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O STF e a demissão imotivada. Reintegração, readmissão ou simples direito do trabalhador?

Supremo deve rever sua posição, o quanto antes, refletindo sobre as consequências de um acórdão que poderá quebrar o princípio da isonomia.

22/9/2015

O Supremo Tribunal Federal julgando o RExt 589.998, relator ministro Ricardo Lewandowski, sendo recorrente Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos e recorrido Humberto Pereira Rodrigues, conforme acórdão já publicado, aguardando julgamento de embargos de declaração, entendeu que não é possível demitir os empregados públicos de empresas públicas e sociedades de economia mista, sem que seja a dispensa motivada.

Afirma o acórdão que,

I - em atenção aos princípios da impessoalidade e isonomia, que regem a admissão por concurso público, a dispensa do empregado de empresas públicas e sociedades de economia mista, que prestam serviços públicos, deve ser motivada, assegurando-se, assim, que tais princípios, observados no momento daquela admissão, sejam também respeitados por ocasião da dispensa...”

Inicialmente deve se esclarecer que essa premissa no sentido de que os princípios admitidos no momento da admissão, sejam também respeitados por ocasião da dispensa, como concedido pela Corte, é uma premissa falsa.

Não é possível que a Suprema Corte confunda o instituto do concurso público, para ingresso do servidor, com a motivação da dispensa, na qual não há nenhuma determinação de inquérito para que se apure as reais razões da dispensa.

No próprio corpo do acórdão, do debate existente entre os ministros, ficou decidido que a esses empregados não está o STF concedendo a garantia da estabilidade fundada no artigo 41 da CF, dizendo o eminente ministro relator:

“Eu não me oponho que isso conste da proclamação do julgamento, acho que essa é a essência, realmente, do meu voto e da conclusão do Plenário.”

Resumindo, o Supremo determina a motivação da ruptura unilateral dos contratos individuais do trabalho, mas, ao mesmo tempo, afirma que não concede aos empregados a garantia da estabilidade, ou, consequentemente, a reintegração do empregado demitido.

E nesse aspecto é que me parece que a premissa constante do inciso II da ementa, na realidade é falsa, ou seja, o STF está exigindo que as empresas que contratam por meio de concurso, ao demitir motivem a dispensa, mas qual a isonomia e impessoalidade existente entre admissão por concurso e demissão por simples dispensa motivada se não há obrigatoriedade de inquérito, ou reintegração?

Exemplificando, eu posso demitir meu empregado e justificar sua demissão por desnecessidade de seus serviços, mas ninguém poderá determinar a reintegração dele, nem verificar se, realmente, seus serviços não são mais necessários, não havendo nenhuma isonomia com relação à contratação por concurso e essa forma de demissão.

Pela CLT, antes da lei do FGTS, o empregado estável poderia ser demitido desde que comprovada a justa causa, mediante inquérito, e, daí sim, existiria isonomia, se o Supremo, nesse julgamento, exigisse a justa causa para a demissão, comprovada mediante inquérito administrativo, porque estaria o empregado sendo demitido, conforme foi admitido, mediante uma rescisão formal.

Mas exigir o STF as razões da demissão, e essas não valerem para fins de reintegração, se justas não forem, é o mesmo, “data vênia”, do que não dizer nada, o que aliás, pelo princípio da isonomia, não deveria ser dito.

É que os empregados públicos são nomeados por concurso porque, de acordo com o artigo 37, II da Constituição, assim está estabelecido, mas o mesmo artigo não determina que na rescisão dos mesmos, exista um processo legal em que se caracterize as razões dessa rescisão.

E assim não foi feito, nem o constituinte quis, porque não pretendeu engessar os empregos públicos, como não engessou os privados, com uma garantia no emprego que , ainda não regulamentada, foi substituída pelo artigo 7º, I, da Constituição, por uma indenização compensatória, prevista no artigo 10 do Ato das Disposições Transitórias.

Se a ideia da Suprema Corte seria a de aplicar o princípio da isonomia, pela própria Constituição deveria ter observado em favor da recorrente, seu artigo 173, inciso II, que sujeita todas as empresas públicas ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários.

Mas vamos deixar de lado o que deveria ser feito e atuar nosso raciocínio no que foi feito: a Suprema Corte determinou que toda a dispensa dos empregados públicos deve ser motivada e, ao mesmo tempo, confirma no acórdão, (e esta matéria não está em debate nos embargos de declaração ora em curso), que não concedeu a esses empregados o direito à estabilidade em decorrência da apreciação dessa motivação.

Entretanto, os Tribunais, e, logicamente, em especial, o TST, na apreciação dessas motivações, têm determinado a reintegração dos empregados, com o consequente pagamento do tempo não trabalhado, e como não há modulação da época desse pagamento, o prejuízo real e futuro para as empresas será fantástico por uma razão, ao meu ver, inexistente.

Fora, ainda, a possibilidade dos empregados de empresas privadas, pelo princípio da isonomia, o mesmo usado pelo Relator para determinar a motivação das dispensas, pedirem também a reintegração por falta de motivação e por aplicação do próprio artigo 173, II, da Constituição, ao inverso.

Mas qual a razão inexistente? Ora, partindo do pressuposto de que não existe uma determinação sem consequência, pois se assim fosse ninguém cumpriria, a motivação do empregado é passível de ser apreciada na Justiça para fins de reintegração, como vem acontecendo, ou com a finalidade de readmissão, sem salários, como aconteceu nos casos de anistia?

Mas pasmem, acho que o Supremo “atirou no que viu e acertou no que não viu”. É, o STF, sem querer, decidiu corretamente o que deveria ser decidido para todos os empregados brasileiros, não em razão de terem direito à reintegração, ou readmissão.

E aqui quero saudar o nosso mestre e meu parceiro em alguns casos na Justiça do Trabalho, Arnaldo Sussekind.

É que quando elaboramos, em 1975, um novo projeto da Consolidação das Leis do Trabalho, Sussekind lá colocou uma norma determinando que toda a demissão fosse motivada.

Com essa determinação não contrariou a Constituição, que admite a dispensa sem justa causa, mas o objetivo foi o de que o empregado atualmente, quando demitido sem justa causa, não toma conhecimento das razões dessa demissão, dificultando a possibilidade de reclamar judicialmente os direitos concernentes, ou mesmo a apresentação de sua demissão para a admissão em um novo emprego.

Assim Sussekind entendia que toda a rescisão contratual fosse acompanhada das razões da dispensa, o que não implicaria em apreciação dessas razões , a não ser se fosse o empregado demitido por justa causa, ou não lhe pagasse a empresa os direitos concernentes à rescisão contratual.

Vejo dessa forma na decisão da Suprema Corte, embora o próprio Supremo tenha assim decidido sem levar em consideração, porque não conhecia, os fundamentos de Arnaldo Sussekind.

É preciso, porém, aprofundarmos mais um pouco na tese da Suprema Corte e suas consequências atuais.

O ministro Roberto Barroso, na ação cautelar 3669, concedeu o sobrestamento de processo em que a empresa demonstrava o risco de sérios prejuízos, uma vez que não havia ainda a Corte tratado da modulação, nem exatamente do marco temporal, ou das empresas e sociedades públicas que estariam abrangidas pelo acórdão do RExt 589.998.

Também o TST tem atualmente concedido o sobrestamento a processos que tratam da mesma matéria em recurso extraordinário.

Vejam, por exemplo, se o tratamento for concedido de acordo com a decisão do STF como hoje se encontra publicada no acórdão, e se a empresa pública, admitida no processo como uma das obrigadas a justificar a demissão, tiver nos últimos anos rescindido centenas de contratos sem justa causa, como vem acontecendo nessa fase de nossa economia, e não tiver justificado porque a própria Constituição admite a demissão sem justa causa, isenta de justificação, terá ela de reintegrar todos esses trabalhadores, mesmo sem ter necessidade e pagando indenizações vultosas por ter cumprido a lei?

E se houver um marco temporal do início dessa exigência, a partir da publicação dos embargos do STF, o que acontecerá se a empresa, posteriormente, não justificar a demissão? Qual a penalidade? Será reintegração em decorrência de que a demissão seria nula? E se for a reintegração o STF não estará admitindo a estabilidade, após ter dito no acórdão que a falta de justificativa não gera tal direito?

E se os empregados públicos tiverem direito à reintegração, por não terem sua demissão justificada, não poderão os demais empregados brasileiros, pelo princípio de isonomia, pedirem o mesmo benefício?

Certo que poderá a Corte responder que eles não foram contratados por concurso, mas o que tem a ver o concurso com os motivos da demissão? Poderia ter a ver com a forma processual da rescisão mas não com os motivos.

Creio, assim, que o Supremo deve rever sua posição, o quanto antes, refletindo sobre as consequências de um acórdão que poderá quebrar o princípio da isonomia, além de alterar substancialmente o direito do trabalho no Brasil, o que deveria ser feito por lei, ou, no caso, por alteração na própria Constituição.

__________

*José Alberto Couto Maciel é advogado da Advocacia Maciel. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho.


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