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A votação remota nas Sociedades Anônimas

A CVM reformou este ano a Instrução 481/09 para criar o boletim de voto à distância. A partir do preenchimento do boletim de voto, o acionista poderá votar remotamente em assembleias gerais.

27/11/2015

As sociedades anônimas constituem uma importante fatia do atual cenário societário brasileiro e uma de suas marcantes características é a pulverização territorial de seus acionistas. Diante deste panorama, vem tomando forma a dificuldade com a qual as companhias têm em enfrentar a formação de quórum para apreciação e eventual aprovação de suas deliberações assembleares.

No que diz respeito às sociedades anônimas de capital aberto, a Comissão de Valores Mobiliários – CVM, amparada pelo art. 127 da lei 6.404/76 (lei das Sociedades por Ações – LSA) e visando a incentivar a participação dos acionistas nas deliberações definidas em assembleias, emitiu, em 2008, o Ofício nº 257, que permitiu a realização das chamadas "assembleias on-line", desde que realizadas através de procuração eletrônica. A ideia era que o acionista pudesse, por meio de uma plataforma digital, analisar e votar, desde a publicação do edital, até o momento da efetiva realização da assembleia, a ordem do dia.

No entanto, o alto custo da operação supracitada inibiu a realização das "assembleias on-line" pela maioria das sociedades com ações na bolsa de valores. Em função disso, a CVM reformou, neste ano de 2015, a sua Instrução 481/09, para criar o boletim de voto à distância. A partir do preenchimento do boletim de voto, que tenta contemplar o maior leque de situações possível, o acionista poderá votar remotamente em assembleias gerais ao entregá-lo à companhia diretamente (que determinará meios de configurar como autêntica a votação pelo acionista), ou através do custodiante ou escriturador das suas ações, eliminando a necessidade de procuração, cuja tendência dirige-se principalmente aos acionistas não residentes no país, visto que se dispensa, desta forma, a notarização e a consularização dos documentos necessários aos votos dos acionistas domiciliados no estrangeiros.

Quanto às sociedades anônimas fechadas, é possível afirmar que a legislação brasileira limita as possibilidades de votação remota, uma vez que o art. 127 da lei 6.404/76 institui a obrigatoriedade da assinatura do acionista no livro de presença (ao passo que a CVM permite a assinatura de livro de presença eletrônico). Assim, já se pode dizer que a alternativa mais vantajosa para os acionistas de sociedade anônima fechada continua sendo a representação por procurador nas assembleias.

Neste sentido, no que se refere às votações realizadas através de procurador, o §1º do art. 126 da LSA dispõe que a procuração com finalidade de voto deverá ter como outorgado outro acionista, administrador da companhia ou advogado. Nas companhias abertas, além das possibilidades anteriormente citadas, é facultada a outorga de poderes à instituição financeira, cabendo ao administrador de fundos de investimento representar os condôminos. Em ambos os casos, o procurador designado deverá ter sido constituído há menos de um ano.

Ainda com relação às procurações, o §2º do art. 126 dispõe sobre os Pedidos Públicos de Procuração, opção ainda tímida no cenário brasileiro atual, facultada às sociedades anônimas abertas, à sua administração ou ao seu acionista controlador, direcionados aos demais acionistas com direito a voto, que pode se dar por correspondência ou por anúncio publicados em veículos de comunicação, observando-se a regulamentação da CVM. É possível, ainda, que o Pedido Público de Procuração seja feito por qualquer acionista, desde que dirigido a mais de 10 (dez) acionistas.

As procurações objeto de pedido público devem indicar um procurador para votar a favor, um procurador para se abster e outro procurador para votar contra cada uma das propostas objeto do pedido, além de indicar expressamente como o procurador deverá votar em relação a cada uma das propostas e restringir-se a uma única assembleia (art. 24 da IN CVM 481/09).

Nos Estados Unidos, onde imperam grandes corporações e sobretudo companhias abertas, a ausência dos acionistas nas deliberações assembleares gerou um fenômeno denominado como "proxy machinery" (traduzido livremente para “máquinas de procurações”), que se caracteriza pela busca de procurações dos acionistas ausentes, para automaticamente ter-se a maioria na votação da ordem do dia, sobretudo quando se trata de deliberações pela eleição de diretoria ou, por vezes, a aprovação de contas com volumosos bônus.

Atualmente, os estatutos sociais das companhias americanas reconhecem que comunicações eletrônicas também poderão ser usadas para outorgar uma “proxy” (procuração), desde que a autenticidade de tal comunicação seja devidamente comprovada e que sejam listadas as matérias através das quais o procurador poderá representar o acionista, não obstante, na maioria dos casos, os procuradores poderem exercer um julgamento independente das matérias elencadas em assembleia.1

Assim, a tão conhecida "proxy machinery" dos EUA é um dos motivos pelo qual a CVM, através da IN 481/2009, busca a aproximação do acionista ausente ao seu procurador e à sua real intenção de votação, de modo, ainda, a conferir maior transparência às deliberações. Nesse sentido, por exemplo, é que se veda, no anúncio de convocação da assembleia, a inclusão do item “assuntos gerais”, de modo que toda a matéria votada seja de conhecimento prévio do acionista representado.

Ante o exposto, apesar das opções de votação remota ainda estarem sendo timidamente utilizadas pelas companhias brasileiras, é importante destacar que a confiança das companhias e o seu valor perante o mercado passam, também, pela credibilidade que se dá ao voto dos acionistas. A adoção de sistemas e mecanismos que possibilitem a votação do maior número de acionistas possível é medida que agrega, inclusive, valores de governança corporativa, tão presente e importante no cenário societário atual.

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1 SUBRAMIAN, Guhan. KRAAKMAN, Reinier e ALLEN, William T., Commentaries and Cases on the Law of Business Organization.4ª ed. Nova Iorque: Wolters Kluwer, p.161.

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*Tatiana Maranhão é advogada do escritório da Fonte, Advogados.


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