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Breve balanço da lei de recuperação de empresas e falências (lei 11.101/05)

Com a experiência prática dos dez anos da lei de recuperação de empresas e falências podemos afirmar que há a necessidade de sua modernização.

14/8/2015

Dez entre dez analistas econômicos, variando apenas o nível do pessimismo, acreditam que o Brasil vive um momento de crise. Na atual conjuntura econômica, com alta nas taxas de juros de empréstimos, restrição de crédito, disparada do dólar e aumento da inflação, a saúde financeira das empresas vem sendo seriamente comprometida, o que resultou no aumento da decretação de falências e dos pedidos de recuperação judicial no primeiro semestre do corrente ano.

Segundo os últimos dados fornecidos pela Boa Vista SCPC (Serviço Central de Proteção ao Crédito), no acumulado de 2015, as falências decretadas subiram 37,1% em relação ao ano anterior. Já os pedidos de recuperação judicial e as recuperações deferidas aumentaram significativamente e acumulam alta de 28,3% e 24,5%, respectivamente.

É com este cenário que a lei de recuperação de empresas e falências, lei 11.101/05, completa uma década em vigor.

Nesses dez anos os benefícios trazidos às empresas, pela lei em questão, foram inúmeros, como é o caso da chamada blindagem sucessória, que nada mais é do que a possibilidade dos investidores não herdarem passivos fiscais e trabalhistas originários de uma má gestão empresarial. Com tal medida, tornou-se possível a venda de ativos de empresas em dificuldades pelo preço de mercado, valorizando-os, atraindo mais interessados e beneficiando os credores.

Além do mais, vários outros benefícios podem ser apontados na lei para as empresas em recuperação judicial, já que ela possibilita, através de negociações com os detentores de créditos, a concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas e vincendas.

Dentre as condições especiais pode-se elencar além dos prazos para pagamento, a aplicação de deságio ao crédito, a sujeição do pagamento à sobra de fluxo de caixa da empresa em recuperação, a suspensão das execuções contra o devedor, dentre outros meios que possam viabilizar a superação da crise financeira do devedor e, dessa forma, atingir o objetivo maior da lei que é “viabilizar a superação da crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.

Em contrapartida, os aspectos negativos também podem ser apontados nesses dez anos, dentre eles a dificuldade de acesso a crédito após o pedido de recuperação judicial, a trava bancária (nome dado à determinação imposta pela lei de que nenhum dos bens da empresa que for objeto de alienação fiduciária, arrendamento ou reserva de domínio estará englobado pela recuperação, o que contribuiu para que muitos apelidassem a lei como “lei de recuperação de crédito bancário”), a não inclusão do fisco no plano de recuperação judicial e os diversos requerimentos de recuperação judicial por empresas sem viabilidade econômica.

Quanto à chamada trava bancária, como é sabido e consabido, grande parte das empresas está sujeita a contratos de crédito junto às Instituições Financeiras na forma das exceções aplicadas pela lei. Por óbvio, fica extremamente dificultada qualquer recuperação se os maquinários, equipamentos, veículos etc., com os quais a empresa trabalha e dos quais dependa para seu funcionamento forem tomados pelos Bancos, por força, por exemplo, de uma alienação fiduciária. Logo, nesses casos não há a satisfação da finalidade da lei em sua plenitude, pois os pedidos de recuperação serão ineficazes e findarão, provavelmente, com a convolação da recuperação judicial em falência, tendo por consequência um reflexo negativo na economia.

Em relação a não inclusão do fisco no caso da recuperação judicial, muitas empresas em dificuldades deixaram de utilizar os benefícios da lei, não ingressando com a ação, pois o seu maior credor ficaria de fora, não havendo sentido no ajuizamento do pedido de recuperação judicial se o problema maior da empresa, débito tributário, não seria remediado.

Contudo, o próprio Código Tributário Nacional determinou a edição de lei especial para tratar do parcelamento do débito tributário de empresas em situação de recuperação judicial, o que somente ocorreu através da lei 13.043, de 13 de novembro de 2014, que permite que as empresas possam dividir seus débitos em até 84 parcelas, sem redução da multa e juros. Ocorre que, diante do endividamento que as empresas possuem com o fisco, com altíssimos valores envolvidos, o prazo de parcelamento concedido, somado com ausência de previsão de redução de multa e juros, torna, sem sombra de dúvidas, a recuperação judicial inviável para a maioria das empresas em crise.

Outrossim, ainda no exercício da crítica, podemos considerar como mais um ponto negativo os diversos requerimentos de recuperação judicial por empresas sem viabilidade econômica, ou seja, recuperações judiciais fictícias que servem apenas para prejudicar sobremaneira os credores. Nesses casos as empresas ingressam com o pedido de recuperação judicial quando já estão em estado falimentar, não oportunizando aos seus credores saídas razoáveis para o recebimento dos créditos, o que termina na aceitação de deságios em percentuais altíssimos, às vezes superiores a 80% (oitenta por cento) e/ou em parcelamentos de mais de 15 anos ou, até mesmo, com os pagamentos dos créditos condicionados ao fluxo de caixa positivo da empresa, que não vai ocorrer, dentre outras formas que impõem sacrifícios excessivos aos credores.

O pedido de recuperação judicial por empresas que já estão praticamente em processo falimentar é o exemplo do mau uso da lei, pois o plano de recuperação judicial aprovado, nesses casos específicos, não é um projeto de reestruturação para tornar a empresa economicamente viável, mas, sim, um plano de renegociação de dívida bastante desfavorável aos credores. O pedido de recuperação judicial em tal estágio justifica a baixa taxa de sucesso de empresas que conseguem sair do processo recuperadas, enquanto a grande maioria já teve a falência decretada ou permanece se arrastando no judiciário sem uma decisão final.

É necessário estar atento ao momento certo para ingressar com o pedido de recuperação judicial, não deixando para fazê-lo quando o passivo da empresa já supera consideravelmente o seu patrimônio, o que torna mínima a chance de sucesso.

Sendo assim, com a experiência prática dos dez anos da lei de recuperação de empresas e falências podemos afirmar que há a necessidade de sua modernização, adaptando-a ao contexto atual e real do mercado brasileiro, sem, contudo, deixar de comemorar os diversos benefícios até hoje alcançados por inúmeras empresas que, atentas ao momento certo, ingressaram com o pedido de recuperação judicial e atingiram o objetivo maior da lei, qual seja: a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

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*Ana Vasconcelos Negrelli é advogada sênior de Martorelli Advogados.

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