matrícula da obra. Da mesma forma, as empresas enquadradas no mesmo grupo 1 que tenham obtido matricula até 30/11/2015, mantém a sistemática de desoneração na alíquota de 2% até o término da obra (art. 2º c/c art. 7º, I, ambos da lei 13.161/15).
Importante observar que para as empresas do grupo 1, a opção da contribuição substitutiva deixa de ser integral, para a empresa comum um todo, mas passa a ser por obra de construção civil, ou seja, a cada matrícula CEI emitida (art. 9º, § 16, da lei 12.546/11). Ou seja, enquanto para o grupo 2 adota-se a regra geral de substituição para a empresa como um todo, de acordo com o CNAE preponderante, para o grupo a dinâmica é alterada, valendo a opção por obra matriculada.
Todavia, como já visto, a eventual opção das empresas construtoras responsáveis pela matrícula do grupo 1, que pode ser por obra, não interfere na relação com os empreiteiros e subcontratados, que deverão se submeter às regras gerais da legislação, de acordo com as opções que agora podem ser feitas.
Em suma, para fins de retenção, a empresa contratante, na atualidade, terá de verificar se a empresa de construção civil, de acordo com seu CNAE, se enquadra nas atividades desoneradas e, também, se efetivou a opção pela desoneração, o que, então, viabiliza a retenção pelo percentual reduzido.
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*Fábio Zambitte Ibrahim é advogado no escritório Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça & Associados. Professor adjunto de Direito Financeiro da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, doutor em Direito Público pela UERJ e mestre em Direito Previdenciário pela PUC/SP.