Migalhas de Peso

Quando decido testemunhar... As reeleições e o caso Odebrecht em questão!

Há uma confusão geral criada pelos mitos de hoje, que conduziram a maioria absoluta dos cidadãos a abjurar o existente, sem mirar em fatos ocorridos há pouco mais de uma década.

23/9/2015

Cualquiera que el tejado tenga de vidrio, no deberia tirar piedras al del vecino.
(Manuel de Falla, Seguidilla Murciana, texto popular)


Pesaroso, com moderada coragem e com possível confronto em vista, amarguro o conturbado momento em que nossa querida Pátria vive.

Dediquei a este escrito muitas reflexões, bem silenciosas e introspectivas, para colocar em vernáculo o que, ainda motivado, apesar de anos de vida intensa, não iria silenciar e meu coração exigiu que não deixasse passar a oportunidade de levar aos ocupados, mas preocupados, colegas este humilde raciocínio livre dos estereótipos que a mídia está martelando. Aliás, se não o fizesse, teria que cantar ou rezar um Kaddish1.

De que tenho a dar relevo? Há uma confusão geral criada pelos mitos de hoje, que conduziram a maioria absoluta dos cidadãos a abjurar o existente, sem mirar em fatos ocorridos há pouco mais de uma década. Não são as galinhas do STF, no caso da lava jato, mas avestruzes. Lembrando o abade Tiago, que viveu no I Século desta era: “Palavras somente (elas) não bastam. Neste momento há vários discursos entre os homens. Há, entretanto, urgência de fatos, os quais é preciso buscar, não as palavras que não dão fruto”.

1 – Busquei os fatos, com cuidado.

De início, foco as justas catilinárias contra a Presidente Dilma (eleita também para o segundo mandato, por voto popular) e o ex-Presidente Lula (eleito por dois mandatos, também pela maioria dos eleitores presentes).

Questionamos se eles não tivessem se aproveitado da magistral jogada política construída pelo antecessor (que “mudou” a Constituição para agregar a possibilidade de sua reeleição), as bandalheiras poderiam ter acontecido com requinte nos seus mandatos, pelo menos anunciadas e acolhidas.

Com um pouco de sensatez, mirando o dito do abade, sem nenhum controle externo ou interno, para desenhar os fatos, sem receio, dizendo que as reeleições, inclusive a do seu “criador”, foram e serão a causa eficiente deste momento trágico que o povo está vivenciando. Até hoje, não entendo porque não foi investigada a reeleição e, agora, se procura inibi-la na Mini-Reforma. Sem a reeleição, não teríamos reeleito o metalúrgico e nem a economista revolucionária. Mas, quiçá, conduzido à Suprema Magistratura, valham-nos os céus, uma figura caricata de uma linda praia ou um subproduto do pão de queijo ou um criador de gado zebu ou, até, algum cassado pela “gloriosa” residente ou, até, hóspede de passagem pelas terras de Piratininga. Tudo dependia do equilíbrio dos partidos políticos e sua decisão de servir o país, conservando os valores democráticos com a escolha sadia de um homem público do jaez do não reconhecido Presidente Itamar Franco, que acreditou no homem errado e por ele se esforçou enquanto candidato.

A falta de reflexão sobre as reeleições, até hoje, como seus diversos efeitos, não levou ninguém a, honestamente, pôr na tela do debate atual, o processo provocado pela invenção do segundo mandato. Pior, muito pior, não estamos gerando a pureza, com a indispensável e crucial renovação dos quadros políticos para a democracia se fundar e funcionar como deveria, na qual todos depositaram suas esperanças. Que temos dados aos jovens? Os mesmos satíricos personagens da pós-revolução, cognominada de redemocratização! Para despencar, de vez, em 1988, votamos uma Constituição Federal que criou mais direitos sociais do que a nossa frágil economia poderia atendê-los. E deu poderes exagerados para alguns setores, maculando a liberdade individual.

Pablo Neruda, o querido Pablito, na obra póstuma Libro de las preguntas, questiona, sobre o outono, - aqui o momento – “Por qué se suicidan las hojas, cuando se sienten armarillas?” (Planeta, Santiago do Chile, 6ª ed., p. 15, 2014).

2 - Disto isso, me volto para a Odebrecht. Não sou, hoje, advogado da empresa, nem me pediram e nem me necessitam para defende-la, nem conheço seus diretores ou qualquer pessoa que faça parte dela.

Trago fatos, sempre fatos.

Em 1974, quando operava como advogado em países africanos da língua francesa, abri à empresa o país Gabon, então governado pelo mítico Omar Bongo2. País riquíssimo em minerais e outras tantas “commodities”. Abrigara até pouco tempo uma das mais importantes personagens do século XX: Albert Schweitzer3.

Bongo acolheu uma delegação da empresa e mais representantes do nosso governo. Em seguida, ele veio ao Brasil. Cumpri minha missão, recebendo-o na Bahia, com sua comitiva e cessando o que poderia fazer. Conta-se que nada aconteceu no ambiente negocial.
Friso e confirmo: nunca se falou em propina, ou cambalacho ou “pots-de-vin”!

Eis que, estando no Peru no dia 29 de agosto, no importante periódico El Comercio, página A17, deparo o anúncio lançado pela Odebrecht Latinvest e Rutas de Lima – Concesión Vial, que a empresa, em 2014, recebeu prêmio por sua participação na de PPP, de nível mundial, outorgado pelo insuspeito World Finance, que reconheceu a “PPP Deal of the Year 2014”, após avaliar que ela teve a envergadura e relevância do projeto para o mercado; a estrutura do financiamento conseguido e – atenção – “o potencial para inspirar que seu modelo seja reaproveitado”.

Também, agora para 2015, mesmo no burburinho do lava-jato, ambas empresas são reconhecidas internacionalmente como a “melhor PPP do Peru”, desta vez, nada menos do que pelo consagrado Internacional Finance Magazine, por “sua contribuição econômica e financeira” e “aplicar standards financeiros que buscam o desenvolvimento social e sustentável do país” (Peru).

Qualquer advogado que opere na área PPP ou semelhante sabe quão rigorosas são as regras das organizações que emprestam fundos às PPP multinacionais (sobretudo o Banco Mundial).

O que sucede com os diretores da Odebrecht, graças à “delação premiada”, é deprimente para o futuro das nossas empresas no exterior.

Concluo: um dia se escreverá a história destes momentos que vivemos, onde o jogo (PT venceu políticas e outros foram “shadow men”) graças à falta de separação do trigo. Quem paga? É o povo: os humildes, os jovens (sem esperança), manipulados por tudo que lhes fora inculcado.

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1 A oração expressa, além da exaltação de Deus, o rogo pela agilização da era messiânica; e, como a ressurreição dos mortos é associada com a vinda do Messias, o Kaddish acabou por se tornar a oração daqueles que lamentam. É recitado por um período de 11 meses e 1 dia após a morte de um pai ou parente próximo (ENCYCLOPEDIA BRITANNICA. [tradução livre] Disponível em: < clique aqui>, acesso em 10 de set. de 2015).

2 Omar Bongo (nasceu em 1935, hoje em dia, a cidade de Bongoville, no Gabon e morreu em 2009, em Barcelona, na Espanha), foi o líder político do Gabon por quase 42 anos, tendo ascendido ao poder em 1967 (ENCYCLOPEDIA BRITANNICA. [tradução livre] Disponível em: <clique aqui>, acesso em 10 de set. de 2015).

3 Albert Schweitzer (nasceu em 1875 na Alsácia e morreu em 1965, no Gabon) foi um teólogo, músico, filósofo e médico alemão em missão à África equatorial, que recebeu o Prêmio Nobel da Paz, em 1952, por seus esforços filantrópicos (ENCYCLOPEDIA BRITANNICA. [tradução livre] Disponível em: <clique aqui>, acesso em 10 de set. de 2015).


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*Jayme Vita Roso é advogado e fundador do site Auditoria Jurídica.

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