Migalhas de Peso

Remédio amargo: a greve

Os servidores do Judiciário da Bahia estão em greve. Este foi o remédio amargo e indispensável imposto. A adesão ao movimento é condição para a sobrevivência de todos os pacientes.

28/8/2015

A greve não foi caminho indicado pelo SINPOJUD ou pelo SINTAJ, mas remédio amargo e indispensável prescrito e imposto pela equipe médica como meio para curar os males do estômago, os estragos psicológicos, as dores na coluna, que degeneram a saúde dos servidores. A adesão ao movimento é condição para a sobrevivência de todos os pacientes, daí porque não pode nem deve haver “furo”, sob pena de em conformidade com os exames de laboratório causar sérios transtornos mentais, significativos riscos de transmissão para toda a família.

Aí está a motivação maior da greve que já passa de 15 dias, sem considerável progresso nas negociações; a manifestação do Tribunal de Justiça limitou-se à remessa de projeto de lei para recomposição dos salários, ainda assim dividido, percentual de 3,5%, retroativo a março/15, e 2,812%, a partir de novembro/15. E o 5%, relativo a última parcela, consignado na lei 11.170/08, sobre o Plano de Cargos e Salários? O sindicato precisou requerer mandado de segurança para forçar o Tribunal a cumprir a lei, de iniciativa do próprio Tribunal. Insere-se nas reivindicações da classe a gratificação por atividades externas, a indenização de transporte aos oficiais de Justiça e aos agentes de proteção ao menor e o pagamento das substituições.

A categoria continua com a greve e espera a manifestação de magistrados, de advogados, dos operadores do direito de maneira geral, dos prefeitos, vereadores, deputados e principalmente a compreensão do cidadão; estejamos todos certos de que a máquina judiciária não funciona sem o trabalho do servidor e, nesse momento, ele reclama solidariedade.

O despacho prolatado por um magistrado de Pernambuco, adiando audiência por causa da greve dos servidores, que considera justa, é sintomático; critica o julgador a diferença “abissal” entre o salário dos juízes e o dos servidores, quando diz que “a relação entre os servidores e a presidência do TJ/PE caracteriza aquela situação quase limite representada por uma corda esticada”. Essa é a imagem real e atual dos servidores que ficam de um lado da corda, padecendo as agruras da exploração e na outra ponta da corda os magistrados. Não se insinua contra a remuneração dos juízes, mas se insurge contra as migalhas dos servidores.

Conclui o corajoso magistrado da necessidade de “resgatar a importância do servidor público dentro da missão institucional do Poder Judiciário”.

A greve tornou-se a única e última solução para drenar o sangramento que dimana do desleixo no qual foram atirados os servidores do Judiciário da Bahia; não faltaram avisos, na tentativa de evitar a greve, pois foram sucessivas as reclamações, por todos os meios, imprensa, ofício, paralisações de um dia por semana e até através do então corregedor das comarcas do interior, nos anos 2012/13, quando visitava as unidades do interior e as abordagens eram sempre no sentido de contratação de servidores, de pagamento de substituições, de melhor estrutura para o trabalho, de conservação dos fóruns, de efetivação dos planos de saúde, de nomeação de juízes. O corregedor endossou as manifestações, porque visualizou o descalabro e sempre que retornava das viagens, oficiava para a presidência e para o CNJ; revelava os protestos justos dos servidores, através de artigos assinados e no Pleno do Tribunal de Justiça, sempre mostrava a injustiça que se cometia contra esse segmento importante do Judiciário.

Pois bem. Nada disso foi suficiente para o Tribunal tomar as providências básicas, e os servidores continuam impedidos, em muitos momentos, de gozar o direito sagrado de descanso semanal, de férias, de licença prêmio, de receber remuneração por acumular funções, de embolsar indenização pelo uso de seu próprio carro para cumprir mandados judiciais, de ter seus salários recompostos em função da inflação, como acontece com todos os trabalhadores. Sempre em nome da boa prestação dos serviços judiciais, o tempo passou, e nunca se atendeu às suas justas reivindicações.

Apesar de exercer a mesma atividade, distribuição de justiça, os servidores do Estado, são tratados diferentemente do que se vê no âmbito federal. Na Justiça trabalhista, na Justiça eleitoral e na Justiça Federal o ambiente de trabalho proporciona dignidade aos servidores, há respeito e diálogo dos superiores e os jurisdicionados ficam satisfeitos, porque as ferramentas indispensáveis ao trabalho são oferecidas; os servidores da Justiça estadual são hostilizados pelo cidadão, que padecem para obter os serviços cartorários, a exemplo do registro de nascimento ou óbito, da certidão e da sentença.

Os cartórios extrajudiciais, privatizados em 2012, depois de três anos, permanecem, 90%, jogados sobre os ombros dos servidores judiciais, gente que não foi preparada para a atividade, mas que são obrigados a exercê-la, sob pena de sindicância. O Judiciário explora o cidadão, quando reajusta as taxas cartorárias em percentual médio de 300%, mas não se preocupa em aperfeiçoar os ofícios e pouco se importa com a reação da comunidade.

O cidadão aborrece, reclama, com toda razão, e o servidor é obrigado a calar-se, porque, concursado para escrevente, é compelido a tornar-se escrivão do cível e do crime ou a desempenhar a função de oficial de registro civil da sede da comarca e acumular o mesmo encargo em cartórios de alguns distritos; a recusa implica em punição; os servidores que sobrevivem às intempéries dessa cruel labuta, são forçados a trabalhar além do que permite suas forças, acuados pela antipatia do jurisdicionado, que não compreende a falta até mesmo de material de expediente; o estresse da luta diária causa-lhe doenças, habilita-lhe à intolerância em casa. A situação não condiz com o cargo e com a instituição a qual servem.

Marluce Rios de Oliveira, oficiala do cartório de registro civil com funções notariais do distrito judiciário de Mirangaba, município com quase 18 mil habitantes, distante de Jacobina 33 quilômetros, foi designada para o cartório de registro civil com funções Notariais do distrito de Itaitu, distante 25 quilômetros de Jacobina; foi designada também para um terceiro e um quatro cartórios de Registro Civil com funções Notariais nos distritos de Nuguaçu, distante 54 quilômetros de Jacobina e no distrito de Taquarendi, distante 50 quilômetros de Jacobina.

Em Aurelino Leal, uma administradora, substitui a titular do Cartório de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e das Pessoas Jurídicas e ainda é liquidante da unidade gestora, mas percebe pelo acúmulo dessas funções a importância de R$ 76,96.

A ressalva que se faz é sobre os delegatários, apenas 10% dos cartórios extrajudiciais, que na sua imensa maioria, investiram no homem e na máquina, dispondo, portanto, de ferramentas adequadas para a boa prestação dos serviços.

Os servidores, patrimônio do Judiciário da Bahia, contam com a solidariedade da magistratura, da OAB, do Instituto dos Advogados da Bahia, dos operadores do direito e de todos os jurisdicionados, pois foram forçados à greve, depois de anos gritando pelo seu direito, sem encontrar respaldo de quem tem o dever de fazer justiça.

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*Antonio Pessoa Cardoso é desembargador aposentado do TJ/BA e advogado do escritório Pessoa Cardoso Advogados.

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