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A propósito de abusos na aplicação do decreto-lei 201/67 que dispõe sobre a responsabilidade de prefeitos e vereadores

O DL estabeleceu o controle da atuação de prefeitos e vereadores, separando os crimes dos prefeitos, no exercício do mandato.

10/11/2015

A propósito de abusos na aplicação do decreto-lei 201/67 que dispõe sobre a responsabilidade de prefeitos e vereadores

1. O DL 201/67 e sua vigência. - 2. Os crimes e as infrações político-administrativas. - 3. O procedimento nos processos de cassação de mandatos eletivos municipais. - 4. Os abusos das Comissões Processantes e dos Plenários, em sua atuação para-judicial, investidos de poderes judicantes.

O decreto-lei 201/67, editado durante o período do regime militar, na esteira do Ato Institucional 4, estabeleceu o controle da atuação de prefeitos e vereadores, separando os crimes dos Prefeitos, no exercício do mandato, assim como as infrações político-administrativas praticadas tanto por prefeitos, quanto por vereadores.

Os crimes praticados por Prefeitos são julgados pelo Poder Judiciário. As infrações político-administrativas praticadas pelo chefe do Executivo e as de responsabilidade de Vereadores sujeitam-se ao exame e julgamento das Câmaras Municipais. Dessa forma, os integrantes do Poder Legislativo municipal assumem, nesses processos, a condição de responsáveis pela condução dos processos respectivos e também como julgadores. Trata-se, no caso, de um julgamento para-judicial, sujeito ao exame do Poder Judiciário para analisar abusos e eventuais defeitos formais no andamento dos processos político-administrativos, de responsabilidade da Comissão Processante e, eventualmente, do Plenário da Câmara na votação final do julgamento do processo.

O artigo 5º do DL 201/67 dispõe sobre o processo de cassação que pode ser adotado pelo Regimento Interno da Casa, até mesmo com eventuais alterações que permitam ampliar o direito de defesa dos acusados, nunca restringi-lo.

É quanto a este tocante que se anotam abusos da chamada Comissão Processante, composta, por sorteio, por vereadores dos diversos partidos políticos com assento na Edilidade. Nem sempre a apreciação de tais processos, quer pela Comissão Processante, quer pelo Plenário da Câmara, se atém aos rigores da lei e à isenção indispensável, até porque, quase sempre, sua análise vem permeada por nefasta influência política, a turvar a legitimidade do ato de cassação de mandato, resultante de tal procedimento. Até porque – e isso não tem sido incomum – tais processos se tornam verdadeiras armas contra adversários políticos sujeitos aos humores ou interesses nem sempre confessáveis de maiorias ocasionais nas Casas Legislativas municipais.

Aqui cabe a atuação do Poder Judiciário, na análise dos procedimentos processuais adequados e, até mesmo, dadas as características dos pressupostos que fundamentaram o ato de cassação, analisar os motivos reais que o ensejaram. E, ao contrário do que se propala sem atenção ao comportamento arbitrário que inspira, muita vez, a atuação dos Edis transmutados em julgadores, possibilitar-se-á ao Poder Judiciário adentrar o mérito do ato cassatório. Pois, a este não se poderá atribuir, genericamente, a condição especial de 'interna corporis'. Nesse sentido há pronunciamento do STJ abaixo em parte transcrito:

"De toda esta linha de argumentação discordo apenas da assertiva, no sentido de que 'as deliberações da Câmara, em matéria de cassação de mandatos de Prefeito, como de Vereadores constituem decisões 'interna corporis'.

Em verdade, tais decisões não se limitam ao âmbito de interesse das assembleias municipais. Elas penetram o âmbito de interesses pessoais dos titulares dos mandatos desconstituídos. Em se tratando cassar mandato de prefeito, o processo, invade o próprio âmbito de autonomia do Poder Executivo.

Não se pode considerá-las interna corporis. Mais apropriado seria tê-las como externa corporis. Não vejo como imunizá-las ao crivo do Poder Judiciário.

No voto com que conduzi esta Turma, no julgamento do RMS 7.313, assinalei:

'A jurisprudência do STF que afasta do controle judicial os atos interna corporis das casas legislativas deve ser encarada à luz dos esclarecimentos contidos no primoroso voto do eminente ministro Celso de Mello, no julgamento do MS 21.374:

'Interna corporis são só aquelas questões ou assuntos que estejam direta e imediatamente com a economia interna da corporação legislativa, com seus privilégios e com a formação ideológica da lei, que, por sua própria natureza, são reservados à exclusiva apreciação e deliberação do Plenário da Câmara. Tais são os atos de escolha da Mesa (eleições internas), os de verificação de poderes e incompatibilidades de seus membros (cassação de mandatos, concessão de licenças, etc) e os de utilização de suas prerrogativas institucionais (modo de funcionamento da Câmara, elaboração de Regimento, constituição de Comissões, organização de Serviços Auxiliares, etc) e a valoração das votações.

Daí não se conclua que tais assuntos afastam, por si só, a revisão judicial. Não é assim. O que a Justiça não pode é substituir a deliberação da Câmara por um pronunciamento judicial sobre o que é de exclusiva competência discricionária do Plenário, da Mesa ou da Presidência. Mas pode confrontar sempre o ato praticado com as prescrições constitucionais, legais ou regimentais, que estabeleçam condições, forma ou rito para o seu cometimento.

Nesta ordem de ideias, conclui-se que é lícito ao judiciário perquirir da competência das Câmaras e verificar-se se há inconstitucionalidades, ilegalidades e infringências regimentais nos seus alegados interna corporis, detendo-se, entretanto, no vestíbulo das formalidades, sem adentrar o conteúdo de tais atos, em relação aos quais a corporação legislativa é ao mesmo tempo destinatária e juiz supremo de sua prática.

Nem se compreenderia que o órgão incumbido de elaborar a lei dispusesse do privilégio de desrespeitá-la impunemente, desde que o fizesse no recesso da corporação. Os interna corporis só são de exclusiva apreciação das Câmaras naquilo que entendem como as regras e disposições de seu funcionamento e de suas prerrogativas institucionais, atribuídas por lei.

É de registrar – ainda que estas observações sejam inaplicáveis ao caso presente – que a infração a norma do Regimento Interno, que não possua extração constitucional, pode revelar-se passível de controle pelo Judiciário, desde que o exercício abusivo do poder pelo Presidente da Casa legislativa implique a nulificação de direitos conferidos aos parlamentares pelo próprio texto da Lei Fundamental, como o de oferecer emendas às proposições normativas (CF, art. 65, parágrafo único; art. 166, § 3º) ou de recorrer, ainda que coletivamente, da deliberação das comissões legislativas tomada na forma do art. 58, § 2º, I, da Carta Política.

Os atos interna corporis – não obstante abrangidos pelos círculos de imunidade que excluem a possibilidade de sua revisão judicial – não podem ser invocados, com essa qualidade e sob esse color, para justificar ofensa ao direito público subjetivo que os congressistas titularizam e que lhes confere a prerrogativa institucional à devida observância, pelo órgão a que pertencem, das normas constitucionais e regimentais pertinentes ao processo de atuação da instituição parlamentar.

É preciso reconhecer neste ponto – consoante advertiu o saudoso min. Luiz Gallotti em julgamento neste Supremo Tribunal (v. Arnoldo Wald, "O Mandado de Segurança e sua Jurisprudência", tomo II/889 – que 'Desde que se recorre ao Judiciário alegando que um direito individual foi lesado por ato de outro poder, cabe-lhe examinar se esse direito existe e foi lesado. Eximir-se comodamente com a escusa de tratar-se de ato político, seria fugir ao dever que a Constituição lhe impõe, máxime após ter ela inscrito entre as garantias fundamentais, como nenhuma outra antes fizera, o princípio de que nem a lei poderá excluir da apreciação do poder judiciário qualquer lesão de direito individual'.

Não obstante o caráter político dos atos interna corporis, é essencial proclamar que a discrição dos corpos legislativos não pode exercer-se – conforme adverte Castro Nunes ("Do Mandado de Segurança", pág. 223, 5ª ed.) – nem "...fora dos limites constitucionais ou legais", nem "... ultrapassar as raias que condicionem o exercício legítimo do poder".

Lapidar, sob este aspecto, o magistério, erudito e irrepreensível, de Pedro Lessa (Do Poder Judiciário, pág. 65), verbis:

"Numa palavra: a violação das garantias constitucionais, perpetrada à sombra de funções políticas não é imune à ação dos tribunais. A estes sempre cabe verificar se a atribuição política abrange nos seus limites a faculdade exercida. Enquanto não transpõe os limites das suas atribuições, o Congresso elabora medidas e normas, que escapam à competência do poder judiciário. Desde que ultrapassa a circunferência, os seus atos estão sujeitos ao julgamento do poder judiciário, que, declarando-os inaplicáveis por ofensivas a direitos, lhes tira toda eficácia jurídica." (RTJ 144/494).

"O processo de cassação é, assim, suscetível de pleno controle pelo Judiciário." (g.n.)

(RMS 10222 / AM RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 1998/0073981-5, Relator Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, T1 - PRIMEIRA TURMA, j. 17/12/98, p. DJ 29/3/99 p. 76)

O entendimento de nossas Cortes Superiores, acima transcrito, afasta em casos específicos o entendimento segundo o qual é vedado ao Poder Judiciário adentrar o exame do mérito de atos político-administrativos de cassação de mandatos eletivos municipais.

Permitimo-nos, assim, alertar nossas Câmaras Municipais no sentido de terem presente a necessidade de uma atuação rigorosamente dentro da lei, assim como atenta aos fatos, em processos dessa natureza. Não se trata de desestimular o rigor na fiscalização da atuação de prefeitos e vereadores no exercício de seus mandatos eletivos. Cuida-se, isto sim, de preveni-los contra a prática de abusos que apenas deslustram sua atuação como representantes do poder público-político e, ao mesmo tempo, revelando reprovável e injustificável atentado ao respeito, com indispensável lisura, às nossas instituições democráticas.

____________

*Tito Costa e Fátima Miranda são membros do Centro de Estudos de Direito Público – CEDP.

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